DÉCIMO QUINTO

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As âncoras foram jogadas no mar e os marujos se retiraram uma vez que deram seus serviços por concluídos. Nenhum deles gostaria de estar por perto quando aquilo terminasse, ainda que todos eles já houvessem separado um esconderijo para assistir aquilo de camarote. "Devo agradecer-lhe por deixar-me no mesmo porto de onde retirou-me?", perguntou, fazendo a sua voz doce e angelical ecoar por todo o convés. Em nenhum momento seus olhos se prenderam aos do Corsário Negro. Não queria dar-lhe o prazer de saber o quanto a estava machucando. "Vá, apenas vá". A Dama não esperou que ele a expulsasse uma segunda vez. Segurando suas saias, agora encardidas, ergueu a cabeça com toda a dignidade de que era capaz e saiu através da prancha, alcançando o piso seguro do porto, sem olhar para trás. Sem encarar o homem que havia cativado o seu coração e possuído seu corpo. O mesmo homem que a deixava em um porto, como fizera com todas as outras.


Segurei o maço de folhas encadernadas com um pouco mais de força enquanto encarava um dos barmans dali, pedindo para que eu pudesse falar com Theodore Newman.

Ainda que tudo fosse familiar, era estranhamente novo.

Aquele era o mesmo bar onde eu havia conhecido Theodore, no início acreditando que ele fosse seu irmão gêmeo, levando-nos a um acordo completamente inesperado e todos os outros eventos que haviam mudado, definitivamente, o rumo de minha vida.

O homem de cabelos louros cortados em um moicano que desafiava as leis da gravidade assentiu e foi em direção a uma área reservada para chamar o homem a quem eu procurava. E que não havia sido nada fácil de achar.

Meus olhos se voltaram para o lado de fora do bar onde o carro de Peter ainda estava parado. Ele tinha certeza de que daria tudo certo, porém, havia algo dentro de mim que ainda estava assustado demais para acreditar que poderia dar tudo certo.

Apoiei-me no balcão enquanto aguardava e voltei a apertar os papéis em minha mão. Finalmente ele estava ali. O meu livro finalmente havia sido finalizado, com todas as cenas quentes e eróticas de que a editora necessitava e todas as confissões que meu coração angustiado precisava fazer. A história era simples, as descrições, minunciosas, entretanto, ainda que fosse a primeira vez que eu escrevia algo como aquilo, garantia do fundo de meu coração que era a minha obra preferida. Não sabia precisar se por todas as etapas da pesquisa para a sua criação ou se pelo seu enredo ser tão perto da realidade apesar de ficcional. Tudo o que eu sabia era que havia queimado a minha língua.

O livro que eu mais me recusara a escrever, era o que eu mais havia apreciado.

Após sair da casa de Theodore naquela noite, eu havia me trancado imediatamente em meu escritório, escrevendo loucamente a cena que tanto faltava e revisando todas as demais, acrescentando detalhes que eu considerava importantes. Se eu faria àquilo como uma ode à Theodore, que eu o fizesse direito. A manhã havia chego, a tarde havia passado e até mesmo o início da noite já dera os seus sinais, quando eu finalmente me dera por vencida e apertava o pequeno ícone de uma impressora no topo de minha tela, deixando que as páginas fossem impressas em folhas de papel alvo.

Enquanto o contínuo som da impressora ecoava pelo escritório, apoiei a cabeça em minha cadeira, repensando os últimos acontecimentos. Era certo que a noite anterior havia sido a melhor de toda a minha vida e que, apesar de não haver ouvido nenhuma palavra de Theodore que me fizesse pensar que haveria alguma chance de acontecer alguma coisa a mais entre nós, eu não poderia continuar correndo para sempre. Finalmente eu havia encontrado algo que me fazia querer parar de esconder-me.

Eu tinha de admitir para mim mesma que jamais conseguiria viver como anteriormente. Eu havia visto a luz, não haviam mais sombras. Não havia mais aquela garota que acreditava que as interações pessoais humanas eram uma bobagem, aquela moça sisuda que achava que os amores como retratados nos romances de Jane Austen eram os únicos amores válidos. Eu precisara viver o amor mais insano e intenso possível para mudar de ideia.

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