Parte 3: Vermelho 17 - Duas naus singrando a noite

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As cortinas permaneciam fechadas, afastando a tarde cinza. Mas ali dentro estava cinza também. E as listras verticais do papel de parede desenhavam as barras de uma cela de prisão. A prisão da sua própria angústia, pensou Marisa enquanto ouvia Marco falar ao telefone. Observou-o pelo canto do olho, tentando adivinhar a emoção que o movia. Ele, no entanto, estava tenso e murmurava apenas monossílabos. Do outro lado, Yarina parecia narrar suas peripécias com uma amiga no banheiro do Devil's Lair até a polícia socorrê-las.

Por fim ela fez uma pergunta e Marco fez uma pausa.

- Vi sua mensagem, sim, mas não tive oportunidade de responder... Claro, claro... Não se preocupe, está tudo bem. - Ele balançou a cabeça enquanto ela dizia algo. - Hoje à noite não posso. Prometi ajudar um amigo a arrumar o apartamento dele.

Yarina recomeçou a falar e Marco retomou os monossílabos.

Marisa se consumia. Sentou-se à mesa e fingiu ler uma brochura com as atrações de São Francisco e um milhão de anúncios. A Golden Gate Bridge, um espetáculo burlesco em Fort Mason, restaurantes, agências de turismo, anéis de brilhante. Fotografias coloridas desfilavam diante de seus olhos, enquanto suas mãos dormentes viravam as páginas e ela questionava o que Marco teria a lhe contar. Talvez estivesse envolvido com Yarina? Que pergunta boba. Evidente que estava. Marisa havia percebido o jeito como os dois se olhavam. Como Yarina o tocava. Indagou-se onde os dois se conheceram, há quanto tempo...

Bip. Suas conjeturas foram interrompidas quando Marco se despediu e desligou o aparelho.

Por mais que Marisa se consumisse, quando Marco se virou para fitá-la, ela sentiu medo daquele momento. Era um poço negro sugando as cores até transformar tudo em escuridão. Como seria perder o amor dele pela segunda vez? Teoricamente, estaria mais forte agora. Mas estaria mesmo? O peso em seu coração era insuportável. Havia encontrado, perdido e reencontrado Marco. No reencontro, viera-lhe a certeza do amor que a unia a ele. O amor que, dentro de um minuto, perderia de novo. Marisa sentia isso em seu coração e na maneira como Marco a encarava. Ela não queria acreditar, podia se iludir mas não havia como negar - o olhar dele era de despedida. Tomando coragem, Marisa perguntou-lhe o que tinha a dizer. Marco pediu que sentasse a seu lado e esperou que ela se acomodasse.

- Mari, - começou numa voz contida - eu não posso ver você.

- Não pode ou não quer? - Marisa crispou as mãos no colo. - Você está se relacionando com essa Yarina, é isso? Por que não me deixou em paz então? Antes já foi difícil, e agora... - Ela não viu sentido em continuar e se calou.

Marco sabia que era responsável pela dor que viu no olhar de Marisa, e a dor tornou-se sua também. Por um instante, desejou nunca tê-la reencontrado. Para nunca ver aquele olhar.

Balançou a cabeça.

- Ela é só uma conhecida e eu provavelmente nunca mais vou encontrá-la. Nem sei o que dizer. Claro que eu adoraria ver você de novo. Só que não vou voltar para o Brasil. Pelo menos, não ainda.

- Você pretende estender suas férias?

- Também não. - Ele desviou o olhar, como se buscasse as palavras, e tornou a encará-la. - Eu tenho uma reunião de trabalho em Toronto.

Marisa levou alguns segundos para assimilar as implicações do que Marco acabara de dizer. Esperava qualquer coisa, menos isso. Ele nunca havia manifestado interesse pelo Canadá. A notícia a perturbou de tal modo, que Marisa se desconectou, como se aquilo não estivesse acontecendo com ela e fosse apenas uma espectadora. Assistiu à sua própria incredulidade enquanto Marco admitia o quanto ficara surpreso com aquela reviravolta. No primeiro dia do congresso, tinha conhecido o diretor de uma conceituada escola de Toronto. Precisavam de um coordenador pedagógico com urgência, e suas entrevistas preliminares com o diretor e depois por videoconferência correram muito bem. Assim, remarcou sua passagem e, antes de retornar ao Brasil, viajaria a Toronto para conhecer a escola e discutir o contrato.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora