"rabiscos"

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Ekko acordou antes do sol despontar totalmente, envolvido no calor do corpo de Jinx, que dormia tranquila em seus braços, usando apenas uma camiseta dele, que caía folgada em seu corpo. Era uma visão que aquecia seu coração e, naquele instante, ele sabia que era também um lugar em que ele desejaria passar longas horas . Hoje não tinha compromissos inadiáveis, podia passar o dia tranquilo ao lado dela, sem pressa.

Desvencilhando-se suavemente dos braços dela para não a acordar, Ekko se levantou e foi até a cozinha, preparando uma xícara de café. Enquanto o cheiro encorpado preenchia o ambiente, ele se encostou na bancada, solvendo o líquido quente e deixando o gosto amargo do café despertar completamente seus sentidos.

Pouco depois, Jinx apareceu, ainda meio sonolenta, mas com um brilho nos olhos. Sem hesitar, foi direto à geladeira e pegou uma lata de refrigerante. Ekko riu baixo, balançando a cabeça.

— Jinx, sério? De novo? Refrigerante logo de manhã? — ele questionou, com um sorriso no canto dos lábios.

Ela deu de ombros, abrindo a lata e tomando um longo gole, claramente sem se importar.

— Ah, para com isso, Ekko. Eu tô com fome e sede, e isso é mais gostoso que café! — rebateu ela, sorrindo desafiadora.

A conversa seguiu leve enquanto Jinx devorava o que encontrava pela cozinha, comendo um pouco mais do que de costume, e rindo quando ele comentou sobre seu apetite voraz naquela manhã.

— Hoje eu tô faminta — ela disse, se servindo de mais um pedaço de pão. — E eu preciso de energia, nunca se sabe quando vou precisar explodir alguma coisa por aí.

Ekko apenas sorriu, já acostumado com o humor peculiar dela. Quando terminaram o café da manhã, ele avisou que precisava fazer umas manutenções nas suas invenções . Jinx, como sempre, o seguiu sem cerimônias, intrigada pelo que ele poderia estar criando.

Enquanto Ekko mexia em engrenagens, circuitos e ideias novas, ela se sentou no chão, puxando canetas e tintas que tinha em umas das caixas, e começou a rabiscar o teto, o chão e as paredes do local. A princípio, ele achou que seriam aqueles desenhos caóticos, típicos de Jinx, mas conforme o tempo passava, percebeu que os traços eram mais suaves e calmos, desenhando figuras quase inocentes, símbolos que lembravam o lado infantil dela.

Ele estava imerso nos pequenos detalhes de engrenagens e circuitos, mas ainda assim era difícil ignorar a presença de Jinx ali ao seu lado. Ela estava com uma expressão tranquila e distraída, e, em vez de causar o caos que ele secretamente esperava, parecia completamente absorta nos desenhos que começara a espalhar pelas paredes e pelo chão ao redor.

Ekko observou quando Jinx, sentada no chão, começou a desenhar algo que parecia uma flor, com pétalas amplas e leves que pareciam flutuar no ar. Ela passava os dedos em círculos nas bordas, como se quisesse suavizar cada linha. Ele sorriu consigo mesmo ao perceber a delicadeza inesperada com que ela lidava com os rabiscos. Parecia completamente imersa em um mundo próprio, um lugar em que o caos e a inquietação não existiam.

Jinx olhou para ele rapidamente, como se soubesse que estava sendo observada, e deu um sorriso de canto, enigmático.

— Sabe, eu costumava desenhar flores e coisinhas assim... quando era pequena — ela comentou, sua voz soando calma e distante, quase como se estivesse falando com uma antiga versão de si mesma.

Ekko assentiu, lembrando-se das tardes em que eles ficavam juntos em Zaun, bem antes de tudo mudar, antes de Jinx virar Jinx e ainda ser apenas Powder, uma garota doce e cheia de sonhos. Naquela época, ela adorava desenhar nos cantos dos muros e nas paredes dos becos escondidos. E ele sempre a observava, encantado com a habilidade dela de criar algo bonito em meio ao cenário sujo e sombrio de Zaun.

Com a ponta de uma caneta, ela começou a rabiscar algo no chão: um bonequinho pequeno e sorridente, que segurava um martelo em uma das mãos. Ekko percebeu o detalhe, e uma lembrança lhe veio à mente: o bonequinho era uma versão deles dois, uma representação de uma brincadeira antiga, de quando inventaram que seriam super-heróis de Zaun.

— Lembra do “Martelo do Tempo”? — ele perguntou, sorrindo ao lembrar o nome bobo que eles deram à brincadeira.

Jinx riu, seu olhar brilhando com uma nostalgia inesperada.

— Lembro, sim... você sempre dizia que, com ele, ia consertar tudo. — Sua voz tinha uma leveza que ele não via há muito tempo, e, por um momento, Jinx era novamente Powder, a garota que acreditava que o mundo podia ser consertado com uma simples ferramenta e um pouco de determinação.

— Pois é... — respondeu Ekko, enquanto ela continuava o desenho, acrescentando detalhes nos traços do martelo, como se estivesse dando vida ao passado.

Jinx prosseguiu, agora desenhando estrelas que surgiam ao redor do bonequinho, como pequenas explosões de luz. Ekko notou o cuidado dela com cada traço, a suavidade que não combinava com a imagem agressiva que ela cultivava nos dias de hoje. Era como se, ali, ela estivesse se permitindo lembrar da menina sonhadora que um dia foi.

Olhando para aqueles desenhos, Ekko sentiu uma emoção suave crescer em seu peito. Os rabiscos de Jinx eram como fragmentos de lembranças ,e ele não pôde deixar de pensar em quanto ela ainda guardava daquele espírito de Powder, escondido debaixo das camadas de Jinx. Lembrava-se de como ela costumava confiar nele, e agora, ao ver aqueles desenhos, sentiu que ele tinha conquistado esse sentimento de confiança novamente e agora mais forte, mesmo que não admitisse em palavras.

Ela terminou de desenhar e deitou-se no chão, olhando para o teto, onde uma figura de uma criança com o cabelo espetado olhava para baixo, como se estivesse ali apenas para protegê-la.

— Sabe, Ekko, às vezes eu sinto falta de quando éramos só nós dois... era simples. — A voz dela era quase um sussurro.

Ele se aproximou e se sentou ao lado dela, observando o teto com o mesmo olhar pensativo.

— Eu também sinto, Jinx... Mas... — Ele fez uma pausa, escolhendo as palavras cuidadosamente. — Mas fico feliz em ver que você ainda se lembra.

Ela sorriu, um sorriso genuíno e caloroso que ele raramente via, e naquele instante Ekko soube que, em seu mundo caótico, ele ainda era um ponto de paz para ela.

Ekko se pegou refletindo sobre a transformação dela quando estavam juntos. Com ele, ela parecia se permitir ser novamente a velha Powder, a garotinha doce e brincalhona que conhecera há tanto tempo. Aquela visão lhe trouxe um alívio genuíno e uma alegria profunda. O fato de Jinx confiar nele ao ponto de baixar completamente a guarda aquecia seu coração, fazendo-o lembrar de suas aventuras juntos quando eram apenas duas crianças brincando pelas ruas de Zaun.

A tarde passou num piscar de olhos entre risos e sussurros, e, ao fim do dia, os dois foram para o quarto, exaustos. Deitaram-se lado a lado, quase sem roupas, um conforto silencioso entre eles. No meio da madrugada, meio sonolento, Ekko ouviu Jinx levantar e ir até o banheiro, o que o fez franzir o cenho por um momento. Pensou consigo mesmo, talvez de maneira suspeita, que isso podia ser resultado da alimentação nada saudável dela. Mas, num impulso de confiança, decidiu ignorar a preocupação e voltou a fechar os olhos.

Ecos do passado- timebomb Onde histórias criam vida. Descubra agora