Capítulo I - O Último

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Era difícil ser o último. Ele não gostava.

Era assim há quase dez anos, e teve que se acostumar com isso. Seu pai tinha morrido há mais de duzentos anos, e ele fora o último que Anton conhecera. Soube que o derradeiro de sua espécie havia morrido na Suécia. Todavia, Anton estava sozinho há mais de dois séculos. De alguns poucos anos pra cá, as coisas foram piorando. Ele foi se sentindo cada vez mais solitário, cada vez mais abandonado.

Era o ano de 1873, e Anton Brogger vivia na Noruega. Tinha nascido lá, naquele mesmo castelo onde estava agora. Na época em que era criança, o castelo era cheio e movimentado. Agora, no entanto, era vazio e empoeirado. Todos morreram. Menos ele.

Sentia como se aquele castelo fosse parte de si. Tantas coisas foram vividas lá, tantos amores amados e tantas perdas sofridas. No fim das contas, as perdas foram altas demais, e Anton as sentia todos os dias. A solidão estava começando a corroê-lo, e a tristeza estava passando a ocupar seu coração.

Todos foram morrendo, um a um.

No princípio, Anton pensou que fossem apenas uns caçadores, mas aos poucos foi notando que estava tendo mortes demais.

Os caçadores sempre existiram, e seu trabalho sempre fora isolado. Sempre demoravam a matar um da espécie de Anton. Entretanto no fim, sempre conseguiam, de um modo ou de outro. Nem sempre quem matava era quem tinha iniciado a caçada, normalmente muitos humanos morriam na aventura. Anton não se importava, os humanos eram numerosos, e isso assegurava suas vitórias.

Já os vampiros sempre foram em menor número. Sempre foram caçados, e sempre foram mortos.

Todo o processo de extermínio demorou algum tempo... alguns séculos. Contudo o resultado havia sido satisfatório. Todos os vampiros mortos, menos um.

Muitos não sabiam de existência de Anton, já outros sabiam, e não se importavam. O que o velho vampiro podia fazer a eles? No máximo matar um ou outro de vez em quando. Definitivamente não era motivo de preocupação.

Anton gostava disso, eles o deixavam em paz.

Às vezes os homens de Bukesker bebiam além da conta, e o espírito heróico tomava conta deles. Então subiam as colinas e chegavam às portas do castelo de Anton. Batiam no grande portão com toras de madeira, mas nada adiantava. Depois eles davam alguns tiros para cima e iam embora; uns resmungando que o vampiro era covarde e outros dizendo que ele tinha partido ou morrido. Era engraçado vê-los voltando pela trilha, trôpegos e com as pistolas nas mãos.

Anton só não acabava com aquele vilarejo deplorável porque não gostava mais disso. A matança nunca fora parte de seus hábitos; já dos hábitos de Haakon...

Conhecera muitos vampiros no passado, e conheceu de todos os tipos, mas Haakon era o pior de todos. Matar era fácil para ele. Desse antigo companheiro, Anton não sentia saudades.

Eles tinham sido amigos. Tinham...

Tudo que Anton conhecia ficou no passado. Vivia de lembranças. Lembranças de toda espécie, tudo lhe vinha à mente às vezes, e ele ficava parado, se deliciando com o longo passado que tivera. No passado estão as melhores - e piores - coisas de minha vida, no passado está tudo. Pensou.

O presente era algo que abominava.

Estava cansado, e estava triste. Anton não sentia mais vontade de permanecer ali, naquele mundo solitário no qual vivia. A eternidade era longa demais.

Lembrou-se de um dia na sua infância, quando estava no meio de uma floresta com seu pai. Anton era muito jovem, mesmo assim lembrava que seu pai era grandioso e seguro. Uma segurança que Anton achava difícil de encontrar hoje em dia. Ele próprio não tinha nem metade da segurança de seu pai.

O Inverno de AntonOnde histórias criam vida. Descubra agora