O ateliê estava em seu habitual silêncio confortável, mas havia algo diferente naquela manhã. Yoko chegou mais cedo do que o costume, ainda abatida, mas determinada a mostrar que poderia se recuperar dos erros dos dias anteriores. Seus movimentos eram cuidadosos, como se estivesse pisando em ovos, mas sua mente estava distante, preocupada com o que poderia estar acontecendo com seu corpo.
Faye, que já estava diante de uma tela branca, notou a mudança no comportamento de Yoko assim que ela entrou. Mas, como de costume, ela não comentou nada de imediato, preferindo observar à distância.
— Yoko — disse Faye, quebrando o silêncio enquanto movia o pincel com fluidez pela tela —, espero que hoje não tenhamos mais quebras de copos, nem tintas no chão.
Yoko sorriu de canto, mas a preocupação em seu rosto ainda era visível. Ela começou a organizar os materiais do estúdio, tentando evitar qualquer deslize, mas algo continuava errado. Uma tontura leve a acompanhava desde cedo, e o desconforto no estômago não parecia querer ir embora.
Enquanto os minutos passavam, Faye parou de pintar por um momento, voltando sua atenção para Yoko. Algo estava incomodando-a mais do que ela estava disposta a admitir.
— Você foi ao médico, como prometeu? — perguntou Faye, sua voz mais suave do que o habitual, mas ainda firme.
Yoko hesitou por um segundo antes de responder.
— Ainda não... mas eu vou. Só preciso de um pouco mais de tempo. — Sua voz saiu baixa, quase como se estivesse se desculpando.
Faye apertou os lábios, claramente insatisfeita com a resposta. Ela não era de insistir em assuntos pessoais, mas a condição de Yoko estava começando a deixá-la inquieta.
— Yoko, isso não é algo para adiar. — Faye disse, sem levantar a voz, mas com uma firmeza que não deixava espaço para discussão. — Se você continuar assim, pode acabar em um hospital.
Yoko, que estava empilhando algumas pastas, parou, sentindo o peso daquelas palavras. Ela sabia que Faye estava certa, mas o medo de descobrir o que estava acontecendo com ela era maior do que a vontade de procurar ajuda.
A manhã avançou lentamente, e Yoko tentava ignorar a crescente sensação de mal-estar. Enquanto organizava algumas telas na parte de trás do ateliê, Faye parou novamente de pintar, observando-a com uma expressão difícil de ler.
— Por que você continua insistindo em não cuidar de si mesma? — perguntou Faye, cruzando os braços enquanto caminhava em direção a Yoko.
Yoko ficou parada por um momento, com as mãos apoiadas nas telas. Ela suspirou, finalmente se virando para encarar Faye.
— Não é tão simples assim, Faye. — murmurou, a voz embargada por uma mistura de frustração e medo. — Eu... eu não sei o que está acontecendo comigo, e isso me assusta.
Faye ficou em silêncio por alguns instantes, absorvendo aquelas palavras. O queixo dela se apertou ligeiramente, enquanto olhava nos olhos de Yoko. Pela primeira vez, Faye percebeu o quão vulnerável Yoko realmente estava. E, pela primeira vez, Faye sentiu um impulso estranho — um desejo de proteger aquela garota que parecia sempre estar à beira de um colapso.
— Todo mundo sente medo, Yoko. — Faye começou, suas palavras saindo de forma quase automática. — Mas fugir dele só vai piorar as coisas.
Yoko ficou surpresa com o tom de Faye. Era raro ouvi-la falar de forma tão direta sobre algo que não envolvesse arte. Ela abriu a boca para responder, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, uma tontura repentina a atingiu. Suas pernas fraquejaram, e ela se segurou na mesa mais próxima para não cair.
Faye, que estava a poucos passos de distância, avançou rapidamente, segurando Yoko pelo braço antes que ela perdesse o equilíbrio por completo.
— Yoko! — Faye exclamou, segurando-a com firmeza. — Isso está indo longe demais.
Yoko respirou fundo, tentando se recompor. Seu rosto estava pálido, e ela parecia ainda mais frágil do que o normal.
— Eu... estou bem. — tentou dizer, mas sua voz mal passava de um sussurro.
— Não, você não está. — Faye respondeu, sem paciência para a teimosia de Yoko. — Sente-se.
Yoko não teve escolha a não ser obedecer. Ela se sentou em uma das cadeiras, enquanto Faye permanecia ao seu lado, os braços cruzados e o semblante preocupado.
— Você precisa de um médico. — Faye insistiu, olhando-a diretamente nos olhos.
Yoko olhou para baixo, ainda hesitante.
— Eu sei... — murmurou, sua voz fraca.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Faye sentia um turbilhão de emoções que não sabia como lidar. Nunca havia sido o tipo de pessoa que cuidava dos outros — sempre preferiu se isolar no mundo de suas criações, onde tudo estava sob seu controle. Mas Yoko estava mexendo com algo dentro dela, algo que Faye não estava pronta para enfrentar.
À medida que a tarde avançava, Faye tentou se concentrar em sua pintura, mas seu olhar frequentemente voltava para Yoko, que estava quieta, reorganizando os materiais. A relação entre elas estava mudando, mesmo que nenhuma das duas soubesse exatamente para onde aquilo estava indo.
Faye sabia que Yoko estava guardando algo, um segredo que ela ainda não tinha coragem de compartilhar. E isso a deixava impaciente, pois Faye odiava mistérios — especialmente quando envolviam pessoas que, de alguma forma, começaram a importar para ela.
No final do dia, antes de Yoko ir embora, Faye a chamou novamente.
— Amanhã, você não vem trabalhar. — Faye disse, sem rodeios.
Yoko arregalou os olhos, surpresa com a declaração.
— O quê? Por que não? — Yoko perguntou, claramente preocupada.
— Porque amanhã você vai ao médico. — Faye respondeu, categórica. — E só volta para cá quando tiver certeza de que está bem.
Yoko abriu a boca para protestar, mas Faye a interrompeu com um gesto firme.
— Eu não estou pedindo. Isso não é negociável. — Faye continuou, sua voz decidida. — Eu prefiro ter um ateliê bagunçado por um dia do que ter você desmaiando no chão.
Yoko ficou em silêncio, sentindo uma mistura de gratidão e desconforto. Era estranho ver Faye se importando com ela de maneira tão direta, e isso a deixou ainda mais confusa sobre seus próprios sentimentos.
— Está bem... eu vou. — Yoko finalmente cedeu, sua voz baixa.
Faye assentiu, satisfeita, mas não disse mais nada. Apenas voltou para a sua pintura, enquanto Yoko pegava suas coisas para ir embora. Porém, antes de sair pela porta, Yoko olhou para Faye uma última vez.
— Obrigada, Faye. — murmurou, com um pequeno sorriso.
Faye não se virou, mas Yoko percebeu um leve aceno de cabeça. Aquela pequena troca de gestos parecia dizer mais do que palavras poderiam expressar.
Enquanto Yoko se afastava, Faye ficou sozinha no ateliê, o som dos pincéis e tintas se misturando com seus pensamentos. Algo estava mudando dentro dela — algo que envolvia Yoko de uma maneira que Faye ainda não conseguia entender. Mas ela sabia que, a partir daquele momento, as coisas nunca mais seriam as mesmas.
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Entre Cores e Silêncios
FanficFaye, uma artista abstrata de poucas palavras, contrata Yoko, uma jovem tímida e desastrada. Com o tempo, Yoko começa a se comportar de maneira estranha, tornando-se mais introspectiva e distante. Faye, intrigada, percebe que há algo perturbador na...