Parte 1: Branco 12 - História a quatro mãos

2.3K 84 2
                                    

Quando Marco finalmente retornou do bar, Marisa já havia estraçalhado três unhas à perfeição e preparava-se para atacar a quarta. Deixou a mão cair e mirou um olho de microscópio nele, investigando a roupa branca sem rasgos ou manchas de sangue (confere), as mãos, braços, pescoço e rosto intactos (confere), os cabelos impecáveis como sempre (confere). Marisa alegrou-se, depois franziu a testa. Marco não só voltava ileso, como mal escondia sua satisfação.

— E então? O que você foi fazer lá? — ela perguntou, repuxando ansiosamente uma farpa na unha com a ponta do polegar. (Precisava de uma lixa urgente ou ficaria louca.)

— Eu não podia esquecer as boas maneiras, podia? Fui lá cumprimentar o Belvedere. Até tirei uma foto dele e da Jane para o blog do colégio. Você sabe, para a posteridade.

— Marco! Você ficou maluco! — Marisa continuou tateando as farpas. (Onde haveria uma farmácia aberta para ela comprar uma lixa de unha?)

— Eu, não. Deixei ele suar frio uns minutos, sugeri uma confraternização e, no final, “mudei de ideia” e disse que era melhor postar uma foto com toda a diretoria. Mas isso vai ensinar o Belvedere a ficar longe do nosso bar.

Ao ver Marco, o diretor da escola tinha engasgado num pedaço de filé mignon e ficado tão vermelho quanto a flor de tomate que decorava seu prato. E a secretária, branca como o próprio prato, levantara da cadeira, revezando sorrisos amarelos para Marco e negros murros nas costas do amante. Nisso o pianista, que tocava o clássico de Sinatra My way, cantou a parte que falava em morder mais do que se podia mastigar e comer tudo e cuspir fora…

Marco caiu na gargalhada, e Marisa não pôde se impedir de rir também (nada como uma cena cômica para aliviar um filme-catástrofe… por falar nisso, onde mesmo tinha uma farmácia para ela comprar uma lixa?). Dobraram a esquina para buscar a Ducati, e ela sugeriu que fossem para o apartamento de Marco. Ele se recusou. Não se esconderia só porque o canalha do diretor tinha inventado de sair com a amante. Conhecia outro bar nas redondezas aonde podiam ir agora.

Marisa diminuiu o passo até parar no meio da calçada.

— Não acho uma boa ideia, Marco. Se o Belvedere passa por lá… — (Uma lixa de unha! Por favooor!)

— A esta altura o nosso amigo já deve estar pedindo a conta, pronto para correr para casa com o rabo entre as pernas. Além disso, o lugar é seguro. Fica num beco e, pode confiar, o Belvedere nunca colocaria seus pés angelicais lá.

— Certeza? — (Será que Marco tinha… Ah! Ela devia ter uma lixa na bolsa… hmm… molhada.)

— Quer apostar?

Foram. O bar se apresentava com modéstia: umas poucas mesas em volta de uma pilastra e, nos fundos, o balcão que resplandecia banhado em luz negra. Embora as paredes brancas estivessem nuas, o dono tivera o cuidado de enfeitar as mesas com flores de plástico em baldinhos coloridos. Parecia decoração de festa infantil. A grande vedete ali era uma vitrola automática que, com a suave luminescência de um sonho, tocava velhos sucessos de ídolos populares. Ao redor dela, mulheres exuberantes de cabelos, peitos e pés grandes conversavam.

Era um bar de travestis.

Marco e Marisa deram-se ao luxo de escolher uma das quatro mesinhas que se enfileiravam na calçada. Ao som de Sidney Magal cantando Se te agarro com outro te mato, uma garçonete de ginga insinuante e uniforme apertado anotou seus pedidos. Duas vodcas-tônicas com bastante gelo, por favor. E uma porção de fritas, que é para ninguém se embebedar. Ah, claro, e uma lixa de unha.

O par se divertiu imaginando como Breno Belvedere se comportaria agora que seu affaire havia sido descoberto. Talvez, conjeturou Marisa, o diretor tentasse salvar as aparências, fingindo que estava no bar com a secretária para falar de trabalho.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora