Part 18

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Um ano ...

Um ano se tinha passado e o meu amor ainda se encontrava em coma. Religiosamente as seis horas da tarde atravessava as portas de vidro da entrada do hospital e dirigia-me para os cuidados continuados. Conhecia todos pelo nome, médicos, enfermeiro, funcionários e até já tinha sido convidada para uma ou outra festa de aniversário.

Embora a minha vida não tivesse parado profissionalmente, ainda estava em compasso de espera. Só poderia verdadeiramente existir e voltar a viver intensamente quando ele estivesse comigo novamente.

Depois do acidente, e incentivada pelo meu pai e por Nessa compareci a entrevista que tinha agendada com a revista responsável pelo artigo que tinham feito a minha loja. Eles pertenciam a um grupo multimédia que possuía diversos canais de televisão temáticos. Revimos a gravação que tínhamos feito para o Youtube e após afirmarem que tinham adorado a desenvoltura e o carisma que  tinha demonstrado na tela  informaram-me que procuravam uma pessoa com o meu perfil para levar um projecto similar avante no canal de Cozinha que possuíam. Aceitei na hora, e isso por duas razões. A primeira porque poderia ficar em Londres, a segunda porque era uma oportunidade irrecusável. O fato de ser namorada do Tarregui não foi mencionado na entrevista, e embora feliz ficou a duvida sobre o mérito de uma oferta tão célere. O meu rosto nos últimos dois dias encontrava-se em cada quanto de Londres e dificilmente passaria despercebido.

Comentei o facto com os meus dois cúmplices que foram peremptórios ao afirmarem que a entrevista já estava marcada antes mesmo de saberem quem eu era e que embora pudessem ter sido influenciados pelo fato de sair com quem saia não foi por isso que me contrataram. Segundo Nessa se eu não fosse mesmo boa não haveria namorado que pudesse me ajudar.

A pressão da média fazia sentir-se a cada hora. Primeiro por causa do acidente de Marco e depois quando o meu programa foi para o ar. As especulações eram mais que muitas, mas foram-se acalmando com o tempo e com a constatação de que era uma boa apresentadora e que o estado de Tarregui não sofria alterações.

Entrei no quarto e depois de cumprimentar o meu amor e pousar um beijo nos seus lábios inertes mas quentes e doces, troquei as flores do vaso que se encontrava no parapeito, como fazia duas vezes por semana.Desta vez tinha escolhido girassois, e mal os coloquei na jarra pareceram encher o quarto de alegria. Comecei a contar o meu dia em voz alta enquanto trabalhava mecanicamente.

Esperei a visita do médico que se fez, como sempre as seis e meia, e como sempre fui informada de que não havia alterações ao seu estado.

Geralmente ficava até as sete e meia, lendo em voz alta ou somente falando, para depois ir para casa. Nunca saia, não por falta de convites, esses eram demasiado abundantes para o meu gosto, mas simplesmente porque não queria. Como é que poderia me divertir se a minha alma estava estendida numa cama de hospital. Nem vivo nem morto...Impossível cometer tamanha traição a quem se ama.

Lia em voz alta a cerca de dez minutos quando ao longe ouvi uma das canções do meu amor , devia ser o toque de um telemóvel porque logo se calou. Mas eu e a minha velha mania de traulitar musicas, não a deixamos acabar e comecei a cantar. E depois dessa veio outra e depois outra, cantava para mim e para todos os que amava e sem querer comecei a dançar e acabei por tropeçar caindo em cima do meu amor que me agarrou.

Os olhos deles continuavam fechados, mas a sua respiração estava um pouco mais acelerada do que o costume. Os seus braços deslizaram devagar em direcção a cama, voltando a posição que ocupavam fazia meses. Devagar afastei-me do seu corpo e fiquei estática olhando, procurando por algum sinal de que finalmente ele estaria acordando. Mas nada....ele estava exactamente como a dez minutos atrás, inerte...

Eternamente  (completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora