Hoje pela manhã andei pensando sobre esse diário. Resolvi que vou encerrar essa edição de 2024 e começar a de 2025 de uma forma diferente. Primeiro, entendi que relamente preciso desenvolver o conceito de "Como não ser normal".
Tenho refletido sobre os títulos do diário - "Como ser normal sendo gay", Como ser normal sendo superdotado". Nos dois casos, acho que refleti o desejo de me adaptar a um mundo onde eu não me sentia normal. Mas a verdade é que, desde que comecei a escrever esses diários, tenho me deparado com o fato de que eu não sou mesmo normal. E quanto menos normal me sinto, mais me questiono: existe alguém normal de fato?
O que é "ser normal"?
Penso no "normal" como média. Por exemplo: em média, ou em geral, as pessoas se comportam de tal jeito. Isso é o normal. Se não me engano, o termo "normal" é usado na Matemática para se referir a uma tendência esperada, um padrão.
Entendo que existem muitos motivos para a gente querer ficar dentro da norma. Não chamar atenção de forma negativa, ser previsível e, portanto, não gerar ansiedade nos outros. Viver segundo as regras e não criar conflitos. Fazer "o que é certo" e ser reconhecido e valorizado por isso.
Acontece que não tem realmente como uma pessoa ser normal sem pagar um preço muito alto por isso. Porque toda pessoa tem particularidades. Tem aspectos que conflitam com a dita "normalidade". Convenhamos que não dá nem para dizer que existe UMA normalidade, porque na verdade existem VÁRIAS.
O que é normal na minha família. O que é normal na minha comunidade. Em dada religião. Em dado emprego. Em dado bairro. Em dada cidade, país...
A conclusão a que eu chego é que é impossível ser normal. Não tem como se enquadrar em tantos padrões divergentes de normalidade. No meu caso, por exemplo, pelo simples fato de ser gay, já não me enquadro em um padrão de normalidade heteronormativa. Por ser superdotado, não me enquadro em uma um leque de normalidades, que incluem aprendizagem, intensidade emocional, entre outros. Como psicólogo, não me enquadroem muitos padrões de normalidade, especialmente porque é condição da psicologia questionar esses padrões.
No fundo, acho que a expectativa de normalidade deve ser abolida de uma vez por todas. Perceber isso é o que me deixa tenso como estou atualmente.
Talvez você tenha pensado que os meus títulos "Como ser normal..." fossem uma tirada de humor. Mas não eram. Eu estava falando sério quando transmiti a ideia de que seria possível encontrar um jeito de ser normal mesmo sendo gay ou superdotado.
Mas agora vejo como isso está relacionado a um modo de pensar ultrapassado, que dividade as pessoas entre normais e anormais. Como se houvesse um ser humano médio comum normal, que merece o palco, e os seres que não são normais e devem ser invisibilizados, rejeitados e excluídos.
Acho que eu nasci em uma geração que ainda acreditava no binômio saúde x doença. Cresci em um tempo que distingua as pessoas normais das loucas. O brancos dos negros. Os homossexuais dos heterossexuais. Pessoas com e sem tatuagem. Havia uma norma clara e uma série de pessoas fora da norma.
Mesmo tendo consciência da minha divergência de gênero desde a infância, sempre lutei para ter um lugar ao sol. Por toda a vida tentei me ajustar para caber no coração de algumas pessoas. Procurei fazer "o que era certo" para tentar receber algum reconhecimento, ter algum valor.
Mas quando olho para a minha vida, embora reconheça que sempre mantive um núcleo intacto, o que vejo é uma longa trajetória de apagamentos. E depois de tantas revoluções internas que tenho vivido recentemente, sinto que não dá mais para adiar o momento de me assumir como sou.
Sinto como se eu estivesse prestes a romper uma casca e descobrir um novo mundo.
Sei que não vai ser tão de repente assim que tudo vai mudar. Não vou despertar amanhã e ser uma outra pessoa. Mas acredito que o movimento já esteja acontecendo. Eu me vejo diariamente empenhado em me assumir radicalmente. E parte disso está ocorrendo enquanto escrevo o meu livro infantojuvenil.
Não pense que é fácil revisitar a infância. Estou abusmado com a quantidade de memórias que estão surgindo - e achei que estivessem perdidas para sempre.
Escrever está sendo um misto de amor, alegria e dor. É uma experiência bastante intensa.
Tenho a impressão de que só estou conseguindo escrever agora porque estou acessando toda uma existência afetiva que aprendi a evitar. Apenas com o afeto em circulação acredito que seja possível escrever do modo como quero.
É um pocuo difícil me expressar com mais clareza do que isso. Acredite, essa é a segunda versão do texto de hoje. A primeira foi mais subjetiva e centrada no conceito de ser de Parmênides. Então resolvi escrever algo mais inteligível. Não sei se fui bem sucedido na missão. Mas a essência de tudo é que me sinto um ser em transformação, estou com medo, porém pressionado a seguir em frente pela própria vida, que não me deixa parar.
---
Primeira versão do texto - Sinta a brisa
Tenho a sensação de que estou atravessando um portal. Vejo minha cabeça se erguendo na superfície de um lago. Do outro lado da superfície da água, o que existe é um mundo completamente desconhecido.Sinto que estou desbravando um novo mundo. Tenho medo de me lançar assim ao desconhecido. Mas tantas vezes recuei, que agora me sinto pressionado a seguir adiante.
Que novo mundo é esse que me aguarda?Por toda vida sonhei com esse lugar. Não se trata de um paraíso perdido, nem de um palácio de perfeições. É apenas um novo mundo onde eu sou.
Estou me referindo ao ser de Parmênides. O ser que é.
Como é ser?
Acho que não sonhei sempre com esse novo lugar, mas como essa minha nova forma de ser.
Acho que sempre sonhei em ser.Mas não estive eu sendo por todo esse tempo?O que estive sendo, que não o "ser que é" de Parmênides?
E quanto aos meus simulacros de existência - todas as vezes em que simulei ser algo que não era a minha verdade, quando, para ter um lugar no coração de alguém simulei outra coisa que não a minha essência - fui eu um ser que é?
Penso nas minhas simulações como um desejo de ser. Mas eu não era de fato.Então o que é o ser?
Existe mesmo uma essência tão verdadeira e perfeita em si mesma que se possa dizer que ela é algo?Dizer que algo é, por acaso, não pressupõe que seja eterno e infinito?
Mas todas as coisas não são apenas o que são temporariamente?
Sinto que estou atravessando para um novo mundo onde posso ser, ainda que em pequenas frações impermanetes, sempre eu mesmo.
Eis o grande desafio da vida: ser o que se é.
---
Muito exaustivo ser eu mesmo. Um bj e até a próxima!
---
Foto: Parmênides, seu loko.

YOU ARE READING
Como ser normal sendo superdotado - Diário
No FicciónParecia que eu já tinha conseguido vencer na vida. Afinal, eu meio que tinha descoberto como ser normal sendo gay. Mas é como dizem, quando você encontra uma resposta, vem a vida e muda todas as perguntas. E foi isso o que aconteceu quando descobri...