Pistas Não Tão Óbvias

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O relógio digital no canto do estúdio marcava 7 horas da manhã quando Yoko entrou, equilibrando cuidadosamente um café e uma pilha de papéis. Seus olhos estavam mais fundos que o habitual, e ela tentava disfarçar a exaustão com um sorriso forçado.

— Bom dia! — disse ela, com a voz mais animada do que realmente sentia.

Faye olhou por cima do ombro, sem mover-se da tela em que estava trabalhando.

— Bom dia. — respondeu de maneira mecânica, já acostumada com o tom sempre gentil de Yoko.

Yoko colocou o café na mesa ao lado da pilha de papéis, sentindo a ponta de um calafrio subir pelas costas. Desde o dia anterior, o mal-estar parecia piorar. Mesmo com as noites de sono, o cansaço parecia nunca ir embora.

— Trouxe os documentos que você pediu ontem, Faye. Está tudo aqui. — Yoko disse, tentando manter a conversa fluida.

Faye largou o pincel por um momento e virou-se, caminhando até a mesa com passos calculados.

— Você finalmente conseguiu terminar algo a tempo, hein? — ela comentou, com um meio sorriso sarcástico. — Milagre.

Yoko riu, mas logo sentiu a garganta apertar com a tontura que a atingiu de repente. Ela piscou várias vezes para tentar afastar a sensação.

— Sim... eu acho que estou me adaptando. — ela respondeu, mais para si mesma do que para Faye.

Faye abriu um dos relatórios e começou a folhear, mas parou de repente.

— Yoko... isso está errado. — sua voz era firme, mas não rude, pelo menos ainda não.

Yoko olhou confusa para a folha que Faye segurava.

— O quê? O que está errado? — ela perguntou, avançando um passo para ver o que tinha feito.

Faye bateu levemente o dedo na página.

— Aqui. Você somou errado o custo total dos materiais. Está faltando quase duzentos reais. — Faye disse, e logo depois balançou a cabeça, visivelmente aborrecida. — Como você conseguiu fazer isso?

Yoko, ainda mais confusa, pegou o papel nas mãos e passou os olhos pela coluna de números. De fato, havia um erro claro.

— Eu... eu não sei como deixei isso passar. — disse Yoko, gaguejando.

Faye cruzou os braços e a observou por alguns segundos, seu olhar duro.

— Você já cometeu erros antes, mas ultimamente parece que está sempre distraída. O que está acontecendo, Yoko?

Yoko abaixou a cabeça, sentindo a pressão aumentar. Faye tinha razão, ela não estava agindo como antes, mas como poderia explicar algo que nem ela mesma entendia?

— Eu... Eu não sei, Faye. Talvez eu só esteja sobrecarregada. — ela respondeu, tentando manter a voz firme.

Faye ergueu uma sobrancelha.

— Sobrecarregada? Você só tem que me ajudar a organizar o estúdio e manter o controle dos materiais. — disse ela, com uma ponta de impaciência. — Isso não é nenhum trabalho extenuante. Está me escondendo alguma coisa?

Yoko abriu a boca para negar, mas logo a fechou. Não era que ela estivesse escondendo algo, mas ela realmente não sabia o que estava errado. O mal-estar vinha e ia, as tonturas e as dores de cabeça eram quase diárias, e ultimamente até o simples ato de comer parecia um desafio.

Faye a observou por mais um momento, seu olhar afiado como sempre.

— Você realmente precisa ir ao médico, Yoko. Já te disse isso ontem. — Faye disse, em um tom mais suave desta vez.

Yoko suspirou, levando uma mão à testa.

— Eu vou... prometo. Talvez amanhã. — respondeu, apesar de saber que estava adiando mais do que deveria.

— Amanhã? — Faye repetiu, com um toque de sarcasmo. — O amanhã já virou hoje e nada mudou.

Antes que Yoko pudesse responder, a porta do estúdio foi aberta com força, e um entregador entrou com uma grande caixa de suprimentos de arte. Ele parecia apressado, mas tentava manter a postura profissional.

— Entrega para Faye Collins! — disse o homem, segurando a prancheta para a assinatura.

Faye suspirou e fez sinal para Yoko assinar, enquanto se dirigia à caixa. O entregador saiu rapidamente, e Yoko voltou à sua tarefa de organizar tudo. Mas, ao tentar erguer a caixa, sentiu uma pontada forte nas costas e quase a deixou cair no chão.

— Ah! — soltou, tentando manter o controle, mas a dor era nítida em seu rosto.

Faye, que estava distraída com a pintura, voltou-se de imediato.

— Yoko, você vai destruir tudo antes que eu tenha a chance de usar! — ela exclamou, irritada, mas quando notou a expressão de dor no rosto de Yoko, franziu o cenho.

— Desculpa, eu... minha coluna... — Yoko tentou se explicar, mas logo largou a caixa no chão e se afastou, respirando fundo.

Faye se aproximou, os olhos cravados nela.

— Está vendo? Isso não é normal, Yoko. Você está mais pálida que um fantasma. — Faye disse, colocando uma mão no ombro dela, algo que raramente fazia. — Não pode continuar assim. Vá ao médico hoje.

Yoko assentiu, tentando não mostrar o quanto se sentia péssima.

— Eu vou. Só preciso terminar de organizar tudo aqui primeiro. — disse, ainda um pouco hesitante.

Faye soltou o ombro dela e voltou à sua pintura, mas a irritação havia diminuído, substituída por uma preocupação silenciosa.

— Faça isso o mais rápido possível. — Faye murmurou, antes de se concentrar novamente em suas pinceladas.

O dia passou arrastado. Yoko tentava ao máximo manter a organização do estúdio, mas entre um arquivo perdido aqui e outro erro ali, ficava claro que ela não estava em sua melhor forma. Faye, apesar de brava, evitava fazer mais comentários. Parecia que até ela havia percebido que algo sério estava errado com Yoko.

No fim do dia, quando Yoko finalmente pegou suas coisas para ir embora, Faye a chamou novamente.

— E lembre-se do que eu disse. Médico, Yoko. — Faye reforçou, sua voz séria, mas não tão dura como de costume.

— Eu vou, Faye. Obrigada... por se preocupar. — Yoko disse, sem jeito.

Faye não respondeu, apenas balançou a cabeça enquanto observava Yoko sair do estúdio. Quando a porta se fechou, Faye suspirou e voltou para a sua pintura, mas uma sombra de preocupação ainda pairava sobre seus pensamentos.

Entre Cores e SilênciosOnde histórias criam vida. Descubra agora