Parte 3: Vermelho 12 - O diabo ri

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- O que tem a água?

Gina olhou inquisitivamente para Valentina, bebeu um gole de água mineral e espanou a manga de seu terno risca-de-giz.

- Não é um recurso renovável - Valentina retrucou num tom inflamado - e um dia o mundo vai acabar em sede e imundice enquanto as corporações privatizam a água. Por que a gente recebe um copo de água enorme em todo lugar aonde vai, sem nem sequer pedir? Pensem na economia se só servissem água quando as pessoas de fato pedissem.

- Bom... - Gina pensou um segundo e trocou um olhar com Theodora. - Isso é para oferecer mais pelo seu dinheiro e bater a concorrência.

- Que dinheiro? O copo de água é grátis - insistiu Valentina.

- Exatamente.

Numa mesinha nas proximidades do bar, Valentina prosseguia sua exaltada conversa com o casal de lésbicas chiques, enquanto Richard e Brian davam um jeito de sair de cena sorrateiramente com um rapaz fantasiado de anjo caído. Na pista, Marisa continuava dançando com seu novo amigo, fato que poderia ser interpretado de várias maneiras conforme a perspectiva. Para a multidão na nave central, o par era apenas mais um casal anônimo. Para Marisa, Eric era um agradável prêmio de consolação. Para Eric, Marisa era um estereótipo de sensualidade tropical.

Já para Marco, ironicamente, Eric era Richard. Enquanto Yarina se enfurnava no banheiro com a amiga, Marco foi comprar bebidas. Ao chegar no bar, não pôde evitar que seu olhar perambulasse pelo salão à procura de Marisa. Rastreou a borda da pista perto do palco, sem saber ao certo o que esperava encontrar.

Encontrou Marisa no meio de um beijo. Seus olhos faiscaram no compasso do laser, a música martelando-lhe as têmporas e pensamentos irracionais trovejando mais alto em seu cérebro.

 Então ele a perdeu de vista.

- Ei, se você não vai comprar nada, é melhor sair da frente - disse um rapaz atrás dele.

Marco encarou-o. Sem dizer palavra, virou-se fazendo sinal para o bartender.

A nave central fervilhava com um set de drum'n'bass. Empurrando-os para o meio da pista, a multidão fechou-se em torno de Marisa e Eric. Os dois cansaram do tumulto e decidiram fazer uma pausa no bar. Eric deu-lhe a mão e foram costurando pelo meio dos clubbers. Mal avançaram alguns passos quando um homem bloqueou a passagem de Marisa. Apesar da constituição sólida, ele tinha ar de cachorro abandonado, o que tornava patética a palavra de ordem na sua camiseta.

- Friedrich!

- Marie, não faz isso comigo, por favor. Não consigo tirar você da cabeça. Vamos sair daqui e reviver aquela noite. Pelos velhos tempos. - Fez um gesto impotente. Um de seus anéis, o de caveira, cintilou com uma careta.

Vendo que ele tentava segurá-la pelo braço, Marisa desvencilhou-se com um movimento brusco. Fred, no entanto, agarrou-lhe o pulso. Ela se exasperou:

- Pelo jeito você tomou champanhe demais naquela banheira de espuma e ficou ruim da cabeça. Me deixa em paz.Eu não sou a Marie!

- Mari, algum problema? - interviu Eric.

- Ah, viu só? Eu não disse? - Fred tinha passado de cachorro abandonado a dobermann atacado de raiva. Rosnava: - Quem é esse cara? Você é boa demais para ficar comigo, mas não tem nenhum problema em ficar com ele, é? Pelo menos, seja mulher e pare de fingir que não me conhece!

- Larga ela! - Eric exigiu, empurrando-o.

Eric se colocou entre os dois e protegeu a retaguarda de Marisa. Fred plantou as duas mãos nos ombros dele para tirá-lo do caminho. Eric reagiu com um safanão. Fred desferiu um violento murro em sua direção.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora