Capítulo 25- Otávio

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Estou sentado no chão daquela calçada de periferia desde que Maria Eduarda se foi. Fiquei ali, as costas no muro, o joelho dobrado e as mãos sobre minhas pernas, sem acreditar no que eu acabei de ouvir.

Eu gostei dela desde o primeiro dia que a vi. Ela parecia gentil e sincera. Depois, ela me lembrava Analy. Na época, a dor do divórcio ainda era grande, e olhar para ela me trazia conforto. Mas, o tempo foi passando, e o que era um relacionamento impessoal se tornou amizade, e depois paixão.

Uma parte de mim se apegou a ela. Eu tentei fugir, mas pensava nela demais para conseguir me afastar de verdade. Então, quando ela se foi, começou os confrontos na minha mente, de todas as coisas que eu vivi até então.

Eu era reflexo da criação do meu avô. E eu estava tratando Igor da mesma forma como fui tratado. Então, quando mudei a maneira de lidar com meu filho, eu percebi que ele estava mais feliz e confiante, uma criança mais segura de si.

Se eu mudasse ... Se eu tirasse de mim os pensamentos preconceituosos ou esnobes, talvez eu também pudesse ser feliz.

De alguma forma, eu sabia que essa felicidade estaria vinculada a Maria Eduarda, porque foi ela que me mudou. Foi ela que me mostrou que as coisas podiam ser diferentes. Pelos céus, até mesmo na cama, ela me fez perceber que o sexo não precisava ser tão carnal e podia ser mais sentimental.

Que não era vergonha eu ter sentimentos.
Todavia, até vê-la, eu não havia confessado para mim mesmo que eu a amava. Sim, eu disse que era apaixonado, mas não amor. Até vê-la, até perceber a dor em seus olhos, eu não entendi o quanto ela importava.

"A partir do momento que tentou me fazer abortar seu bastardo ... ".

Eu me levantei.
Analy ...

*****

Entrei no casarão e a primeira imagem que vi foi de minha ex- esposa sentada na sala com meus dois filhos. Sempre que eu chegava em casa, ou sempre que eu saía do escritório eu a via com as crianças. Mas, Ísis me confessou que muitas vezes a mãe os mandava brincar longe e ficava bebendo ou assistindo televisão, e só os chamava quando eu estava me aproximando.

Então aquele teatro não surtiu nenhum efeito.

Arlete - eu disse, alto, chamando a atenção de minha governanta que logo apareceu. - Leve as crianças para cima, por favor.

Quando Igor e Ísis sumiram escada acima, eu encarei Analy.

- A partir de agora, você não é mais bem vinda no Casarão.

Ela sorriu como se duvidasse muito que eu fosse cumprir aquela ameaça.

- Não seja bobo.
- Estou falando sério. Você vai sair agora, e quando quiser ver as crianças, irá ligar e Gustavo as levará para vê-la.

Ela abriu a boca completamente incrédula.

- Como se atreve? Eu vou à justiça e vou tirar as crianças de você!
- Você foi infiel, eu tenho provas, fotos ... E depois que foi embora, sequer ligou para os filhos. Ísis e Igor podem testemunhar ao juiz. Eu duvido que você consiga a guarda. E pense bem sobre o assunto, Analy, porque eu estou te dando uma pequena pensão para seus gastos principais por causa das crianças. Eu posso cortá-la a qualquer momento e você terá que pleitear isso na justiça. Quando eu mostrar fotos suas de quatro para Bernardo, duvido que qualquer juiz te dê qualquer centavo. E, se ficar com as crianças, terá que cobrir metade das despesas delas, ou seja, terá que começar a trabalhar.

Eu vi, em seu olhar, os cálculos que ela começou a fazer. Não parecia surpresa por eu ter fotos dela com Bernardo, talvez o ex- amante tenha ameaçado antes entregá-las a mim. Mas, parecia incrédula sobre eu deixá-la na miséria.

- Eu também te amo, Otávio - ela disse, talvez numa última tentativa patética de me tocar.

- Você disse para Maria Eduarda tirar meu filho - apontei. - Ela me disse que eu tentei obrigá-la a abortar, mas eu sequer sabia que ela estava grávida. Então, é óbvio que você a manipulou.
- Otávio, claro que não fiz isso.
- Eu não vou cair nesse seu papo furaco. Saía agora da minha casa. E quando quiser ver as crianças, ligue antes. Samuel ficará incumbido de chamar a polícia se você forçar uma entrada. Aliás, se eu fosse você, ficaria aguardando o contato de meu advogado para um acordo formal sobre visitas e sobre uma singela - veja bem, singela - pensão apenas porque não vou querer que as crianças saibam que a mãe anda passando fome.

Naquele momento, a ficha de Analy caiu. Ela me encarou com claro horror, antes de pegar sua bolsa no sofá e se afastar em direção a saída.
Quando a imagem dela sumiu, outra feminina apareceu.

- Maria Eduarda teve um bebê? - Arlete perguntou.

Eu sorri.
Sim.
Minha antiga babá desceu as escadas e me abraçou.

-É menino? Menina?
- Não sei.
- Não sabe nem o nome?
- Não. Maria Eduarda não me deixou aproximar muito. Ela disse, e saiu e eu ... eu fiquei travado no lugar.
- Você a encontrou onde?
-Trabalha numa padaria. O dono é marido de uma amiga dela.
- Certo. Mande um detetive para descobrir o endereço dela. Não pode deixá-la sozinha com um filho seu.

Assenti.

- Eu não sei se ela um dia vai me perdoar.
- Se você for sincero com ela e, acima de tudo, assumir seus erros e pedir perdão com verdade, ela vai te perdoar. Porque ela te ama e ama seus filhos. Aquele que ela cria, e esses que estão aqui, tão carentes desde que ela se foi - Arlete apontou as escadas com a face.

Ergui a face e encarei duas pequenas figuras agachadas na parte superior da casa, ouvindo tudo quietinhas, temerosas, suas faces não escondendo nada. Então eu deixei Arlete e subi as escadas. Peguei Ísis no colo como sempre fazia, e puxei Igor para um abraço. Ele ainda era reticente aos abraços, mas só tinha oito anos e eu pretendia curar esse traço dele.

Ainda havia tempo de consertar as coisas.

O filho que você não quisOnde histórias criam vida. Descubra agora