Vitória🏆

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O caminho de volta a Jerez é leve e divertido. Escutar meu pai e seus amigos contando piadas me faz morrer de rir. Como eles são engraçados! Quando chegamos, Fernando insiste em sair para beber, com a desculpa de que precisamos comemorar a vitória.

Mas não topo a ideia e, em casa, desço minha moto do reboque, seguro o troféu e, sem nem mesmo trocar de roupa, saio em disparada para o chalé de Rafaela.
Chego à porta, toco a campainha e, segundos depois, a enorme cancela branca se abre. Acelero a moto e subo por uma estradinha cercada de pinheiros. Ao longe, vejo a casa e Rafaela. Parece estar falando ao telefone. Acelero, dou uma derrapada e, rodeada de poeira, paro, olho para ela e levanto meu troféu.

— Você perdeu. Perdeu minha vitória.

Rafaela não sorri, fecha o celular, vira-se e entra em casa.

Surpresa com sua reação seca, desço da moto e a sigo. Fico louca quando ela se comporta desse jeito tão fechado. No caminho tiro os óculos e deixo o capacete numa mesa. Rafa está na cozinha bebendo água. Espero que volte e ataco.

— Por que você foi embora sem me avisar?

— Você estava muito ocupada.

— Mas, Rafa... eu queria que você estivesse ali.

— E eu queria que você não fizesse essas loucuras.

— Rafaela... escuta...

— Não. Escuta você. Se você tiver que dar mais uns saltos com sua moto em qualquer outro lugar, não conte comigo, entendido?

— Tá booooom.... mas, vai, não fique irritada. Não seja infantil.
Minhas palavras a magoam e ela fica ainda mais enfurecida.

— Eu te disse que não queria que você corresse perigo e você continuou com sua brincadeirinha sem pensar em como eu estava me sentindo. Você poderia morrer bem na minha frente e eu não poderia ter feito nada pra impedir. Meu Deus, como você pode ser tão irresponsável?

Afasta-se de mim. Acho sua reação exagerada.

— Não sou irresponsável. Sei muito bem o que faço.

— Sim, claro... não tenho a menor dúvida. E, como se não bastasse, ainda tenho que aguentar esse tal de Fernando.

— Ah, não... , nem vem com essa — rebato irritada. — Não, acho direito você brigar comigo por causa do motocross, mas até consigo entender! Agora, brigar comigo por causa das coisas que Fernando disse, essa não!

— Ele ficou falando “Nossa garota”! — grunhe furioso. — Não parou de fazer comentários desagradáveis o tempo todo na minha frente. Se eu não parti pra cima dele, foi por respeito a seu pai e a você, porque por mim eu teria ido... — E, antes que eu possa reagir, me pergunta: — Você disse que rolou alguma coisa com ele. Continua
rolando?

Não respondo. Não quero contar o que Fernando me revelou a seu respeito, nem o que houve entre nós, mas Rafa insiste:

— Responde: o que você teve com esse cara?

— Alguma coisa. Mas foi sem importância e...

— Alguma coisa? O que é essa “alguma coisa”? — diz num tom glacial.

— Por acaso eu te pedi uma lista de todas as suas amiguinhas?
— pergunto, surpresa
com o rumo que a conversa está tomando.

— Se me lembro bem, você foi a primeira a  querer se envolver comigo sem...

— Sei muito bem do que você está falando. Mas acho que você é madura o suficiente para entender que isso mudou entre a gente.

— Ah, é?
Sem alterar a expressão, ela solta um grunhido.

— Acabei de te fazer uma pergunta. Sempre fui sincera contigo. Quando voltei das Astúrias pra te procurar, você me perguntou se eu tive alguma coisa com Amanda e eu fui sincera. Você não pode fazer o mesmo agora?

— Ok. Eu e Fernando já transamos, sim.

— E agora? Nos dias em que você esteve aqui antes de eu chegar?

— Não rolou nada...

— Não acredito.

— Em Madri fui pra cama com ele, mas aqui não. — Rafa reclama e eu continuo:

— Aqui só demos alguns beijos e...

— Esse cara não é do tipo que se conforma com beijos. Reparei em como ele te olhava e, quando ele falou aquilo de compartilhar a cerveja, meu Deus... eu queria acabar com ele!

Irritada com suas palavras e com seus gritos, respondo:

— Talvez ele não se conformasse com beijos, mas eu, sim. Nunca me comportei com ele como me comporto contigo, porque ele não é como você, droga.
E quer saber? Vou embora. Não quero ficar ouvindo essas idiotices ou te juro que não vou te perdoar.
Quando você estiver mais calma, me liga e talvez... apenas talvez eu aceite desculpas pelo showzinho que você acaba de dar.

Dito isso, me viro, pego o capacete, os óculos e, ainda com o troféu nas mãos, saio da casa, arranco com a moto e vou embora. Cheia de raiva, atravesso o caminho de pinheiros.

Quem Rafaela pensa que é pra falar comigo desse jeito? Por que eu não exijo nada dela, e ela, ao contrário, exige tudo de mim? A cancela branca se abre. Acelero, mas, antes de cruzá-la, freio novamente e solto um grito de frustração. Desço da moto e dou uns chutes pro ar. Sinto vontade de matar Rafaela quando ela age dessa maneira.

Após uns instantes a cancela volta ao lugar. Estou furiosa. Me abaixo, de cócoras, de olhos fechados, tentando me acalmar. Rafaela me cansa, e suas constantes mudanças de humor me deixam louca. Suas palavras e reações me deixam desnorteada. Nunca sei o
que ela quer, e muito menos o que devo fazer.

De repente ouço um ruído rouco. Levanto a cabeça e vejo Rafaela que vem vindo de moto.
Para perto de mim, abaixa o pedal de descanso desce. Ela me encara.

— Como você pode ser tão fria?

— Com a prática.

Respiro fundo e me levanto, sem conseguir conter minha fúria.

— Rafaela, você me desespera. Não aguento essa sua maneira de ser. Às vezes quero te devorar com beijos, mas outras vezes sinto vontade de matar você. E agora é uma dessas vezes. Você sempre se acha a Rainha do mundo. A Rainha da razão. A Rainha do universo. É uma cabeça-dura, uma mandona, uma intransigente e...

— Você tem razão.
Sua resposta me surpreende.

— Pode repetir o que disse?
Rafaela sorri.

— Você tem razão, pequena. Passei dos limites. Fiquei muito nervosa quando te vi saltar com essa maldita moto e também com os comentários inconvenientes do seu amigo Fernando e acabei descontando em você.

— Quando percebe que vou dizer algo, se adianta: — Não quero mais falar desse cara. Aqui, o importante somos eu e você. E por isso vim te buscar.

Seu sorriso. Ai, meu Deus...! Seu sorriso. Que gata ela fica quando sorri... Sem precisar de mais nada, chego bem pertinho dela.

— Por que temos que discutir por tudo?

— Não sei.

— Discutimos por tudo, menos por sexo.

— Hummmm... bom começo, não é?
Nós duas rimos, e Rafaela me pega. Beija meus dedos.

— Continua zangada?

— Muito.

— Sério?

— Com o que você fez hoje, me roubou dez anos de vida.

— Exagerada. — Sorrio. Rafaela faz que sim com a cabeça e em seguida fecha os olhos.

— Bia, minha irmã Hannah morreu há três anos. Ela era como você, cheia de energia e vitalidade, adorava esportes radicais. Um dia me chamou pra fazer bungee jumping
com ela e os amigos. Estávamos nos divertindo até que sua corda... e... eu... eu não pude fazer nada pra salvá-la.

Fico sem ação. Que coisa horrível! Viu a própria irmã morrer. O que ela acaba de contar me faz entender a angústia que sentiu enquanto eu me divertia com os saltos e derrapagens durante a corrida. Entendendo sua dor, quero dizer alguma coisa, mas é ela que continua:

— É por isso que não consegui continuar assistindo ao que você fazia.

— Sinto muito... eu... eu não sabia.

— Eu sei, querida. — Me abraça com força e murmura: — Agora sorria, por favor.

Preciso que você sorria e não me pergunte mais nada do que te falei. Dói demais e não gosto de ficar lembrando, combinado?

Faço um gesto de compreensão e, sem falar mais nada, Rafa me beija com verdadeira paixão. Sorrio, tento não pensar na tragédia que acaba de me contar e me deixo levar pelo meu amor. Minutos depois, ela pega o troféu que ainda está nas minhas mãos e fica admirando.

— Vou te matar, moreninha. Você me fez passar uns momentos terríveis.

— Rafa... é motocross, você esperava o quê?
Sorri, me solta e sobe na sua moto com o troféu nas mãos.

— Pra casa, campeã. Vamos comemorar sua vitória como você merece.

The Boss / RabiaOnde histórias criam vida. Descubra agora