FAMÍLIA

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"Os filhos, quer nascidos ou não da relação matrimonial, quer havidos por adoção, terão os mesmo direitos e as mesmas qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação."


Ali era exatamente onde eu deveria estar.

Afinal, Pete estiver ao meu lado quando eu decidira escrever meu primeiro livro, e estiver lá também em seu lançamento. Estivera comigo em todos os momentos bons e ruins. Estivera comigo quando eu conhecera Theo, quando eu me casara, quando Jane nascera e demonstrou toda a sua felicidade por estar lá, comigo, quando segurou-a em seus braços no dia de seu batismo.

Portanto, eu deveria estar ali, sim. Segurando a sua mão enquanto estávamos sentados na sala de espera, observando as paredes claras enquanto dentro de nós, a ansiedade carcomia nossos corações.

Nate estendeu a mão para seu marido e os dois respiraram fundo, encarando-se com carinho. Aquele era, sem dúvida, o momento mais importante da vida deles como um casal. A cerimônia na prefeitura, onde assinaram seus nomes um do lado do outro em uma certidão fora sublime. Importante além das medidas, com toda a certeza. Mas não se comparava àquele momento.

No canto da sala, perto do bebedouro, Jane e Theo brincavam e sussurravam e apenas por vê-los, senti meu coração bater mais forte. Eu sempre escrevera sobre amor, sobre como aquele sentimento arrebatava e transformava, mas apenas quando conheci Theo, percebi a real dimensão da palavra "amor". E isso se expandiu ainda mais quando segurei minha pequena Jane nos braços pela primeira vez, notando que ela tinha os lábios finos do pai e os seus cabelos fartos. Porém, acima de tudo, senti que nada poderia ser mais perfeito quando Jane sorriu para nós, ainda em meu colo, recém nascida, olhando para Theo e eu com o mesmo amor com que olhávamos para ela.

Os dedos de Pete apertaram os meus novamente e eu os acariciei, deixando claro que, independente do que fosse, eu estaria ali. Como estivera quando decidira se revelar homossexual aos seus pais, como eu estivera em seu casamento. Não havia o que temer, tudo daria certo.

Estávamos juntos. Eu, Theo, Nate e Pete. Quando o elo era tão profundo quanto o nosso, quando o amor era tão intrínseco, não havia do que se duvidar.

E como se para comprovar minhas palavras, a enorme e amadeirada porta dupla finalmente se abriu. De lá surgiu a Sra. Worthington, uma gentil senhora de cabelos grisalhos que usava um terninho azul muito bonito. Nós havíamos nos identificado de pronto e segundo o meu educado esposo, isso se devia ao fato de que "éramos metidas a aristocratas bebedoras de chá", segundo suas próprias palavras. O que não me incomodou, uma vez que já estava mais do que acostumada com o fato de que eu e Theodore possuíamos mais diferenças do que semelhanças, embora brigássemos com uma frequência assustadora, nos perdoávamos quase no mesmo instante. Eram nossas divergências que nos faziam tão interessantes um ao outro e o amor indescritível que sentíamos um pelo outro fazia com que tudo fosse compensado. Cada comentário ácido, cada provocação e cada beijo arrebatador.

A porta abriu-se um pouco mais e a Sra. Worthington estendeu a mão, avisando a quem estava do outro lado que este poderia vir. Todos nós nos levantamos, ao mesmo tempo, sentindo a ansiedade e a emoção nublar nossos olhos identicamente.

Benjamin estava chegando. A nossa família estava pronta para aumentar.

Theo aproximou-se, colocando o braço ao redor dos meus ombros e eu respirei fundo, sabendo que ele estava tão nervoso e emocionado quanto eu mesma. O seu irmão gêmeo, uma das pessoas mais importantes para ele, a razão de suas asas, estava prestes a viver o momento mais glorioso de sua vida. Um que o próprio Theo já vivera, de uma maneira diferente, mas ainda assim, com a mesma intensidade.

As mãos da senhora colocaram-se no ombro do pequeno garoto e uma lágrima escorreu de meu olhar ao ver o seu sorriso gigantesco. Era um momento da vida dele, assim como era o da nossa.

Nate abriu os braços e, como em uma cena de filme, o menininho de cabelos claros e olhos verdes e curiosos correu para o abraço de seu novo pai. Sem reservas, sem o menor receio por sua nova família ser formada por dois pais. Ele tinha uma família agora e isso era tudo o que importava. Eram dois pais, sim, mas dois homens que fizeram de tudo para que aquele momento pudesse acontecer, que enfrentaram a justiça, os julgamentos dos pais de Pete e todos os comentários homofóbicos que poderiam impedi-los de viver aquele momento.

Todavia, não desistiram.

Eles tinham a nós para os levar em frente, para os lembrar de como era recompensador ser forte. E era por isso que estávamos ali agora, para recordá-los disso.

Peter e Nathan abraçavam o garoto com força, dividindo-se em sorrisos e lágrimas, aproveitando o momento mais maravilhoso de todos. O momento em que constituíram a sua própria família.

Quando finalmente afastaram-se, os três viraram-se para nós com sorrisos idênticos e reluzentes, bem como as faces úmidas de emoção.

- Essa é nossa família. – apresentou Pete – Tia Jess, Tio Theo e a pequena Jane.

- Você é igualzinho ao papai. – riu Benjamin e isso fez com que o sempre impassível Theodore Newman se visse ajoelhado diante do garoto louro e o abraçasse com todo o carinho que havia dentro de si. Ele era igualzinho ao seu irmão em diversas coisas, sim. Especialmente na quantidade de amor que guardavam dentro de si.

Naquele momento, eu soube que todo o cuidado que Theodore sempre dispensara a Nathaniel, seria transferido também para aquele novo sobrinho. Ele o protegeria com toda a sua força, o abrigaria debaixo de suas asas e jamais deixaria que ele se sentisse sozinho novamente. Os dias de lágrimas haviam acabado, as lutas haviam sido vencidas.

- Bem vindo à família Newman, Ben.

Seguindo Theo, também me abaixei, estendendo minha mão para Ben, como ele passaria a ser chamado, e fui surpreendida quando o pequeno de cinco anos se jogou nos meus braços, como Nate e Pete fariam, fazendo com que eu risse alto e permitindo assim que eu soubesse que nenhum dos três poderiam ter feito escolha melhor. O destino que os havia unido, o havia feito da maneira mais perfeita.

E então era a vez de Jane apresentar-se ao primo que tinha apenas um ano a mais que ela. O rosto dos dois ficou rubro e quando abraçaram-se, ficaram bem colados, apreciando o carinho antes de se separarem com sorrisos envergonhados. Ergui os olhos para Pete que sorriu, vendo o mesmo que eu havia visto e percebendo que talvez o destino tivesse mais planos do que havíamos imaginado. Afinal, de que outra forma eu encontraria Theo quando procurava por Nate, ou como Nate e Pete teriam se encontrado, se não fosse para ser dessa exata maneira?

Abraçada à meu marido, que carregava nossa filha em seus braços fortes, andei ao lado de Theo para fora do Abrigo, atrás de Nate e Pete que seguravam a mão de seu filho de uma maneira que conseguia, por mais singelo que fosse o ato, expressar todo o seu amor e felicidade por possuírem o que sempre desejaram: uma família.

E eu não poderia estar mais feliz por fazer parte dela.

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