25. Minha vida, puta que pariu!

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            Viver é um desafio eterno que todos nós precisamos enfrentar. Minha vida anda tão conturbada que puta que pariu! Como se eu já não estivesse brigado com Enzo, a querida Elisa decide que precisa conversar seriamente comigo, só porque fiquei alguns dias numa das melhores festas da minha vida, quando eu finalmente saí pra me divertir sem hora marcada pra retornar pra casa e sem ninguém ligando direto querendo saber onde estou, com quem estou e que horas volto. Por incrível que pareça, eu não sentia medo nem pressão por conta daquela conversa. Não tenho medo da minha mãe nem de Murilo, meu péssimo pai! Elisa só sabe reclamar e Murilo finge que eu não existo. Ninguém vai roubar o riso frouxo que mora no meu rosto.

Elisa chegou em casa e foi logo me arrastando para a cozinha para a tal conversa séria. Começou a vomitar um milhão de reclamações e jogando sobre mim os vários erros que ela mesma tinha cometido, só sei que eu fui educado assim. Respirei fundo, eu tenho minha consciência tranquila de tudo que faço, não adianta carregar um fardo que pertence aos outros. Disse pra me virar e não contar com ela se eu quisesse seguir a vida que eu levo, só pensando em festas e não querer saber de trabalho, jogou na minha cara que só fico vendo televisão e navegando na internet. Tudo que eu faço é murmurando, de cara feia e perguntando quanto vou ganhar para tal tarefa.

Continuei ali, calado, ouvindo todos os desaforos e as faltas de vergonha na cara que segundo ela, a mim caberia. Guardei todos os pios exclusivamente para mim e qualquer coisa que eu dissesse ela iria rebater dizendo que eu estava respondendo, que eu era malcriado, só fazia o que me dava na cabeça e tudo mais. Enquanto uma tsunami acontecia dentro de mim, eu transparecia a mais natural calma. Ela jogava suas verdades em minha cara e eu calado desabando. Tentei segurar, mas não dava mais. As lágrimas disparavam a rolar pelo meu rosto, molhando minhas bochechas enquanto minha alma gritava, agonizando por aquilo que me matava. Querendo ou não, eu sou gay! É isso que mais dói em todos eles e dói também em mim.

Mais de uma hora de conversa eu já não aguentava ouvir reclamações, eu era uma bomba prestes a explodir e não garanto a sobrevivência de ninguém. Elisa continuava a despejar suas insatisfações da vida, falando que só fazia as coisas querendo deixar algo pra mim e meu irmãozinho Josiel, que ela foi criada sem regalias porque era filha de pobre enquanto eu ficava acordado a madrugada toda e depois acordava meio-dia que nem um filho de rico. Disse que queria deixar algo pra mim e que os pais dela assim fizeram por mim também.

¾ Não precisa deixar nada pra mim não. O que tinham pra me dar já fizeram em vida ¾ não aguentei segurar mais e acabei dizendo.

¾ Responde mesmo! ¾ revidou estressada ¾ Malcriado!

¾ Só estou falando a verdade ¾ balbuciei, ainda chorando e saí andando rápido para o meu quarto.

Nem sei se aquilo poderia ser chamado de quarto, ainda estava do jeito que deixei quando cheguei da casa da tia Elena. A mochila lotada das roupas sujas que tinha trazido de volta repousava sobre a cama, mas no estado atual de desespero, a última preocupação seria o quarto. Comecei a pegar as primeiras roupas na minha frente e enfiar na mochila, chorando. Peguei escova de dente, desodorante, toalha... Eu provavelmente estou esquecendo algo, mas quando se foge de casa não pode querer levar a casa toda na mala. Elisa veio logo em seguida no quarto querendo saber porque eu estava arrumando a bolsa.

¾ Eu não moro mais aqui! ¾ solucei.

¾ Você não vai a lugar nenhum! ¾ gritou comigo.

¾ Infeeeeeerno! ¾ gritei e me senti a própria Carminha, de Avenida Brasil ¾ Eu odeio esse lugar! Odeio todos vocês! Cortaram meu celular, cortaram meu contato com meus amigos, não preferem cortar meus pulsos logo de uma vez não!?

Ameacei sair pela porta do quarto passando por cima de todos os empecilhos, inclusive Elisa que agarra meu casaco e ouço o barulho do descosturar do tecido com o puxão que tomei. Ela me empurra para o sofá e aviso que bastará que eles durmam pra eu fugir, e se trancar a porta eu fujo pela janela. Ela me obriga a retornar para o quarto e eu recuso. Insiste e vou.

¾ Você vai para a casa de quem?

¾ Não jogou na minha cara que eu tenho três/quatro mil amigos na internet com quem fico a noite inteira conversando!? Não é possível que não tenha ao menos um para me abrigar em casa.

¾ Você vai para a casa de quem, Pietro? ¾ sua voz já estava cansada de tanta discussão ¾ Vai dormir e descansar sua cabeça. Eu me alterei um pouco.

¾ Eu não fico mais nem um minuto debaixo desse teto, do seu teto né, já que não pago nada nessa casa, não sou dono de nada aqui, essa casa não é minha! E você se alterou um pouco!? ¾ debochei enfatizando o final da frase ¾ Você sempre se altera! Sempre grita! Sempre desconta tudo em mim. Sempre me culpa por todos os seus planos falidos. Todos os seus desafetos. Tudo! No final, tudo acaba sendo sempre culpa minha. O aquecimento global, a crise econômica, o copo de café que o vizinho quebrou... é tudo sempre eu! Sei que você não gosta de mim e de todos os filhos do mundo tenho certeza que eu sou o pior deles pelo único fato de gostar de garotos. Não precisa fingir nada pra ninguém, vamos jogar limpo com nós mesmos e por as cartas reais sobre a mesa. Não precisa dizer pra ninguém que é minha mãe e pode deixar que seu segredo: Que é minha mãe. ¾ sussurro ¾ está bem guardado comigo. Não vou te dar mais despesas nem trabalho. Vê se me esquece!

Ela me agarra novamente pelo braço e eu me desvencilho:

¾ Vou pra casa de Bárbara.

¾ É melhor você sair, espairecer a cabeça, dormir em outro lugar, amanhã você volta.

Saio por aquela porta completamente dividido, por um lado me sinto péssimo e destruído, de outro penso estar finalmente livre: pra voar, pra sair, pra amar... Disparo a chorar e mando mensagens para Enzo Gabriel informando minha decisão e perguntando se poderia me buscar de carro e me levar à casa de Bárbara. Mas não, o irmão dele que mora em outro estado veio visitá-lo e não pode sair. Aff. Enzo anda meio estranho comigo de uns tempos pra cá, mas não podemos terminar justo agora.

O mundo todo virou as costas pra mim e se Enzo, o maior amor da minha vida, terminar comigo eu prefiro morrer. É terrível pensar que estou novamente no fundo do poço, quebrei-me em pedacinhos e não faço a mínima ideia de como faria pra me recompor e colar os cacos. Enzo anda bolado porque ontem liguei para ele e brigamos. ENZO CURTIU UMA FOTO DE LEANDRO! Sim, a foto de Leandro, ele sabe muito bem o quanto não suporto esse garoto e como me senti a pior pessoa do mundo quando vi aquela curtida. Era como se Enzo enfiasse uma faca no meio do meu coração e não satisfeito começasse a girá-la. Mas eu o perdoo. Eu sempre perdoo, principalmente agora que preciso dele. Mas acontece também que se me largasse não era eu quem sairia perdendo. Tenho 18 aninhos, olhos verdes, sou loiro, sou lindo e estou dentro do prazo de validade.

Acabei tendo que pegar um ônibus e sento-me no banco alto, encosto a cabeça no vidro e disparo a chorar. Mandei mensagem para Bárbara também informando que iria dormir na casa dela. Sinto-me numa legítima cena de filme, só faltava-me um fone de ouvido e uma música triste tocando. Permiti-me imaginar "A noite – Tiê" tocando na minha cabeça. Chorei. Cheguei na casa de Bárbara que também estava num poço de tristeza. Terminou com uma paixão virtual de cinco meses. Ficamos noite a fora rindo, eu, ela e seu irmão, por um momento esqueci o monte de problemas que eu tinha.

¾ Pietro, ainda bem que você está aqui, senão eu ia passar a noite inteira chorando ¾ e me abraça.

Aquele foi o abraço mais sincero e carregado de emoções que demos nesses nossos três anos de amizade. Da mais perfeita amizade que existe nesse mundo.

Kv


Muito prazerOnde histórias criam vida. Descubra agora