P.O.V America
A paz reinava na mansão. Já fazia mais de um mês que eu estava lá e me sentia em casa agora. Meu corpo havia se adaptado ao novo clima. O calor agradável da mansão era mais que divino para mim agora e não mais sufocante. Estávamos quase no fim de agosto e fazia frio à noite, mas ainda assim era mais quente do que lá em casa. Os cantos daquele espaço gigantesco já não eram mistério. Os sons de sapatos sobre o mármore, o tinir dos copos de cristal, a marcha dos guardas: tudo isso já me era tão familiar quanto o motor da geladeira de casa ou as boladas que Gerad acertava na parede.
Os momentos no meu quarto conversando com Anne, Mary e Lucy e no Salão das Selecionadas já era tão constantes na minha rotina que era tão curioso como os momentos entre uma atividade e outra pareciam sempre novos.
Estou dedicando mais tempo à música; os instrumentos da mansão eram bem superiores aos que eu tinha em casa ou na escola. Tenho que reconhecer: estou começando a ficar mal-acostumada. A qualidade do som é infinitamente melhor. Parecia que eu estava começando a me tornar realmente parte daquilo.
No geral, a animosidade tinha passado. Acostumamo-nos umas às outras. Finalmente pudemos ver a revista com nossas fotos e comentários. Imaginem minha surpresa ao descobrir que era uma das favoritas. Marlee ficou com o primeiro lugar, seguida de perto por Kriss, Tallulah e Bariel. Celeste deixou de falar com Bariel por dias ao saber disso, mas ninguém se importou muito.
O que mais parecia causar tensão eram as informações lançadas no ar. Quem quer que tivesse estado mais recentemente com Maxon não podia deixar de contar, encantada, sobre seu pequeno encontro. Pelo jeito como todas falavam, parecia que ele escolheria seis ou sete esposas. Mas nem tudo eram flores para todas.
Marlee, por exemplo, teve diversos encontros com Maxon, o que dava nos nervos das outras. Contudo, ela nunca retornou tão radiante como no dia do primeiro encontro.
– America, se eu contar, você precisa prometer que não vai abrir a boca para ninguém – ela me diz, enquanto caminhamos pelo jardim da mansão.
Eu sei que o que ela está com receio de contar é algo realmente sério. Ela esperou até estarmos longe dos ouvidos atentos das outras meninas no Salão das Selecionadas e dos olhares minuciosos dos guardas para fazer a simples menção do problema.
– Claro, Marlee. Está tudo bem? – Era engraçado como meu tom soava quase maternal.
– Sim... tudo bem. – ela responde, mas não posso deixar de perceber como ela hesita. – Eu só queria sua opinião sobre algo... – Ela faz uma longa pausa e a observo, seu rosto está carregado de preocupação, rugas que não estavam e nem deveriam estar ali, marcavam sua testa franzida.
– O que há de errado? – lhe pergunto.
Ela morde os lábios e para de andar, antes de se voltar para mim, me encarando com uma expressão que deveria ser insegurança, mas não sei porque, não me parece.
– É Maxon – ela se lamenta, parecendo muito deprimida. – Não sei se vai dar certo.
– Por que você acha isso? – E a preocupação que estava nela, agora também está em mim.
Agora que ela finalmente se abrira, recomeçamos a nossa caminhada.
– Bem, para começar, eu não... eu não sinto nada, sabe? Não tem química, não temos uma ligação.
– Maxon pode ser um pouco tímido. É só isso. Talvez você tenha que dar um tempo a ele – respondo, mas não sei ao certo por que o estou fazendo, talvez porque Marlee é minha amiga e, como sua amiga, me sinto na obrigação de reconfortá-la.
E sinceramente, aquilo era verdade. Eu fico até um pouco surpresa por ela não ter reparado nisso.
– Não. O que quero dizer é que eu não gosto dele.
– Ah! – Não posso deixar de ficar chocada.
Maxon é o sonho de qualquer garota, as que sonham com a imortalidade ou que só querem distância: ele é fofo, carinhoso, atencioso, bonito, adoravelmente tímido, bem humorado... ou será que ele só demonstrava esse seu lado para mim?
E essa era, de fato, uma situação bem diferente. Tento continuar a conversa com uma pergunta bem idiota:
– Você tentou?
– Sim, e muito! – Ela parece meio decepcionada. – Fico esperando o momento em que ele diga ou faça algo que me mostre que temos alguma coisa em comum. Mas nunca acontece. Acho Maxon bonito, mas isso não basta para construir uma relação. Quer dizer, nem sei se ele sente atração por mim. Você tem alguma ideia do que ele, sei lá, do que ele gosta?
Penso por mais de alguns instantes, tentando relembrar nossas conversas.
– Na verdade, não. Nunca falamos sobre as expectativas dele no quesito atributos físicos.
– Aí é que está! Nós nunca conversamos. Ele sempre fala com você, mas nós dois nunca temos o que conversar. Passamos muito tempo em silêncio, assistindo a algum filme ou jogando cartas.
E a cada palavra a ruga em sua testa parecia crescer e sua preocupação aumentar.
– Às vezes, nós também ficamos em silêncio. Só nos sentamos e não dizemos nada. Além disso, esse tipo de sentimento não nasce da noite para o dia. Talvez vocês dois devessem ter mais calma – eu digo, cuidando para que minhas palavras ofereçam algum conforto. Marlee parece a ponto de chorar.
– É sério, America, acho que a única razão para eu estar aqui é o Olimpo gostar muito de mim. Acho que o príncipe leva em conta a opinião de seus... – ela faz uma pausa antes de fazer aspas com as mãos – "súditos".
Eu nunca tinha pensado nisso, mas, quando ela falou, pareceu-me plausível. Tempos atrás, eu teria descartado essa opinião, mas Maxon levava muito em conta a opinião de seu pai, de sua mãe e dos outros habitantes do Olimpo. Talvez a interferência na escolha de sua futura esposa fosse maior do que eu imaginava.
– Além disso – ela continua em voz baixa, a cabeça abaixada, triste –, tudo entre nós parece tão... tão vazio.
E então lágrimas começam a brotar de seus olhos e cair por suas bochechas.
Respiro fundo e lhe dou um abraço apertado. Quero muito que ela fique, realmente muito, que estivesse sempre ao meu lado, mas se ela não amava Maxon...
– Marlee, se você não quer ficar com o príncipe, acho que deveria dizer isso a ele.
– Ah não. Eu não poderia – ela diz, balançando a cabeça como se a ideia fosse um completo absurdo.
– Você tem que fazer isso. Ele não quer se casar com uma pessoa que não o ama. Se não sente nada pelo príncipe, ele precisa saber.
Marlee balança novamente a cabeça, com ainda mais veemência.
– Não posso simplesmente pedir para sair! Preciso ficar. Não posso ir para casa... Não agora.
– Por que, Marlee? O que a prende aqui?
Por um instante, acho que compartilhamos o mesmo segredo. Talvez ela precise ficar longe de alguém, como eu preciso. A única diferença seria que Maxon sabe do meu segredo. E eu quero que ela se abra comigo! Quero saber que não sou a única que tinha ido parar ali em circunstâncias ridículas.
Contudo, as lágrimas de Marlee param tão rapidamente quanto tinham começado. Ela funga algumas vezes e se endireita. Alisa o vestido, sacude os ombros e se volta para mim. Bota um sorriso forte e cálido no rosto antes de dizer:
– Quer saber? Aposto que você está certa. – Ela começa a se afastar. – Tenho certeza de que só preciso esperar e as coisas vão avançar. Agora tenho que ir. Tiny está à minha espera.
Marlee corre até a Mansão. E eu me pergunto o que diabos teria se passado em sua cabeça.
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A Seleção Semideusa
FanfictionSe Maxon Schreave não fosse um príncipe querendo encontrar sua esposa, mas um deus grego imortal? E se America Singer não fosse um reles violinista da casta Cinco, mas uma semideusa? E se tudo fosse diferente e aquela Seleção mudasse a vida deles pa...