A Fruta Proibida

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Anos atrás, quando Yuri ainda era uma criança

 A mansão onde vivia parecia maior do que o mundo inteiro. Os corredores eram longos e frios, e as paredes tão altas que ele achava que nunca conseguiria ver o topo. Ele odiava o silêncio daquele lugar, onde risos eram raros e correr estava fora de questão. Tudo era impecável, e todos ao redor pareciam carregar segredos.

Mas havia um segredo em particular que atiçava sua curiosidade: uma fruta misteriosa guardada na sala dos artefatos, um lugar proibido onde ele nunca deveria entrar.

 Yuri já tinha ouvido os criados murmurarem sobre ela. "Uma fruta amaldiçoada", "Uma fruta do diabo", diziam alguns. "Quem a come, nunca mais será o mesmo." Mas, para uma criança entediada e curiosa, aquilo era tudo menos um aviso. Era um convite.

Era uma tarde comum, e os adultos estavam ocupados demais para notar quando ele escapuliu por um corredor lateral. A porta da sala de artefatos estava apenas encostada. Yuri olhou ao redor para se certificar de que ninguém o seguia, sentindo o coração bater forte no peito. "Vou dar só uma olhadinha", pensou, com a confiança impulsiva de alguém que não entendia os perigos à sua volta.

A luz suave do entardecer iluminava o interior da sala, refletindo nas relíquias cuidadosamente dispostas. No centro do aposento, repousava uma pequena caixa dourada em cima de um pedestal de mármore. A tampa estava aberta, e dentro dela havia a tal fruta. A Seishin Seishin no Mi. Suas formas retorcidas e o desenho em espiral na casca pareciam dançar diante dos olhos curiosos de Yuri.

Ele mordeu o lábio, hesitante. Mas a curiosidade falou mais alto. Sem pensar muito, ele pegou a fruta.

"Será que é doce?" 

Ele se perguntou, imaginando que talvez fosse um tipo raro de guloseima escondida dos adultos. Sem mais delongas, ele deu uma mordida generosa.

O gosto foi horrível. Amargo, azedo, e tão estranho que ele quase cuspiu. Mas, antes que pudesse fazer isso, um arrepio percorreu seu corpo. Era como se uma energia estranha começasse a pulsar dentro dele. Suas mãos começaram a brilhar, depois a desaparecer...

  Ele estava se tornando transparente!

— O-o quê?! — Yuri arregalou os olhos, assustado, ao ver suas mãos sumirem por completo. Ele tentou correr para fora da sala, mas algo mais assustador aconteceu: ele flutuou no ar, como se não tivesse peso algum. 

Quando tentou se apoiar na porta, seus dedos passaram direto por ela, e ele atravessou a madeira como se fosse feito de ar.

— O que está acontecendo comigo?! — sussurrou, sentindo-se leve como uma pluma. O medo tomou conta. 

Era como se ele estivesse se tornando um fantasma.

De repente, passos apressados ecoaram pelo corredor. A pessoa mais importante da mansão – alguém cuja presença sempre exigia respeito e silêncio – apareceu na entrada. A expressão séria daquela figura normalmente impassível agora estava carregada de urgência.

— Yuri... o que você fez? — A voz era baixa, mas o suficiente para gelar a espinha do garoto.

— Eu... eu só... — Yuri não conseguiu terminar. Estava apavorado, tentando desesperadamente voltar ao normal. Seus dedos tremiam, ainda translúcidos, como se não pertencessem mais a ele.

A figura se aproximou rapidamente, segurando seus ombros. Os dedos afundaram levemente no corpo etéreo de Yuri, e ele percebeu que agora era incapaz de controlar seu próprio corpo.

— Você comeu a fruta. — A frase foi dita com uma calma terrível, mas os olhos mostravam algo próximo ao pânico. — Você não tem ideia do que fez.

O menino engoliu em seco, querendo chorar.

— E-eu não sabia... Eu pensei que fosse só uma fruta.

— Não importa. — A voz soava dura. — Escute bem, Yuri. Ninguém pode saber disso. Nunca.

Yuri piscou, confuso e aterrorizado.

— Por quê? — Ele finalmente conseguiu perguntar, a voz trêmula.

— Porque... se descobrirem, você estará acabado. — A figura se inclinou mais perto, segurando Yuri pelo queixo, como se quisesse que ele nunca esquecesse. — E não só você. Será o fim para todos nós.

Yuri sentiu o peso daquelas palavras como uma corrente sendo presa aos seus tornozelos.

— Você vai esconder esses poderes. Não importa o que aconteça. Se alguém perguntar, você vai dizer que é um garoto comum. Entendeu?

As lágrimas começaram a encher os olhos de Yuri, mas ele assentiu lentamente.

— Bom garoto. — A figura soltou o queixo dele e deu um passo para trás. — E lembre-se:

  Você não tem escolha.

Desde aquele dia, Yuri nunca mais foi o mesmo. A alegria infantil deu lugar a uma timidez silenciosa e uma constante sensação de insegurança. 

Ele tentava se comportar como um garoto normal, mas o medo de ser descoberto o assombrava a cada momento. Às vezes, quando estava sozinho, ele flutuava pelo quarto ou atravessava paredes apenas para sentir o alívio temporário de ser ele mesmo. Mas esse alívio sempre vinha acompanhado pelo medo: "E se alguém me vir?"

Ele se sentia invisível, mesmo quando não estava desaparecendo de verdade.

Havia momentos em que ele queria fugir desse fardo. Momentos em que ele desejava nunca ter comido aquela fruta. Mas não havia volta. Não havia ninguém a quem ele pudesse contar. Ele estava sozinho nesse peso.

Os dias passavam, e Yuri se sentia cada vez mais isolado. A liberdade parecia um sonho distante, algo que ele nunca poderia alcançar. Até que, um dia, ele viu um garoto – um garoto que sorria como se o mundo inteiro fosse dele e falava sobre sonhos de aventura sem medo algum.

Maldito chapéu de palha....

Por um breve momento, Yuri ousou acreditar que, talvez, houvesse uma chance de ele ser livre também. Mas o medo nunca o deixava completamente. 

Afinal, ele ainda era um fantasma, preso entre o desejo de ser quem ele era e a necessidade de esconder seu verdadeiro eu.

ᴏ ꜰᴀɴᴛᴀꜱᴍᴀ ᴅᴏ ᴍᴀʀ - 𝙊𝙣𝙚 𝙋𝙞𝙚𝙘𝙚Onde histórias criam vida. Descubra agora