Parte 3: Vermelho 7 - A feira de fetiches I

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Debaixo de um céu ensolarado, a mosca voava para cá e para lá na ruela deserta. Bzzz, bzzz... Para sua felicidade, encontrou um banquete de sobras de pizza numa lixeira que transbordava. E mais: um copo meio cheio de refrigerante para acompanhar. Bzzz-bzz-bzzz-bzzzzzz! Enquanto se fartava de pepperoni e queijo amanhecido, a mosca viu dois guardas rodoviários tocando a campainha da casa dos Stevensons do outro lado da rua. Usavam uniforme de couro preto e seus olhos se ocultavam detrás de óculos espelhados. Por um momento, a mosca achou que eles pareciam insetos também, só que bem grandes. Aí deu de ombros e continuou o almoço.

Marisa atendeu à porta e teve um sobressalto ao deparar com os dois homens. Um deles, de cabelos castanhos e cavanhaque, manteve-se a uma discreta distância. O outro, loiro e mais alto, deu um passo à frente e puxou os óculos ligeiramente para encará-la com uns olhos azuis e incisivos. Depois de confirmar que Marisa era "Ms. Constant", informou que ela havia cometido uma série de infrações de trânsito.

Marisa começou a sorrir enquanto franzia a testa com perplexidade. Talvez não tivesse entendido direito o inglês dele. Abriu a boca, tornou a fechá-la e por fim argumentou:

- Mas eu nem tenho carro...

O homem consultou um bloquinho de notas, virando as páginas para a frente, para trás e para a frente de novo. O ceticismo estampou-se em seu rosto.

- Não é o que consta aqui... Direção perigosa... desobediência à autoridade de trânsito... transporte de dois gatos siameses fora da caixa apropriada... direção perigosa sob efeito de álcool... - Ele interrompeu-se, mais severo do que nunca: - Você tem maioridade legal para consumir álcool, correto? - E como Marisa concordasse vigorosamente, ele continuou: - Você não cometeu apenas uma, mas várias violações. Sabe quais são as penalidades?

- Ã... não.

- Tem certeza? - ele insistiu em tom militar. - Você não sabe mesmo quais são as penalidades?

Como Marisa balançasse a cabeça, o guarda fez uma pausa significativa. Seu rosto crispou-se de reprovação, sua boca lançou um suspiro exasperado. Aí ele sentenciou:

- Dez palmadas e doze meses de serviço comunitário lavando, passando e cozinhando lá em casa.

Manteve o ar sério por um momento, depois caiu na gargalhada com um rosto de anjo e um sorriso perversamente sedutor. Estendeu a mão enluvada para Marisa e apresentou-se como Brian. Seu companheiro, Richard, cumprimentou-a em seguida, colocando os óculos na cabeça para revelar um par de olhos verdes.

Marisa riu também. Sabia que aquela história não colava, mas reconheceu que ele tinha sido convincente. Brian se deliciou: era ator. Nesse meio tempo Valentina emergiu de dentro de um BMW vermelho de capota abaixada, parado na esquina, e acenou para ela. Marisa acompanhou os anfitriões de Valentina e sentou-se ao lado da amiga no banco de trás. Ficou aliviada ao ver que ela estava de bermuda preta e camiseta.

- Ainda bem que você não veio vestida a caráter, senão eu ia ter que trocar de roupa - disse, indicando sua minissaia jeans e blusa rosa onde se lia Bodies are made for love sobre uma grande marca de batom.

- Relaxa. - Valentina deu-lhe um tapinha no ombro. - Tem de tudo na feira.

Logo chegaram. E então um estranho mundo se descortinou diante se seus olhos no South of Market, em meio a um burburinho de estandes, shows de música e arenas de flagelação pública. Ao transpor as barreiras da Leather Dream Fair, Valentina e Marisa tiveram a impressão de entrar num conto de fadas de um universo paralelo. Seus personagens incluíam soldados romanos, freiras drag queen, divas dos anos trinta e caubóis de fio-dental e perneira de couro com as nádegas brancas à mostra.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora