19. Uma sessão no psicólogo

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            Pra não ficarem falando que eu só falo de sexo nesse livro, resolvi mostrar que eu também tenho cérebro e que sou uma pessoa capaz de fazer reflexões, e até bem inteligentes quando estou afim. Acontece que não é todo dia que eu acordo com saco pra denúncia social. Enfim cheguei a conclusão de que sou mesmo uma pessoa a frente do meu tempo. É incrível imaginar que alguém te trata de um jeito e ao descobrir que você gosta de um indivíduo do mesmo sexo tudo fica diferente. É como se um demônio baixasse em seu corpo e impedisse que as pessoas estabeleçam vínculos com você. A sociedade ainda está contaminada pelo preconceito e empesteada de intolerância e fanatismos religiosos, talvez estejamos condenados ao isolamento e a solidão. Não sei como podem dizer que Deus odeia os gays, foi ele quem nos fez assim. Eu não escolhi ser gay, acha mesmo que se eu pudesse escolher optaria por algo assim?

Ainda estamos muito aquém de conquistar o espaço ideal na sociedade. Certa vez, vi uma imagem de duas capivaras supostamente se beijando e a legenda era a seguinte: "Vocês estão loucos? Se meu filho ver isso e quiser virar uma capivara? Não sou capivarafóbica, até tenho amigos capivara, mas...". Tal ideia retrata a suposta influência gay. Somos muitos espalhados por aí, poderíamos dominar o mundo a favor de nossa causa, o problema é que não somos unidos. Existem vários semi-grupos rivais, mas no fundo somos todos homens que gostam de homens.

Certos seres deste tipo conseguem conquistar meu ódio mortal. Leandro é um deles. Não sei se já falei dessa vampira pálida nariguda viada, mas é uma criatura patética que estudou comigo e sempre morreu de recalque de mim. Ele também é amigo da minha melhor – e única – amiga: Barbarinha! Aff! É tão recalcado que ele, fuxicando minhas coisas, encontrou uma carta para Enzo e fotografou, divulgando para um monte de gente. Se eu pudesse mandar alguém para o inferno seria ele mesmo. Mas minha maior raiva é saber que ele é amigo de Luiz Otávio e que possivelmente já se pegaram. Eca! Deus me livre de ter pego baba dessa vampiresca criatura que passa base na cara todo dia de manhã e fica pálida igual uma vela, Leandro é uma das piores pessoas que conheço. Não devemos aumentar a voz desses imbecis, tais tipos de fiscal de cu merecem minha melhor vingança: o desprezo.

– Pode me falar o que você quiser. Estou aqui para te ouvir, serei sua amiga, não vou te julgar nem contar para ninguém o que acontece aqui – disse a psicóloga depois de nos apresentarmos, aquela seria minha primeira sessão.

– Bem, pra começar sou gay. Minha família sabe, mas não aceita isso. Já disse que ou eu viro hétero ou eu que me vire sozinho, pois não é mais pra contar com eles. Porém, mal sabem eles que resistir é inútil. Eu também não queria ser gay, mas sou. Ultimamente, passei a observar as pessoas e infelizmente descobri que a maioria delas é como os meus pais. Eu namoro Enzo há mais de um ano, entre idas e vindas sempre estivemos juntos, por mais que eu seja obrigado a fingir que ele não existe. Essa semana foi uma das melhores de minha vida, pela primeira vez dormimos juntos, eu nunca havia dormido com ninguém.

– Você acha que Enzo compartilha da mesma intensidade de amor por você?

– Sim, Enzo já me deu diversos exemplos de amor por mim. Faz todas as minhas vontades, tudo que eu peço. Nós temos uma diferença de idade de cerca de quinze anos, ele tem trinta e dois, mas parece não ter mais de vinte e cinco. Olha a foto dele – abri na galeria do celular e mostrei imagens do meu boy.

– É, ele realmente é muito bonito – ela elogiou.

– Só tem um problema... – eu ficava sem graça de contar aquilo a ela, mas me disse que eu poderia falar o que quisesse, então continuei – Eu gosto de outro cara também.

– Você tem dois amores?

– Dois meio amores. Mas ele é o cara mais cafajeste que eu conheço, porém é incrivelmente lindo. – mostrei uma foto de Diego na galeria.

– O mundo é gay mesmo! Seus ... – ela não sabia qual palavra usar – Eles são muito lindos. Você tem um preferido?

– Não sei. Enzo é meu lado calmo e querido, meio meu Stefan de The Vampire Diaries, enquanto Diego é meu amor lascivo e tentador, meu Damon da mesma série dos vampiros. Enzo desperta meu lado bom e Diego desperta meu lado mau, mas eu também gosto disso.

– E um sabe do outro?

– Sim, só que Enzo não sabe que eu ainda pego Diego. Ele achou que foram só algumas vezes casuais quando tínhamos terminado.

– Então você ainda fica com Diego?

– Bem, ficava. Não depois do que eu vi ontem na pizzaria. Eu estava passando e o vi, todo sorridente, comendo pizza com um cara moreninho e careca, tão lindinho, mas não mais do que eu.

– Pietro, você precisa se posicionar um pouco, não acho que esta seja sua hora de escolher entre um dos lados, mas prove, experimente da vida...

– Mas esse é o meu lema: Morder a vida e ser despedaçado por ela.

Continuei ali, por um momento, enquanto a mulher desenhava alguma coisa no caderno e eu olhava para o nada, pensando no quanto eu era uma pessoa fútil.

Quero morrer!

– Você já teve outros amores? – ela me perguntou.

– É, até que já tive. Vou confessar uma coisa pra você: Eu tenho uma tara por loiros. Diego é o meu loiro do momento, mas meu loiro anterior era Luiz Otávio. Como eu tinha um amor platônico naquele menininho ainda cru que não sabia nada da vida, mas me despertava um tesão. Na verdade eu que pensava que ele não sabia nada da vida, porque era um enrustido que tem medo de tudo, mas tinha uma pegada que puta que pariu! – coloquei a mão na boca – Desculpa o palavrão, mas não deu pra evitar.

– Tudo bem – assentiu.

– Tive uma paixãozinha também por um tal de Maicon. Mas foi coisa rápida. Depois acabou virando meu amigo, mas ainda damos uns beijinhos de vez em quando, mas não passa muito disso, ali não tem envolvimentos sentimentais não, até já teve. Hoje ele é só meu melhor amigo gay pra quem conto tudo.

– E seus amigos, você tem alguns?

– Tenho dois, um melhor amigo, mas que não tenho intimidades pra contar coisas de sexo até porque ele é hétero e ainda não confidencie a ele o que eu de fato sou. Na verdade eu perdi o BV com a irmã dele, então seria um pouco constrangedor. E tem a Bárbara, minha melhor amiga, essa sim sabe de tudo!

– Sua relação com a sua família, como é?

– A pior possível, se eu pudesse morreria hoje mesmo. Depois que vi um filme "Orações para Bobby" fiquei tão tocado sabe, e achei que minha família realmente pudesse mudar e me amar como eu sou, de fato. Mas não sei... Às vezes eu penso em fazer como Bobby que se jogou de uma ponte e quando caiu na via de baixo foi atropelado por um caminhão de dezoito rodas. Mas não... Não vou dar esse gostinho para eles, eu vou vencer. Vocês ainda ouviram falar muito de Pietro Cedrone. Ainda vou ser cantor!

Levantei da cadeira e fui até uma estante em que guardava uma garrafa de vodka lá no alto. Abri e bebi no gargalo mesmo, sem nem pedir autorização a mulher, que somente continuava analisando meus passos.

– Eu precisava disso! – confessei, dando mais uma última golada.

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Muito prazerOnde histórias criam vida. Descubra agora