SÉTIMO

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"Você deveria saber, minha querida, que não costumo abrir mão dos meus tesouros. E você é o mais preciosos do que eu já ousei encontrar" a sua voz rouca soou pela cela e a donzela soube que nada que ele dissesse seria tão verdadeiro quanto isso.



Eu estava quase certa de que mau humor era transmissível pela saliva.

Afinal, apenas isso explicaria a minha expressão azeda, sentada diante de uma xícara de chá e meu caderno, enquanto riscava pela terceira vez seguida a mesma frase. Não era um caso de falta de inspiração, ao que parecia. Eu tinha todo o enredo do livro finalmente definido e algumas cenas já até esboçadas, ajudadas pela inspiração que parecia sempre me acometer de madrugada, depois de conseguir dormir por breves intervalos.

Era comum, agora, ver-me debruçada sobre canetas, marcadores e páginas avulsas, escrevendo cenas sobre o meu corsário malvado e sedutor, criando cenas de paixão tórrida onde meu personagem era irônico, rude e temível, bem parecido com o homem real que o havia inspirado.

No entanto, por mais que meu trabalho estivesse mais adiantado do que eu esperava, eu ainda não conseguia transformar meus rascunhos em um início de livro e a cada tentativa, eu me via mais e mais frustrada, o que acabava por agravar terrivelmente meu mau humor.

A frustração se mostrava tamanha que eu estava chegando ao cúmulo de ser rude até mesmo com Peter, dando-lhe respostas irônicas e cínicas para perguntas que tinham o simples intuito de manter uma conversação agradável. E isso me deixava ainda pior: sentir que eu estava me tornando o oposto do que uma dama deveria ser.

E ainda haviam os sonhos.

A cada noite eles pareciam mais reais. O corsário, aquele pirata de roupas negras e lenço vermelho parecia ter se tornado presença constante em meu imaginário a cada vez que eu caia no sono. Os sonhos eram variados, porém no último deles, o que estava vívido em minha mente, eu estava amarrada contra um mastro, no convés, sentindo os respingos frios e salgados do mar me atingirem de tempos em tempos enquanto os dedos suaves do meu fantasioso pirata tocavam meu rosto, lábios e colo com calma, provocando reações boas demais para terem sido evocadas por alguém tão mau quanto ele.

Para tornar tudo ainda mais intolerável, eu ainda tinha que lidar com a presença das asas em meus sonhos, sempre tatuadas nas costas do corsário, geralmente vistas quando ele tirava as suas camisas de mangas bufantes diante de mim, em meus sonhos reproduzindo um papel de donzela indefesa, rendida por aquele homem tão cruel.

Era como se meus dias não estivessem terríveis o suficiente, eu tinha que perder a paz também à noite, no único momento suposto para meu descanso. Eu estava péssima, com olheiras, cansada, mal humorada, impaciente e outros diversos adjetivos que não faziam minha condição parecer nem um pouco boa.

Joguei o caderno para o lado, irritada e tomei um gole do meu chá, tendo minha irritação potencializada ao descobrir que este estava frio. O céu estava escurecendo, o que impediria que eu ficasse do lado de fora por mais tempo e isso, inexplicavelmente, fez meu humor ficar ainda pior. O que mais poderia dar errado?

Aparentemente, a pergunta não deveria ser apenas uma pergunta retórica lançada ao destino. Afinal, de que outra forma interpretar, senão como uma resposta, a presença de Theodore Newman diante de minha varanda?

Agora eu compreendia porque nos antigos filmes de faroeste, os donos da casa se sentavam na varanda com a companhia de uma espingarda, sem receio de atirar contra visitantes indesejados. Invejei-os, inclusive. Afinal, naquele momento, eu não poderia causar muito dano em Theodore com um caderno, uma xícara de chá ou uma caneta. Não diante da distância em que eu me encontrava e, nem em sonhos eu me aproximaria daquele homem novamente. Nem sequer para tentar assassiná-lo.

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