Revelações Entrelinhas

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O clima entre Yoko e Faye estava estranhamente mais leve após o incidente do café da manhã. Embora Faye tivesse sido atingida por uma onda inesperada de caos, algo mudou na dinâmica entre as duas. Talvez fosse o fato de Faye ter se permitido rir, mesmo que internamente, da situação absurda. Yoko, por sua vez, começava a se sentir um pouco mais à vontade com a presença constante de Faye.

O dia seguia normalmente no hospital, até que o telefone de Faye tocou. Ela saiu do quarto para atender, deixando Yoko sozinha por um breve momento.

Yoko se acomodou melhor na cama, puxando o cobertor sobre si enquanto olhava para a janela. Lá fora, o mundo continuava em movimento, e ela se sentia como se estivesse presa em uma bolha, incapaz de acompanhar o ritmo. Seu estômago revirava novamente, mas desta vez, ela se forçou a respirar fundo, tentando controlar o enjoo. Sentia uma mistura de ansiedade e culpa pelo transtorno que estava causando a Faye, mesmo que ela soubesse que a artista nunca admitiria abertamente o quanto estava incomodada.

Alguns minutos se passaram até que Faye retornou. Ela parecia mais séria, mas Yoko percebeu que isso já fazia parte do comportamento dela.

— Era algo importante? — Yoko perguntou, sua voz soando mais suave do que de costume.

Faye balançou a cabeça enquanto se sentava na cadeira ao lado da cama.

— Não. Coisas de trabalho que podem esperar.

Yoko mordeu o lábio, hesitando antes de perguntar:

— Faye... você sente falta de pintar? De estar no estúdio, trabalhando?

Faye ficou em silêncio por um momento. A pergunta de Yoko a pegou de surpresa. Desde que a gravidez de Yoko se tornou uma questão central, ela havia deixado de lado suas telas e pincéis, quase sem perceber. Agora, ao ser confrontada com isso, Faye se deu conta do quanto estava desconectada de sua própria arte.

— Às vezes — Faye respondeu, sua voz mais baixa do que o habitual. — Mas agora não é o momento.

Yoko sentiu uma pontada de culpa. Ela sabia que Faye estava sacrificando parte de si mesma para estar ali, ao seu lado, e a ideia a incomodava.

— Eu não quero que você se sinta presa por minha causa — Yoko disse rapidamente. — Se você quiser voltar ao estúdio, eu vou ficar bem. Eu... eu posso me virar sozinha.

Faye franziu as sobrancelhas, cruzando os braços enquanto olhava diretamente para Yoko.

— Não estou aqui porque sinto que preciso, Yoko. Eu estou aqui porque eu quero. E antes que você diga qualquer coisa, eu sei que isso parece estranho vindo de mim. — Ela soltou um suspiro, parecendo um pouco desconfortável com sua própria sinceridade. — Mas a verdade é que, agora, minha prioridade é você e o bebê. O resto pode esperar.

Yoko ficou em silêncio por um momento, processando as palavras de Faye. Nunca imaginou ouvir algo assim da mulher que, há alguns meses, mal a suportava como secretária.

— Obrigada... — Yoko murmurou, seus olhos começando a encher de lágrimas. — Eu não sei o que faria sem você.

Faye desviou o olhar por um segundo, desconcertada pela vulnerabilidade de Yoko. Ela não era boa em lidar com emoções, muito menos com agradecimentos sinceros. Para quebrar a tensão, Faye pegou um copo de água na mesa de cabeceira e o estendeu para Yoko.

— Aqui. Beba um pouco de água antes que você vomite em mim de novo — Faye disse com um leve sorriso de canto.

Yoko soltou uma risada fraca, pegando o copo com cuidado.

— Eu prometo tentar me controlar dessa vez.

Faye observou Yoko beber a água em pequenos goles, sentindo uma leveza que não era comum para ela. Havia algo nessa nova versão de sua rotina que, de certa forma, a fazia se sentir mais conectada, como se estivesse começando a entender o que era realmente importante. No entanto, ela sabia que, em algum momento, precisaria confrontar seus próprios sentimentos sobre tudo isso — algo que ela estava adiando há muito tempo.

Mais tarde naquela noite, após Yoko ter adormecido, Faye ficou sentada ao lado dela, pensando em tudo o que havia mudado. O olhar cansado de Yoko, sua fragilidade, as perguntas não ditas... tudo começava a pesar mais. Faye se pegou imaginando como seria quando o bebê nascesse, como seria a vida das duas após aquele turbilhão de incertezas.

Ela suspirou, levantando-se para pegar seu casaco e sair para pegar um ar fresco. Quando estava quase na porta, ouviu a voz suave de Yoko, que a fez parar no meio do caminho.

— Faye...?

Ela se virou lentamente.

— Sim?

— Você... — Yoko hesitou, sua voz suave e sonolenta. — Você acha que eu vou ser uma boa mãe?

Faye congelou por um instante, a pergunta ecoando em sua mente. Não era algo que ela esperava ouvir, e muito menos responder. Mas, ao olhar para Yoko, tão vulnerável e com medo, Faye sentiu algo mais profundo surgir dentro de si.

Ela se aproximou da cama novamente e se inclinou, pegando a mão de Yoko com cuidado.

— Eu acho que você vai ser incrível. — Faye disse, surpreendendo até a si mesma com a convicção em sua voz. — E eu estarei aqui, ao seu lado, para garantir isso.

Yoko olhou para Faye, seus olhos brilhando de gratidão. Sem mais palavras, ela apertou suavemente a mão de Faye antes de finalmente fechar os olhos e voltar a dormir.

Faye permaneceu ali, olhando para Yoko por alguns instantes, antes de finalmente sair do quarto. Ao fechar a porta atrás de si, ela se deu conta de que, por mais que o futuro fosse incerto, estava mais determinada do que nunca a enfrentar o que viesse ao lado de Yoko.

E, pela primeira vez, isso não parecia assustador.

Entre Cores e SilênciosOnde histórias criam vida. Descubra agora