Parte 3: Vermelho 4 - Use flores no cabelo

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 “Miami. Nascida em 1896, é a única metrópole dos Estados Unidos fundada por uma mulher: Julia Tuttle. Quando uma geada castigou as plantações no norte da Flórida, ela enviou ao chefão da Standard Oil, Henry Flager, uma cesta de suculentas laranjas provenientes da área onde hoje fica Miami. Persuadiu-o, assim, a estender a estrada de ferro do centro do estado até ali, para criar um hotel de luxo e uma cidade. O nome de Miami derivou da tribo dos índios nativos daquela região ao redor do Lago Okeechobee, que eles chamavam de Mayaimi, ‘Grande Água’. A cidade tem o maior porto de navios de cruzeiro do globo, e muitos piratas, como Barba Negra, enterraram seus tesouros na área. Em terra firme, oferece mais de 800 parques, incluindo os pântanos do Everglades com seu ecossistema único. Sem contar um paradoxal clube de patinação no gelo. Já a ensolarada ilha de Miami Beach, onde nasceu o óleo de bronzear em 1944, reluz com a maior coleção de edifícios art déco do mundo. Eleita a melhor cidade dos Estados Unidos para encontrar um novo amor, Miami é…”

Valentina tentou arrancar-lhe a brochura, e Marisa segurou-a com ambas as mãos. Seguiu-se um breve cabo-de-guerra.

— Larga isso, Ma. Eu nem sei o que essa brochura ainda está fazendo nesta história. É melhor você se livrar logo dela.

— Mas eu gosto de Miami — choramingou Marisa, embaralhando uma careta e um sorriso. — É tudo culpa sua! Você encheu a minha cabeça de sonhos com South Beach, o museu do sexo…

— Esquece. Quem sabe, na próxima história, mas nesta todos os cursos em Miami estão lotados.

As duas soltaram a brochura ao mesmo tempo. Ela planou suavemente, oscilando à direita e à esquerda até pousar no tapete com um discreto ahh.

— Por que minha mãe precisava ser tão eficiente e achar uma promoção daquelas? — Marisa atirou as mãos para o alto. — A gente nunca vai encontrar um curso pelo mesmo valor em outra escola. Tudo custa quase o dobro!

— Pois é, sua mãe falou com a minha e as duas bateram o pé que a gente tem que encontrar alguma coisa na mesma faixa de preço. Que droga.

— Imagina que minha mãe deu a ideia da gente ir para o Disneyworld se nenhum outro curso der certo… — A indignação transtornou cada fibra do rosto de Marisa.

— Eu sei. Que proposta indecente. Minha mãe me sugeriu a mesma coisa depois que as duas ficaram mais de uma hora penduradas no telefone — disse Valentina. — Eu gostava mais quando elas não se falavam.

A amiga tinha ido ao apartamento de Marisa para decidirem como amansar A Crise das Férias. Apoderara-se do notebook de Marisa e, logada no site da escola, analisava as opções disponíveis. Orlando, a capital mundial dos parques temáticos… Não. Fort Lauderdale, a “Veneza da América”, paraíso dos velejadores com seu intrincado sistema de canais e mais de cem marinas… Não. Tampa, sede da Convenção Nacional do Partido Republicano em 2012… Não, não.

Fazia duas horas que tentavam encontrar algo. Valentina, como sempre, não se dava por vencida e tornava a avaliar as filiais da escola. Jacksonville, importante polo turístico para a prática de golfe… Não. Saint Petersburg, a “Cidade do Sol”, localidade com média de 360 dias ensolarados ao ano… Sim, oba! … e refúgio de aposentados… Não, droga. Assim não era possível. Tinha que haver uma alternativa. Valentina releu furiosamente a longa lista de cursos.

Marisa, sentada a seu lado num banco de armar, apoiava o queixo na mão e o cotovelo na escrivaninha com ar de profundo tédio e melancolia. Com a mão livre, tentava arrancar um fio solto na blusa. Seu rosto iluminou-se de repente: por que não tentavam aquele link para cursos em outros estados? Podiam trocar as passagens de avião ou, em último caso, ir até Miami e de lá tomar um voo doméstico para outra cidade. Sempre tinha passagens de última hora em oferta. Valentina animou-se também — finalmente surgia uma luz no fim do tenebroso túnel do Disneyworld.

E, a essa luz, a situação não tardou a mostrar-se mais favorável: Seattle, Boston, Nova York, Dallas, Atlanta, São Francisco, Los Angeles. Feita a triagem, as eleitas foram Los Angeles, Nova York e São Francisco, nessa ordem. Nas duas primeiras cidades, entretanto, os cursos já estavam com as vagas esgotadas. Restou São Francisco. Ao lado do nome do curso que se iniciava em 8 de julho, um link em letras vermelhas alertava: últimas vagas, inscreva-se já! As duas amigas se entreolharam e clicaram.

Abre-te, sésamo: e a porta do paraíso se abriu…

Mais tarde, saíram para celebrar num bar dos arredores, bebendo e tagarelando como Ali Babá devia ter feito na festa do sultão. A Crise das Férias tinha sido solucionada! Que sorte, que alívio! Miami, suas praias e seus esportes aquáticos ficaram para trás. Agora, o que interessava era a metrópole da Costa Oeste, expoente do movimento verde e terra natal da banda independente LoveLikeFire (What happened to you, la-la-la-lah). Exultantes com sua escolha, ligaram o tablet de Marisa e leram a página de um conhecido portal de turismo:

São Francisco. Fundada em 1835, a cidade foi originalmente batizada Yerba Buena devido à presença da menta-selvagem, ou ‘erva boa’, em seu território. É um dos destinos turísticos mais visitados do mundo, com o sobe-e-desce dos emblemáticos bondes no tobogã de suas ladeiras, as pitorescas casas vitorianas e a neblina trazida pelo Oceano Pacífico, que banha a maior parte da cidade. Seu cartão postal é a Golden Gate Bridge, com quase 3 km de extensão, ponte tão longa que sua pintura nunca acaba: quando se termina de pintá-la, já é hora de recomeçar o processo de restauro no ponto inicial. No século XIX, São Francisco foi palco da Corrida do Ouro e atraiu muitos imigrantes chineses para trabalhar nas minas auríferas da região. A cidade foi, assim, o berço do denim jeans e dos biscoitinhos da sorte chineses — estes, aliás, introduzidos por um japonês. Em São Francisco floresceu a contracultura dos beatniks nos anos 1950 e dos hippies nos anos 1960. Hoje, espraiada ao longo de 43 colinas, esta cidade progressistas acolhe a diversidade cultural, tecnologia, arte, ecologia e liberdade de costumes.”

— Maravilha! — exclamaram as duas amigas em uníssono.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora