Capítulo 8- Otávio

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O leve e simpático toque dela queimou em minha pele. Mesmo após sua saída repentina da cozinha, quase uma fuga desesperada, minhas mãos ainda estavam quentes e meu corpo reagia como se eu fosse um adolescente deslumbrado.

Eu tenho tanta coisa para pensar desde que Analy se foi ... desde que perdi o amor da minha vida ... Eu tinha filhos para criar, empresas para administrar ... Eu não podia desviar minha atenção para uma babá, por mais atraente que ela fosse.

Mas, não era só a coisa física. Eu me abri com essa garota duas vezes em uma única noite. E eu não costumava fazer isso com ninguém, nem mesmo com Arlete ou Bernardo. Meu melhor amigo, por exemplo, só soube que estava me separando de minha esposa quando Analy foi embora de casa. Meus problemas conjugais mantive sobre a máscara da aparência social.

Mas, com Maria Eduarda ... Eu me abria. Não devia, mas me abria.

Talvez eu apenas estivesse procurando uma amizade sem riscos, já que como ela fazia parte do meu núcleo social, não havia perigo de ela contar meus problemas ou minhas fraquezas para algúem importante. O fato de ela me despertar sexualmente era apenas o que qualquer mulher faria a um homem muito tempo sem sexo.

Não era como se eu fosse dormir com a empregada. Meu avô sempre me disse para manter-me longe da criadagem. Eu sempre cumpri isso, não importava o quão belas eram as bundas das garotas que limpavam o casarão ou quão espirituosas as criadas se mostrassem.

Suspiro, lembrando-me de como, na infância, eu pensei que Arlete e meu avô eram namorados. Eles se davam muito bem. Mais tarde, quando eu já era um homem e meu avô já havia falecido, Arlete me confessou que o amou em segredo por muitos anos, mas eles nunca tiveram nada.

Meu avô representou a nobreza até o fim. Não importava o quão forte era o laço que o unia a Arlete.

Larguei a xícara sobre a pia e decidi ir dormir. A dor de cabeça passou e eu precisava de uma noite de sono para o dia que viria. Muito trabalho e a presença tentadora de Maria Eduarda parecia um aviso de que noites sem sossego seriam minha rotina dali em diante.

*****

Ela estava na cozinha quando eu entrei. Preparava uma bandeja com pães, ovos e frutas. Percebi que eram para as crianças. Ela desenhou um rostinho sorridente com ketchup em cima da omelete.

- O senhor quer que eu prepare algo para comer? - ela me indagou, quando me percebeu girando os olhos e procurando Arlete.
- Eu não costumo tomar café da manhã. Apenas bebo café preto, mas Arlete deve ter colocado um bule no meu escritório.
- Sim, ela acabou de ir para lá.
- Ótimo ...

Eu devia dar meia volta agora, mas não conseguia desviar meus olhos dela.

- Passou bem a noite? A cama era confortável?
- Sim, muito. O quarto é maravilhoso. Apenas ... -Apenas?
- A casa faz barulho - ela murmurou e eu precisei conter um sorriso.
- É uma casa velha.
- Lembra filmes de casas mal-assombradas - disse.
-Garanto que não há fantasmas aqui. Apenas, talvez, algum sentimento de insatisfação.

O que eu estava dizendo? Seus olhos brilharam, curiosos, e eu soube que precisava me afastar antes de avançar e levá-la de volta a cama.

- Bom, vou deixá-la com as crianças e o café da manhã divertido - apontei a omelete. - Tenho muito trabalho.

Ela assentiu, gentil. Ela inteira era doce. Delicada. Não maliciosa. É verdade que ela lembrava muito Analy fisicamente, mas agora que estava a conhecendo melhor, percebia a diferença gritante. Minha ex jamais perdia a oportunidade de flertar. Maria Eduarda era avessa a isso. Mesmo na noite anterior, quando, por impulso, ela segurou minha mão, eu vi a culpa resplandecendo nela logo em seguida. Quando ela fugiu de mim, e do que estava cada vez mais forte sendo despertado em nós, a comparação com Analy se tornou intensa.

Analy não fugiria. Ela gostava da arte da sedução. Mas, Maria Eduarda parecia tão inocente e ...

Será que já teve um homem? Não devia ser virgem, claro ... já tinha quase trinta anos. Mas, o quão experiente ela era?

Eu saí da cozinha, passos reticentes. Não queria me afastar dela, estar perto dela parecia tão ... tão bom. Mas, era tão perigoso, também. O melhor seria me manter o mais longe possível, até porque não queria criar nela qualquer tipo de sentimento.
Mais uma vez, me lembrei de que um conde não fica com uma empregada.

Na porta do escritório, esbarrei em Arlete.
- Bom dia - disse a ela.
- Sr. Bernardo ligou. Disse que precisa ir até o escritório para resolver algumas pendências inesperadas com dois ou três contratos, e que Gustavo viria pegá-lo em uma hora.

Eu sabia quais eram as pendências inesperadas. Alguns investimentos entraram em retrocesso com a queda da bolsa na noite anterior.

- Ok. Quando Gustavo chegar me avise.

Arlete saiu do escritório fechando a porta atrás de si. Me servi de uma xícara de café, enquanto ligava o computador e verificava os e-mails.
No fundo, era uma sorte. Um bom dia de trabalho longe de casa me manteria afastado da babá dos meus filhos e, consequentemente, me colocaria nos eixos, novamente.

*****

- Quer um café? - Bernardo indagou, enquanto eu me sentava diante dele.
- Tomei um litro de café hoje de manhã.
- Vai infartar antes dos cinquenta - ele riu, naquele tipo de conselho bobo que só ele me dava.

O escritório dele permanecia igual. Nada mudou nesses muitos anos que Bernardo assumiu a cadeira gerencial. Desviei meus olhos para alguns quadros na parede, e demorei-me um pouco em analisar que apenas a cor da parede estava diferente do que me lembrava.

- O que você tem, Otávio?
Volvi meus olhos para Bernardo, sem entender. - O quê?
- Está diferente. Parece mais ... sei lá ... É como quando conheceu Analy. Tinha uma alegria inexplicável. - De repente, ele pareceu entender muita coisa. - Ei! É mulher! Com certeza está saindo com alguém!

Neguei com a face, um sorriso idiota na cara.

- Não, não estou.
- E por que não? Meu amigo, precisa conhecer alguma mulher! Não queria ser injusto ou indelicado, mas quando liguei para Analy a seu pedido para agendar uma reunião sobre a partilha de bens do divórcio, ela me deu a entender que já estava saindo com alguém.

Eu sabia disso, apesar de não querer pensar. Quando ela saiu de casa, soube por uma rede social que ficou com outro homem na mesma noite. Talvez ela até me traisse durante o casamento, mas não era sua falta de lealdade que me massacrava. De alguma maneira, a culpa recaia sobre mim. Eu não fui um marido capaz de manter sua atenção, e mesmo quando ela reclamou sobre Ísis, eu não a deixei abortar.

- Não importa, Bernardo. Eu tenho duas crianças para criar.
- A mãe é cinquenta por cento responsável. Você devia exigir que Analy cumprisse suas obrigações.
- Ela o fará quando estiver pronta.
- Por que é tão compreensivo?

Dei os ombros.

- Suponho que a amei demais e a quero feliz, mesmo que não seja comigo.

Bernardo negou com a face.

- Apenas encontre uma mulher gostosa e a foda. Talvez isso cure a lembrança de Analy.
- É ... farei isso - assenti.
- No momento estou ocupado. Mas, agora que as crianças têm uma babá, eu poderei sair mais à noite.

O olhar de Bernardo brilhou.

- Uma babá? Quero conhecer.
- Fique fora do caminho dela, entendeu? Bernardo bateu as mãos.
- Ora, ora ... Alguém já está de olho?

Neguei com a face, mas não pude negar em palavras.

-Você me fez sair de casa para trabalhar ou para ficar bisbilhotando minha vida?

A risada do meu amigo invadiu o escritório. Mas, não o acompanhei na risada. Sentia como se ele houvesse tocado em um ponto sensível de mim.
Talvez tivesse ...

- Vou dar um jantar antes da minha viagem. Faça o favor de levar uma mulher, lá.

Neguei. Mas, não tão certo. Voltar a viver, apesar de assustador, era necessário.

O filho que você não quisOnde histórias criam vida. Descubra agora