Parte 2: Negro 2 - A perseguição

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Ela caminhava na rua deserta sob a chuva prestes a desabar. Os galhos das árvores sibilavam ao vento com um coro de mil vozes. Numa curva, Marisa avistou um vulto recortado contra um muro. Era um homem alto vestido de preto, com o chapéu puxado sobre o rosto. Marisa atravessou a rua e, pressentindo seu olhar invisível à espreita, desatou a correr. Ouviu então passos.

O homem era muito maior e mais rápido do que ela. Estava quase a alcançando...Mais um pouco... mais um pouco, Marisa repetia para si mesma. Logo chegaria ao prédio de Marco e estaria a salvo... O homem atirou-se sobre ela e Marisa caiu de joelhos. Não sentiu a dor, só o medo quando as mãos de chumbo a imobilizaram e o calçamento lhe feriu as costas.

Estavam debaixo de uma árvore que bloqueava a luz da rua e estalava chicotes de sombra no concreto. O rosto do homem era uma tela negra onde lampejavam faíscas conforme as folhas se agitavam. Marisa viu o brilho metálico da arma. O cano encontrou sua garganta. Depois a trava do gatilho emitiu um clique.

- Agora você vai morrer.

Marisa viu o futuro estacar de repente. Seus olhos marejaram, as lágrimas imagens holográficas de terror. Lá no alto, indiferentes, elas se balançavam. Tinham se agrupado nas árvores e postes de luz para tecer uma gigantesca teia sobre a rua. Um sopro furioso as sacudiu, lançando-as pelos ares. Despencaram como frutos apodrecidos, uma chuva negra antes da chuva: centenas e centenas de aranhas. Formaram uma mancha escura que fervilhou com uma multidão de olhos e pernas.

O homem ergueu-se de um salto e deixou Marisa exposta. As patas peludas imediatamente escalaram o corpo dela e se expandiram pelo rosto, enchendo a noite de mais escuridão. Ela tentou gritar e as aranhas mergulharam em sua boca, as patas com cheiro de terra em sua garganta, nariz, olhos...

Os tiros estrondaram em seus ouvidos. O homem descarregava a arma ao léu para afugentá-las. Marisa sentiu uma agulhada no braço, outra no ombro, outra no peito. Ficou envolta na mortalha de seu próprio sangue, sem voz e sem ar. Pensou em tudo que jamais veria de novo: Marco, os entes queridos, o mar, o sol... Dentro dela só restou medo, incredulidade e tristeza. Então a luz repentina a cegou.

Marisa se debateu, um grito preso na garganta, respiração ofegante, suor gelado. Gradualmente reconheceu o cenário familiar. Seu quarto. Quando se deu conta de que tudo havia sido um pesadelo, o alívio foi seguido de um mau pressentimento. Ela olhou ao redor e deu com o relógio de cabeceira sobre o criado-mudo. Seis e quarenta. Pulando da cama, correu a se aprontar. Estava atrasadíssima para a apresentação na faculdade.

Saiu de casa ainda aturdida e, diante do elevador, vacilou antes de pressionar o botão do comutador. Àquele contato, um frio difuso formigou-lhe na ponta dos dedos, estendendo gélidos tentáculos por seu corpo inteiro. Clanc, clanc, clanc... clanc. O velho elevador de serviço parou no seu andar. A porta corrediça se abriu, descortinando paredes de aço e luz fria. Um refrigerador de necrotério. Ela entrou com relutância, segurando a bolsa contra o peito.

Enquanto o elevador descia, lembrou-se do professor de física do colégio suas lições sobre a queda dos corpos. Marisa fechou os olhos com um tremor. Estava despencando rumo à sua sepultura. Podia sentir o elevador soltando-se dos cabos e soçobrando nas entranhas da terra, cada vez mais rápido... mais rápido, mais rápido... CRASH! 

Abriu os olhos de um estalo, no instante em que a porta deslizava com um gemido rouco. Térreo. Saiu com o coração batendo forte e, na rua, procurou concentrar-se em sua apresentação na faculdade. Alcançou o ponto de ônibus alguns quarteirões adiante. Logo um homem de jaqueta preta materializou-se a seu lado. Quando ele lhe perguntou as horas, foi como se as asas de um monstro eclipsassem o sol. O dia escureceu de repente, e os olhos do desconhecido se acenderam num lampejo. Marisa recuou, enquanto suas mãos se crispavam no celular.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora