Epílogo - Eternidade

17 5 3
                                    

O corpo tinha queimado em uma fogueira, e a cabeça em outra.

Assim era o funeral dos vampiros, e Thomas deu o funeral correto para Anton. Apesar dele ser odioso, todo vampiro merecia um funeral decente.

Ainda era noite, e assim que Thomas arrancou a cabeça de Anton, ele a queimou. A fumaça tinha sido escondida pela noite, e isso não causaria perguntas em Austmark.

Tinha conseguido. O trabalho estava completo. O vampiro estava morto.

Tinha chegado com Dennis, e havia largado o velho em uma hospedaria. Thomas saiu à caça, apenas com seu machado e sua espingarda. Não queria dar chance ao vampiro, e foi exatamente isso que fez. Chegou atirando, sem questionar ou tripudiar. O tiro acertou no coração, e o vampiro estava derrotado.

Thomas se levantou e pegou seu machado que estava sujo de sangue seco. Teria que lavá-lo.

Entrou novamente na cabana, pelos fundos, por onde tinha saído para o funeral.

- Mãe! – ele chamou em meio a fumaça dos feitiços de Marienne.

- Estou aqui – a vampira respondeu.

Ela estava limpando o sangue no chão. O sangue de Anton.

- Você sabe que eu não gosto de sangue na minha casa – ela o repreendeu.

- Não teve outro jeito – Thomas se sentou em uma das cadeiras, e xingou ao ver que tinha sentado sobre uma mancha de sangue. – Agora tudo está acabado. O maldito morreu.

Marienne não disse nada, apenas concordou com a cabeça.

- Seu pai ficaria orgulhoso de você, meu filho – ela disse por fim, ainda limpando o chão.

O pai dele ficaria orgulhoso. O pai que ele nunca conhecera, pois Anton o tinha matado. Haakon tinha morrido, e nem ao menos viu a barriga de Marienne crescer. Thomas sentia-se vingado, mesmo nunca tendo visto o pai.

Thomas era filho de um vampiro da sexta geração, portanto ele era da sétima, e tinha o místico poder de andar sob o sol. Era uma verdadeira dádiva poder se passar por humano. As coisas ficavam bem mais fáceis. As portas se abriam. Thomas tinha mais de trezentos anos, e podia se passar por um humano de trinta.

- Eu vi você chegando – Marienne disse. - Você estava com um velho. Um velho sem braço.

- É o Dennis. Um amigo. O qual você arrancou o braço. Lembra-se?

- Como poderia me esquecer? O velho patife entrou na minha casa, cheirando a cerveja, com uma espada na mão... – Ela fez um movimento, descartando o assunto. - O velho sabe que você é vampiro?

- Optei por não contar – disse ele simplesmente.

- Então como sobreviveu?

- Comia lebres pela manhã, enquanto ele ainda dormia – Thomas fez uma careta. – Foi horrível. Preciso de um humano, urgente. De uma moça, de preferência.

- Por que não tomou o sangue do velho?

- Eu pensei nisso, mas depois me apeguei a ele. – Thomas deu de ombros.

Sempre vivera com a mãe, mas após crescer, quis tentar a vida por conta própria, por mais que Marienne lhe dissesse que o mundo era um lugar perigoso. Ele sempre perguntava acerca do pai, e sua mãe todas as vezes desconversava, o deixando frustrado.

Há dez anos ela finalmente contou. Disse que o pai tinha sido assassinado por um vampiro chamado Anton. O último da Noruega na época. Thomas perguntou onde ele estava, e ela disse que devia estar perdido no mundo. Thomas decidiu matá-lo assim que soube que o pai tinha sido assassinado. O que Haakon tinha feito não tinha a mínima importância. A única coisa que importava para Thomas, era que um vampiro de nome Anton tinha lhe privado o pai, e ele pagaria por isso.

Sabia de três vampiros que viviam na Suécia, local onde o próprio morava. Matou os três, para aprender como se matava vampiros. Queria conhecer os truques, queria saber como eles se defendiam diante de um caçador.

Mentiu para Dennis. Disse que tinha matado cinco, quando haviam sido apenas três.

De um dia para outro, Thomas ficara sabendo da existência de um vampiro na Noruega, pela ex-esposa de Dennis, e então soube que era Anton. Mandou um mensageiro contando tudo a sua mãe, e partiu para Bukesker.

Agora, olhando para Marienne, que estava estranhamente abatida, chegou à conclusão de que ela devia saber todo tempo onde Anton morava, mas não sabia se o queria morto. Não contar para Anton que era mãe de um vampiro sedento por vingança deve ter sido uma decisão difícil para ela. Contudo, no fim, ela deve ter pensado que o certo era a morte de Anton. Por essa razão o enrolou por dias, pois sabia que o filho estava a caminho. Ela devia ter sofrido; agora ele via.

O nome verdadeiro de Thomas era Thomas Nygaard. Teve que mudar o nome, caso Anton descobrisse que alguém com o sobrenome de Haakon o estava perseguindo. Se esse fosse o caso, ele com certeza tomaria alguma providência.

Thomas estava feliz. Seu humor estava ótimo. Ele se sentia realizado. Anton estava morto e queimado, como devia ser.

Pensou um pouco em toda a sua motivação, e a achou pequena. Nem ao menos tinha conhecido seu pai. Mesmo assim algo o impelia para frente, uma força maior do que ele. Algo inexplicável o empurrava. Desde o momento que soube que o pai tinha sido assassinado, algo novo nasceu em seu interior, e ficou guardado por dez anos.

Agora nada disso importava. O serviço estava feito, e ele sentia-se leve outra fez. Sentia-se puro como não se sentia há dez anos.

Deixou sua mãe limpando a sujeira na pequena cabana, e saiu para fora.

Chegou perto dos restos da fogueira, e ficou contemplando-a.

Ali estava outro ser de sua raça.

Lembrou de Dennis repentinamente. O maneta estava na hospedaria, bebendo sua cerveja. Ele não quis acompanhar Thomas. No fim, o velho não quis correr o risco de morrer. Admitia que estava velho, e se Anton fosse na sua direção, ele finalmente morreria. Preferiu beber cerveja.

Thomas tinha que dar uma moeda de ouro a ele, e pagar a promessa. Tinha que matar o homem que o havia feito perder o braço. Isso seria fácil.

Seus olhos se perderam nas duas grandes fogueiras mortas. Anton levou um bom tempo para queimar. Será que ele teria o mesmo fim um dia? Tudo era possível.

Thomas havia matado quatro vampiros, e contribuído para o fim de sua espécie. Agora ele era o último, tirando sua mãe. Quem sabia se ele realmente era o último? Anton pensava isso, e na verdade ainda tinha dois além dele. Quantos mais deviam estar escondidos dos humanos? Talvez dezenas.

No entanto, ele era o último até onde sabia, e sentiu um gosto amargo no fundo da garganta.

Virou de costas para as cinzas de Anton, que agora estava em um lugar misterioso. Voltou para as ruas da cidade, deixando sua mãe limpando a cabana. Queria um lugar decente para dormir.

Ainda não tinha se decidido se contaria a verdade a Dennis, que também estava vingado, pois Anton havia matado seu filho.

Thomas sentia-se fraco, e ainda naquela noite mataria uma moça. Invadiria uma casa se preciso. Achava que não haveria a necessidade de fazer isso. Havia algumas putas na hospedaria, e nesses momentos elas eram sempre úteis.

No outro dia mataria o homem que fez Dennis de trouxa. Contudo, agora tomaria umas canecas de cerveja com o velho, contaria o que aconteceu, e ouviria as baboseiras que saiam daquela boca desdentada.

O vampiro estava morto. Sua missão cumprida. Agora tinha que pensar no futuro, na sua eternidade, que estava muito longe de acabar.

***

Obrigado pela leitura! Se curtiu, vote, comente e divulgue, pois vai me ajudar bastante! Valeu!


O Inverno de AntonOnde histórias criam vida. Descubra agora