Pedaços de Sol

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A noite avançava silenciosa pelo hospital, e o quarto era iluminado apenas pelo brilho suave de uma lâmpada, conferindo um clima de tranquilidade e acolhimento, ainda que o ambiente estivesse pesado. Yoko tentava amamentar Ayumi, seu rosto tenso e as sobrancelhas franzidas, enquanto lutava contra a dor física e, sobretudo, emocional. Ela ignorava completamente a presença de Faye, que, mesmo ali, ao seu lado, parecia invisível. A atmosfera estava densa, carregada de mágoas não ditas e do cansaço que agora transcorria em silêncio.

Percebendo a dificuldade de Yoko, uma enfermeira entrou no quarto com um sorriso gentil. Yoko, sem desviar os olhos de Ayumi, murmurou num tom cortante, mas controlado: "Pode me ajudar com ela, por favor?" A enfermeira se aproximou, apoiando a cabeça da bebê e guiando Yoko para que a pequena Ayumi pudesse mamar com mais facilidade.

Enquanto a enfermeira ajudava, Naomi começou a chorar suavemente no berço ao lado, com um choro sentido, pedindo por colo. Faye, em um impulso de carinho, se levantou de imediato e a pegou no colo. Segurando a bebê próxima ao peito, caminhou até a janela, onde a luz da lua derramava seu brilho pálido sobre as duas. Faye olhou para a bebê e começou a cantar suavemente:

"You are my sunshine, my only sunshine           Você é meu raio de Sol, meu único raio de Sol

You make me happy when skies are gray            Você me faz feliz quando o céu está cinza

You'll never know, dear, how much I love you   Você nunca saberá,querido,o quanto eu te amo

Please, don't take my sunshine away"                  Por favor, não levem o meu raio de Sol embora


As palavras saíam num sussurro, mas cada uma carregava uma emoção tão profunda que Faye sentiu o nó na garganta se intensificar. Os olhos marejaram, e ela não pôde conter as lágrimas que começaram a escorrer. Segurando Naomi, Faye sentiu-se tão exposta e vulnerável quanto jamais imaginou, cada verso tocando sua própria dor, medo e o amor incondicional que agora sentia por aquelas meninas.

Yoko, que continuava amamentando Ayumi com o auxílio da enfermeira, mantinha-se alheia à dor de Faye, ainda que pudesse ouvir a melodia suave no fundo. O peito apertado de sentimentos conflituosos, ela evitava olhar para Faye, tentando se concentrar apenas nas filhas.

Ao terminar de amamentar Ayumi, Yoko se voltou para a enfermeira, que a ajudava a acomodar a bebê no berço. "Poderia, por favor, pegar Naomi de Faye e trazê-la para mamar?" pediu ela, sua voz num sussurro . A enfermeira olhou para Faye, hesitante, mas acabou se aproximando para pegar Naomi.

Faye entregou a bebê à enfermeira, ainda com o rosto marcado pelas lágrimas, e voltou seu olhar para Yoko, buscando qualquer sinal de perdão, compreensão, talvez até um olhar. Mas Yoko permanecia distante, rígida, como se uma muralha invisível as separasse.

Quando a enfermeira voltou com Naomi, Yoko chamou-a para mais perto, falando num tom reservado. "Por favor, chame o doutor para mim. Preciso falar com ele sobre um assunto particular." A enfermeira assentiu, respeitosa, e saiu do quarto.

Faye, percebendo a seriedade no olhar de Yoko, sentiu uma inquietação crescer em seu peito. "Yoko... o que você está fazendo?" ela perguntou, a voz num tom entre a súplica e a dúvida.

Yoko, contudo, não respondeu. Limitou-se a olhar para o outro lado, ignorando completamente a presença de Faye no quarto. A atitude era gélida, e o silêncio que se seguiu foi cortante, como uma faca separando as duas.

Poucos minutos depois, o doutor entrou, cumprimentando-as com um aceno antes de se aproximar da cama de Yoko. "A enfermeira me avisou que precisava falar comigo. Em que posso ajudar, senhorita Yoko?" perguntou ele, com o tom gentil e profissional.

Yoko olhou para o doutor, sem desviar o olhar, e respondeu com firmeza: "Gostaria de receber alta amanhã pela manhã. De preferência, logo cedo."

Faye, ao lado, arregalou os olhos em surpresa e tentou intervir. "Yoko, espera... você não acha melhor descansar mais um pouco? As meninas ainda são tão pequenas, e de manhã não estou aqui  e o médico mesmo disse que—"

Yoko, no entanto, a interrompeu friamente. "Por favor, Faye. Esse é um assunto particular."

A expressão de Faye vacilou, seus ombros murchando enquanto as palavras de Yoko se fixavam como um golpe silencioso. Com o coração pesado, Faye baixou a cabeça e, sem outra opção, afastou-se do quarto.

"Bem, podemos fazer os preparativos para sua alta pela manhã, senhorita Yoko," respondeu o doutor, um pouco desconcertado. Ele a observou com cuidado, notando a expressão exausta mas determinada da jovem mãe. "Certamente, vamos assegurar que esteja pronta para isso."

Assim que o doutor saiu do quarto, ele encontrou Faye parada no corredor, o olhar fixo na porta como se esperasse uma explicação, algum consolo. O médico, percebendo o desconforto de Faye, tentou suavizar a situação. "Ela precisa de um bom descanso agora. Mães que amamentam precisam manter-se fortes para que o leite venha em quantidade suficiente."

Faye agradeceu, mas as palavras do doutor mal penetraram a camada de dor e desamparo que sentia. Ela esperou, o rosto refletindo a mágoa e o arrependimento, até ter certeza de que Yoko e as gêmeas estavam dormindo.

Devagar, empurrou a porta, entrando em silêncio. O quarto estava em penumbra, e tudo parecia mais calmo. Yoko dormia profundamente, o cansaço estampado no rosto, e as gêmeas estavam aninhadas lado a lado no berço.

Faye se aproximou devagar, observando o rosto sereno de Yoko enquanto ela dormia. Aproximou-se e, num gesto de carinho, puxou a coberta suavemente, ajeitando-a sobre o corpo dela para mantê-la aquecida. Abaixou-se e, num sussurro quase inaudível, disse, "Desculpa... por tudo."

Deu-lhe um beijo leve na testa, sentindo o calor da pele dela contra seus lábios. Seu coração parecia se partir um pouco mais com o gesto, mas ela sabia que precisava desse momento para selar a dor que sentia.

Virou-se em direção ao berço, onde as gêmeas dormiam pacificamente, as pequenas mãos fechadas e os rostinhos angelicais. Observou cada detalhe, a pele delicada, os traços suaves e, especialmente, os olhos puxadinhos que tanto a encantavam. "Vocês são a melhor coisa que já me aconteceu," sussurrou, a voz embargada.

Cantou baixinho, numa tentativa de acalmar seu coração, as palavras saindo entrecortadas pelas lágrimas:

"You'll never know, dear, how much I love you
Please, don't take my sunshine away."

Com um último olhar para as meninas e para Yoko, Faye saiu do quarto, fechando a porta com cuidado. Ela se afastou, cada passo ecoando no corredor vazio, carregando consigo o peso de uma noite que parecia ter lhe roubado seu próprio sol.

Entre Cores e SilênciosOnde histórias criam vida. Descubra agora