Parte 2: Negro 1 - Um mergulho no abismo

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PARTE 2: NEGRO - UM MERGULHO NO ABISMO

Outono, março de 2013


ELE A ESPERAVA na sala de estar. Sentado no sofá com um copo de uísque na mão, Marco ouvia uma composição clássica de Kodály Zoltán sobre o hussardo que renunciava a tudo para ficar com seu amor. The fairy tale begins. Recém-saído do banho, Marco ainda tinha os cabelos molhados, e a camiseta preta colava-se ao seu torso levemente úmido. Bebeu um longo gole do scotch que nadava em gelo. O outono chegava trazendo de volta o auge do verão, num daqueles acessos temperamentais típicos de São Paulo. Em condições normais de temperatura e pressão, o termômetro não registraria trinta graus à sombra.

Ela empurrou a porta, entrou e largou a bolsa numa cadeira. Vestindo uma blusa cavada bege e saia bandage, gingou as ancas enquanto contornava a mesa de centro para alcançar o sofá. Perguntou o que fariam aquela noite. Marco indicou-lhe uma sacola branca ao pé do sofá, banhada pela luz fraca do abajur. Com mal contida curiosidade, ela apanhou a sacola, depositou-a sobre a mesa e avaliou seu conteúdo. Foi retirando os itens um a um, enquanto os examinava com olhar crítico. Seu interesse falseou.

- O que é isso? - perguntou desconcertada.

- Você não disse que queria ter novas experiências? Comprei para você.

Ela avaliou a trama de correias de couro negro e argolas de metal. Refletiu um instante e a devolveu à sacola com um movimento brusco. Aquilo não a agradava. Quando ele quis saber o motivo, ela se irritou:

- Será que não podemos ser como as pessoas normais? - Sua respiração entrecortou. - Isso é... isso é errado.

As mãos dela tremeram - quem a visse não saberia dizer se era por indignação ou por medo de si mesma e do que era capaz de fazer. Marco limitou-se a segurar-lhe a mão. Fez com que se sentasse no sofá e serviu-lhe uma dose de uísque com bastante gelo. Tranquilizou-a que só fariam o que ela tivesse vontade. Ela tomou um gole da bebida, um pouco mais calma, enquanto ele sentava a seu lado.

- Você não gosta dos nossos jogos? - Marco passou o braço nos ombros dela e segurou-lhe o queixo, fazendo com que o encarasse. Ela tentou se desvencilhar, mas ele insistiu: - Não gosta?

Ela fez que sim com a cabeça. Sentia-se um pouco humilhada em admitir.

- Então confie em mim - ele disse.

- E se a situação descambar? Eu não quero perder o controle, Marco...

Isso nunca aconteceria, ele afiançou. Será que ela não entendia? Marco sondou seu rosto. O que viu foi um par de olhos inquisitivos enquanto ela umedecia os lábios com a ponta da língua. Aquela mesma ponta da língua onde não chegavam respostas.

Não, ela não entendia.

- É um jogo de espelhos - disse Marco, fazendo uma pausa para que ela assimilasse. - Mas para captar a essência dele, você precisa olhar além da superfície. Os espelhos são multifacetados, e nem tudo é tão óbvio como parece.

- Às vezes você fala por enigmas, Marco. Eu não sei o que isso significa.

- Vou explicar de outro jeito. Eu já fiz alguma coisa que você não gostasse?

Ela aproximou os lábios da borda do copo, balançando a cabeça numa negativa curta. Hesitou um segundo e deixou o copo na mesa. Suas impressões digitais embaçaram-se lentamente no cristal frio.

Marco mirou-a com um sorriso nos olhos. Correu o indicador pela curva de seu ombro, subindo ao pescoço, tracejando a linha do maxilar até pousar em sua boca. Ali se prolongou numa carícia. Ela não pôde conter o arrepio que seguiu o deslizar do dedo dele.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora