Parte 1: Branco 6 - Parada estratégica

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Na quinta-feira Camila cercou Marco de novo e saiu conversando com ele pelo corredor. Marisa começou a suspeitar seriamente das intenções de La Comível: agora não se tratava mais de simples insinuações, e sim de um ataque frontal. Ao término das aulas na sexta, quando ia para casa, Marisa avistou Camila e Marco parados na esquina do colégio. Ele dizia alguma coisa e ela sorria mesmerizada, brincando com o pingente dourado numa óbvia tentativa de chamar a atenção para seu decote.

Sem conter o despeito, Marisa escondeu-se atrás de uma banca de jornal e observou os dois. Camila havia repetido de ano duas vezes e, na opinião de Marisa, era simplesmente burra. Para que serviam todas aquelas curvas sem um cérebro? Mas Marisa teve de reconhecer, a contragosto, que a outra era vistosa, com seu corpo esguio, cabelos longos e grandes olhos castanhos. Camila personificava o estereótipo de sedução que tanto atraía as atenções masculinas. E Marco pelo jeito caía naquele jogo tosco, primário.

Os homens são uns idiotas, pensou Marisa. Era patético como a biologia falava mais alto do que a razão. Falar, não: a biologia gritava e sapateava, enquanto a razão murmurava e gemia em agonia. Quando um homem estava perto de um decote, os hormônios pululavam na cabeça e ele só conseguia pensar em procriação. Tinha até aqueles que faziam cursos para aprender o caminho mais curto entre suas mãos e as roupas íntimas de uma mulher. Eles se autopromoviam como “artistas da sedução”. Era cruel mas verdadeiro: o mundo masculino cultuava a exuberância fácil — não se preocupava com substância.

No que se referia à exuberância fácil, Marisa não pôde se furtar de correr os olhos pela silhueta de Marco, detendo-se no par de bolsos traseiros que revelavam um dote extracurricular dele muito apreciado pelas meninas do colégio… Irritada, desviou o olhar para a manga da camisa de Marco. Apesar do conselho de Valentina, não resistia ao professor. Por que ele? Afinal, existiam milhões de homens no mundo. Mas por que não ele? Nunca havia sentido tanta afinidade com alguém como sentia com Marco. Admirava a cultura dele, seu senso de humor, sua descontração… seu sorriso, suas mãos… (Aqui, Marisa deu um suspiro ambíguo, meio romântico, meio fastio: um suspiro de romantismo enfastiado.)

Pois muito bem, Valentina havia acertado em cheio mais uma vez: para ele, aquele convite para tomar café não passava de um pretexto para uma conversa amigável. A prova estava ali do outro lado da rua. Marisa quis ir embora, mas não conseguia desgrudar os olhos do par na esquina. Agora Marco falava de novo daquele seu jeito assertivo. Agora Camila mexia de novo no maldito pingente… E agora… o golpe fatal: Marco tirou da pasta um maço de papeis e o entregou a Camila. Então ele fazia isso com todas as alunas.

Marisa sentiu-se traída. Mirou um olhar zangado no par, inclinou-se, mirou um olhar homicida, inclinou-se. E derrubou uma pilha de revistas com uma mulher sorridente tricotando um suéter azul na capa. Marisa pulou para trás bem na hora em que Marco olhava na direção da banca.

Vapt… tuff… vapt… tuff… vapt-tuff-vapt-tufff!

Depois do baque, dezoito mulheres com suas agulhas de tricô sorriam no chão para Marisa. Os olhos do velho jornaleiro, verdes como fundo de garrafa, fixaram-se nela furiosos como se dissessem: Você não vai arrumar essa bagunça aí, não? Ela gesticulou um pedido de desculpas e encolheu atrás de uma parede de jornais. Vendo que Marisa não se mexia dali, o homem ajoelhou-se aos resmungos para recolher as revistas que atapetavam a calçada.

Marco e Camila interromperam a conversa para observar o velho falando sozinho. Marisa, com a cobertura de um jornal de economia, espiou os dois. O professor indicou a banca com um movimento do queixo, Camila fez sinal negativo com a cabeça. Prosseguiram aquele diálogo queixo-cabeça, até que Marisa gelou: Marco agora girava o corpo de modo a ficar de frente para a banca… dava um passo… outro passo… e começava a atravessar a rua.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora