O sol já estava se pondo quando Faye se afastou da sua mais nova obra, satisfeita com o progresso. As cores vibrantes em pinceladas desconexas refletiam bem o caos que ela tentava organizar em sua mente. Contudo, o caos maior não estava na tela, mas ao redor, nos pequenos deslizes que Yoko parecia cometer com cada vez mais frequência.
Yoko estava ajoelhada no chão, tentando reorganizar uma pilha de documentos que haviam escorregado da mesa minutos antes. Ela se concentrava em organizar por datas, mas algo em sua cabeça parecia não querer colaborar.
— Yoko — Faye começou, sem tirar os olhos da pintura —, você precisa ser mais cuidadosa. Isso já está virando rotina.
— Eu sei, eu sei... — Yoko resmungou baixinho, sentindo as bochechas queimarem de vergonha. — Eu juro que estou tentando.
Faye não respondeu de imediato. Ela podia ver o esforço de Yoko, mas não entendia como alguém podia ser tão distraída e, ao mesmo tempo, tão dedicada. Era como se uma parte de Yoko fosse absolutamente competente, enquanto a outra estivesse sempre à beira do desastre.
— Tentar não é o suficiente. — Faye respondeu, finalmente, virando-se para encarar Yoko, que agora empilhava os papéis, as mãos um pouco trêmulas. — Eu preciso de resultados, não de promessas.
Yoko suspirou, largando a pilha de papéis com um leve baque sobre a mesa. As palavras de Faye pesavam, mas havia algo mais que estava pesando em seu corpo — a sensação de fadiga constante e o desconforto que não sabia explicar.
— Faye, eu sei que estou errando mais que o normal, mas... — ela hesitou, mordendo o lábio antes de continuar —, eu acho que tem algo errado comigo.
Faye arqueou as sobrancelhas, curiosa. Essa era a primeira vez que Yoko verbalizava o que vinha notando há dias.
— Algo errado como? — Faye perguntou, estreitando os olhos.
Yoko deu de ombros, cruzando os braços sobre o peito, claramente desconfortável.
— Eu estou sempre cansada, meio tonta às vezes... e tem outras coisas, mas... nada parece fazer sentido. — Yoko evitava o olhar de Faye, sentindo-se vulnerável demais.
— Você já foi ao médico, como eu te disse? — Faye perguntou, com a voz levemente impaciente.
— Não... — Yoko admitiu, com um sussurro. — Ainda não.
— Então como espera que as coisas melhorem se você não faz nada a respeito? — Faye cruzou os braços, inclinando a cabeça para o lado. — Não dá para continuar assim.
Yoko mordeu o lábio, tentando lutar contra a vontade de chorar. Ela sabia que Faye estava certa, mas, ao mesmo tempo, o medo de descobrir o que estava errado a impedia de agir.
— Eu sei... — Yoko murmurou, quase inaudível.
Mais tarde, Faye resolveu deixar Yoko organizar o ateliê, uma tarefa simples e direta. Contudo, bastou ela se distrair por um momento para ouvir o som inconfundível de algo caindo no chão. Ela girou nos calcanhares e, lá estava Yoko, rodeada por pincéis espalhados e tubos de tinta, com uma expressão completamente desolada.
— Yoko! — Faye exclamou, segurando a testa com uma mão, claramente frustrada. — Como você conseguiu...?
Yoko, já corada, levantou-se rapidamente, tentando pegar os pincéis antes que Faye dissesse mais alguma coisa.
— Desculpa! Foi sem querer, eu juro! — Yoko apressou-se a dizer, as mãos trêmulas enquanto recolhia os materiais.
Faye bufou, abaixando-se ao lado dela para ajudá-la, ainda sem acreditar no que estava acontecendo. As duas se agacharam ao mesmo tempo e, em um movimento descoordenado, esbarraram seus ombros. Por um breve segundo, o toque inesperado as fez congelar no lugar. Yoko, surpresa, arregalou os olhos, e Faye piscou algumas vezes, parecendo tão desconcertada quanto Yoko.
— Ah... — Yoko murmurou, desviando o olhar, sentindo o rosto esquentar ainda mais.
Faye, por sua vez, manteve a expressão impassível, mas seu coração bateu um pouco mais rápido. O contato, ainda que acidental, a fez sentir algo que não conseguia entender, uma estranha mistura de irritação e... algo mais.
Ela limpou a garganta e rapidamente se levantou.
— Vamos terminar isso. — Faye disse, voltando à postura fria e distante.
Yoko, ainda um pouco sem jeito, assentiu e continuou a recolher os pincéis. Mas, mesmo enquanto trabalhava, ela não conseguia parar de pensar no breve toque, em como a pele de Faye parecia quente contra a sua, e em como, por um segundo, se sentiu próxima dela de uma maneira que nunca tinha sentido antes.
No final do dia, Faye estava organizando suas pinturas recentes, verificando o estoque de tintas e telas. Yoko, por outro lado, sentia as pernas mais fracas do que de costume. Ela se sentou na cadeira ao lado da mesa de trabalho e colocou a mão no estômago, sentindo um leve desconforto.
— Faye... — Yoko chamou, hesitante.
— Hm? — Faye resmungou, sem desviar o olhar da tela à sua frente.
— Eu... eu acho que vou para casa mais cedo hoje. — Yoko disse, com a voz trêmula.
Faye virou-se para ela, a expressão séria.
— O que foi agora?
Yoko evitou o olhar de Faye, apertando levemente o estômago.
— Eu realmente não estou me sentindo bem... — confessou, quase como um sussurro.
Faye observou-a por um momento, os olhos estreitos. Algo estava definitivamente errado com Yoko, e, por mais irritante que fosse, uma parte de Faye começava a se preocupar de verdade.
— Está bem. — Faye finalmente cedeu, suspirando. — Vá para casa e descanse. E, Yoko, — ela parou por um segundo antes de continuar —, vá ao médico.
Yoko assentiu lentamente, pegando sua bolsa e se levantando com cuidado.
— Obrigada, Faye. — disse, com um sorriso fraco antes de sair.
Faye ficou ali, observando enquanto Yoko saía pela porta. Ela não conseguia explicar o que estava acontecendo, mas uma coisa era certa: Yoko não era apenas uma funcionária desajeitada. Havia algo mais ali, algo que Faye ainda não conseguia definir, mas que a incomodava de uma forma que ela nunca havia sentido antes.
E, pela primeira vez em muito tempo, Faye se perguntou se deveria tentar entender.
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Entre Cores e Silêncios
FanficFaye, uma artista abstrata de poucas palavras, contrata Yoko, uma jovem tímida e desastrada. Com o tempo, Yoko começa a se comportar de maneira estranha, tornando-se mais introspectiva e distante. Faye, intrigada, percebe que há algo perturbador na...