Capítulo IX - Ponto Zero

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Eu não buscava a luz, mas talvez ela tenha me encontrado e agora mais do que nunca, sei que não quero alcança-la.

Anos atrás...

Mais um dia comum realizando pela 50ª vez o treinamento de precisão, muito simples, só tenho que matar usando de apenas um golpe centenas de coelhos, pássaros, cachorros, filhotes de lobo, etc... Nas primeiras vezes recusei, depois comecei a vomitar, mas lá pela vigésima você se acostuma com sangue e as vísceras escorrendo pelos seus dedos, não é a sensação mais agradável do mundo, porém se for bem ganho uma recompensa, se tiver sorte, talvez possa comer hoje.

Perto do fim do treinamento, naquela sala fechada seguro as entranhas de um gato que ainda agoniza no chão, toda essa dor, culpa e ressentimento, tenho medo de um dia me acostumar a ela, tento andar em direção a porta, a distância não é longa, mas meus pés continuam afundando em carne. Aperto o botão vermelho sinalizando, devem vir me buscar, só que já sei a resposta:

— Falhaste de novo, haverá um dia que acordarei e tu não me desapontarás? — Repreende-me o homem com os olhos tão negros quanto à noite e cabelos mais escuros do que as próprias trevas.

— Sinto muito... Papai... — Desculpo-me de cabeça baixa.

— Tem noção do que vou ouvir da sua mãe? — Coloca a mão na testa em sinal de negação. — Eu devia ter usado camisinha.

— Lamento... Realmente sinto muito... Por ter nascido...

— Nós já tínhamos o Kuran, você foi um erro e ainda por cima vieram duas.

Suas palavras me levavam para o fundo do oceano, não podia respirar, não podia me mexer, onde a pressão me forçava por todos os lados deixando-me imóvel, totalmente submersa e indefesa, impossibilitada de pronunciar qualquer coisa além de:

— Estou com fome.

— Você tem muita carne espalhada ai, ninguém vai se irritar se fizer um banquete. — Disse-me com frieza.

— Sim... — Assenti.

Então virou as costas e saiu me deixando sozinha em minha escuridão. Desprezo, ódio e carbono, é disso que um ser humano é feito, é essa a sua composição, desta forma tudo isso é normal, falta pouco, logo irei me sentir bem, é questão de tempo.

Vou para uma sala perto de lá. Retiro a roupa de lycra, limpo com dificuldade o sangue que penetrou na minha pele e trocou a cor do meu cabelo para um "quase rosa", olho-me no espelho ao lado da pia, pareço bem pálida, mas suponho que deva sorrir.

Desloco-me para o "jardim", na verdade uma floresta com árvores enormes que cercam nossa mansão, sem flores ou qualquer sinal de vida, sinto como se todo esse verde fosse uma ilusão, pelo menos essa luz que me toca é verdadeira e me enche de energia, deve ser isso que chamam de fotossíntese:

— Aina? Aina! — Chama-me.

Assusto-me ao ver minha prima tão próxima, cumprimento-a:

— Ah... Tomei um susto Ulr, não faça mais isso.

— É inevitável, você fica muito linda. — Pousou a mão sobre meu rosto apertando minhas bochechas.

Faz um tempo que não a vejo, como uma Code X, ela deveria estar em missão:

— Seu cabelo cresceu. — Admiro-a.

— Sim, é um castanho muito bonito não acha? — Exibe-se ao balança-lo.

— "Incrível, mas age como uma vadia".

— De onde veio essa? — Mirou-me curiosa.

— Toda vez que falo de você para o meu irmão ele diz isso. — Respondo.

Almas Vazias Corações ContentesOnde histórias criam vida. Descubra agora