Boca da noite. Marisa chegou ao apartamento e, conforme o combinado, encontrou a porta destrancada. Ao entrar, ouviu o dueto de Ella Fitzgerald com Louis Armstrong em Dream a little dream of me — um pequeno sonho com pássaros de plumagem estrelada e juras de amor sussurradas na brisa. A claridade difusa da luminária e do abajur acentuava o clima de nostalgia da música, esparramando-se em círculos suaves como um fino véu dourado que poderia esgarçar-se ao menor descuido.
A grande janela enquadrava a floresta de prédios e o céu ofuscado pelas luzes da cidade. Marisa relanceou a paisagem e logo sua atenção foi atraída para a sacola branca de papel na mesa de centro, sobressaindo entre a escultura de bronze, uma revista de informática e uma pilha de livros. A sacola trazia o logotipo familiar da maçã vermelha com uma dentada e duas palavras: Paraíso Perdido.
Ardendo de curiosidade, Marisa sentou-se na borda do sofá e apanhou a sacola. Extraiu dela um par de sandálias de verniz negro e salto altíssimo, e um cinturão metálico de chapas prateadas, reluzentes como moedas novas. O último item que retirou foi um pacote cor-de-rosa enfeitado com laçarote vermelho. Desfez o embrulho com mãos impacientes: era uma caixa quadrada com um leito de papel de seda tigrado. Ali jazia uma tira preta cravejada de strass, unida a uma corrente com alça de couro. Uma coleira para ela usar naquela noite.
Marisa estudou-a um longo momento sem tocá-la. Despiu-se, calçou as sandálias e prendeu o cinturão à volta do quadril. Só então retirou a coleira da caixa, sentindo a maciez do couro e o brilho duro do strass. Cheirava a coisa nova. Admirou-a com os olhos e a ponta dos dedos, pensou em seu significado e no que Marco faria com ela. Àquele pensamento corou, e o rubor desceu de seu rosto para seu peito para suas coxas. Marisa levou a coleira ao pescoço e travou o fecho em um gesto que traía fatalidade. Segurando a corrente com reverência, avançou em direção ao quarto.
Encontrou o aposento iluminado pela chama vacilante de uma dezena de velas, que se multiplicavam no espelho aos pés da cama, saturando o ar com uma fragrância de sândalo. Sobre a cabeceira de mogno pendia um quadro abstrato em tons de fogo. No criado-mudo, um cálice de porto quase vazio. Na cadeira ao lado, Marco — vestido de preto, pernas cruzadas, uma delicada chibata descansando sobre os joelhos.
Sua postura relaxada dominava o ambiente. Ele a contemplou em silêncio, a boca tocada por um sorriso quase imperceptível. Seu olhar acariciou a nudez dela com satisfação. Fixou-se na coleira, depois nos seios nevados e na corrente que faiscava. Buscou o rosto de Marisa. Olhos suaves e severos como o tempo.
Ela aproximou-se lentamente. À medida que avançava ia tornando-se mais flexível. Pronta para entregar-se completamente. Aquela noite. O salto alto fazia tique-taque no assoalho, os elos da corrente sussurravam baixinho a cada passo, o cinturão tilintava no suave gingar das ancas. Seu corpo criava música ao mover-se para ele.
As palavras não ditas, dele e dela, cortaram o ar.
Quero saber de cor o ritmo do seu coração. Quero beber de você até saciar essa sede que não me dá sossego, devorar seu corpo com a minha fome, virá-lo do avesso e do certo e do avesso de novo, deixar que o seu sangue e a sua alma me invadam, recuperar o tempo perdido de todos os dias e horas e minutos que vivi sem você, rasgar todas as couraças que guardam os seus tesouros, devassar a luz e as trevas, até o último recôndito… Quero saber de cor o ritmo do seu coração.
Marisa deteve-se diante de Marco e mirou-o bem fundo nos olhos. Estremeceu ante seu reflexo nas íris dele, estremeceu ao cruzar a fronteira do desconhecido, estremeceu pelo que estava prestes a dizer.
Suas pernas fraquejaram, o cinturão num murmúrio.
Entregou-lhe a corrente.
— Eu sou toda sua.
E baixou os olhos.
E o jogo os circundou com seus caprichos, um redemoinho invisível trazendo o perfume das velas, sombras em retalhos de pele, vozes e melodia, as tiras da chibata, mãos macias, uma gota de porto serpenteando até o umbigo. As horas rodaram e rodaram. Depois tudo se dispersou como névoa no vento, a vela apagada liberou um fio negro de fumaça, a música morreu e as vozes se aquietaram. Shhh...
Marisa ergueu os olhos.
No encontro seguinte, reinava o silêncio e um sorriso secreto nos lábios dela. Largou o casaco no sofá e, sentando-se no braço da poltrona, iniciou seus preparativos. Desfez a trança, ajeitou os cabelos com os dedos, sacou um estojo de maquiagem da bolsa. Aplicou nos olhos cores carregadas e nos lábios um batom vermelho (Fantasia no. 5, indelével). Por fim, calçou sandálias de salto alto com um movimento gracioso, aprumou-se e alisou seu vestidinho preto — um escândalo de pouco pano e muito decote.
Dessa vez, quando foi para o quarto, ela encontrou Marco estirado na cama. Com as costas apoiadas no travesseiro, molhava os lábios num cálice de porto e acendia um cigarro. Estava descalço, de jeans e camiseta branca, o rosto sombreado pela lâmpada fraca do abajur de cabeceira. Seus olhos escuros se acenderam ao percorrer o corpo dela.
A janela aberta acolhia a brisa e os ecos da noite. Carros, vozes, risadas distantes, por um momento isso foi tudo que se ouviu no quarto. Marco apagou o cigarro, e o último fio de fumaça espiralou até se dissolver no diáfano branco da cortina. Marisa sentou-se na beira da cama, cruzando as pernas de maneira provocante. Deu uma palmadinha no colchão.
— Vem cá — disse ela com voz de flauta.
E quando Marco chegou mais perto, Marisa afagou-lhe os cabelos e correu a ponta dos dedos nas costeletas finas. Flexionou a mão no peito dele, raspou as unhas vermelhas no algodão da camiseta e foi deslizando até descansar a mão na coxa dele. Mas não por muito tempo. Com o dedo indicador e o médio, caminhou até o cinto, acompanhando o cós da calça.
Ele arqueou a sobrancelha. Sorriu.
— O que você está fazendo?
— Shhh… — Marisa pressionou o indicador contra os lábios dele.
Atiçou Marco com meias carícias pelo corpo todo. Rodeou os quadris e concentrou-se na parte interna das coxas, os dedos resvalando muito de leve ali. Sem tocá-lo onde ele mais queria, mudou de curso e foi explorar o que havia por baixo da camiseta.
Marco puxou Marisa para si e acomodou-a no colo, aninhando-a contra o peito. As mãos fortes lhe rodearam a cintura. Uma ficou ali, enquanto a outra deslizava possessivamente pela coxa nua.
— Assim está melhor.
Marisa espalmou a mão em seu peito.
— Se quiser mais, vai ter que pagar.
Marco imobilizou-se um instante. Outro sorriso malicioso.
— Antes preciso saber mais sobre a qualidade do serviço.
— Eu garanto que é de primeira…
Ela lhe deu uma amostra. Ele lhe deu um maço de notas. Brincaram noite adentro.
VOCÊ ESTÁ LENDO
VERMELHO: Uma História de Amor
RomanceProfessor sedutor, tímida aluna: um jogo de gato e rato. O dado rola e muda tudo. Química da paixão. Bombons mágicos. Ao baile gótico, rápido! Esta é a história de amor da estudante de 18 anos Marisa e de seu professor, o brilhante Marco. Pincele t...