12. Pervertido coração

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Sempre achei que todos nós éramos loucos, só que cada um usufruía do seu nível de loucura. Até aí tudo bem, o problema maior foi quando descobri que provavelmente eu batia todos os recordes, como eu conseguia ser tão maluco a ponto de ser duas pessoas totalmente diferentes ao mesmo tempo? Mas cada parte de mim me satisfazia de uma forma única, particular e tentadora. Eu gostava de ser o comportado Pietro apaixonado por música e escravizado pelo seu projeto de família. Eu era feliz daquela forma! Porém João Guilherme surgiu no meu caminho mudando o rumo da minha vida, talvez eu já estivesse mesmo destinado a me aderir a esta nova partícula. João era agora parte de mim, e ele matava qualquer um dos meus sentimentos me transformando num pervertido coração que vivia apenas pelo prazer. Na verdade, aquilo não era ser duas caras, mas à vezes, João Guilherme explora o melhor de mim, meus desejos mais perversos e secretos. Não posso me proibir de ser feliz, contudo a felicidade exige sacrifícios enormes. Não posso nem devo viver uma grande mentira matando João dentro do meu coração. Eu sou João Guilherme! Mas... bem, eu acho que sou os dois. Preciso entender o que quero viver... A felicidade não é um conceito estável e igual para todos, talvez a de Pietro não seja a mesma de João Guilherme, me perco tanto nas vírgulas até a felicidade que nunca chego ao ponto final, e quando alcanço, não atinjo, preciso escrever uma nova frase. Uma vez, Enzo me disse que eu vivia demais num mundo imaginário e era hora de viver a vida real. Já Maicon acreditava que eu era muito realista e precisava sonhar mais.

Fechei os olhos por um momento tentando um bom sonho. Imaginei Pietro amando, pensei em João Guilherme beijando quem tanto queria, vi eu e Bárbara rindo como loucos, vi Maicon e o novo namoradinho... Acabou meu sonho, aquilo era um terrível pesadelo. Sentado na areia, assisti por segundos uma novela sobre mim na minha cabeça, não sabia que minha vida podia ser tão interessante.

Lembrei me do meu primeiro beijo, foi tão romântico, único e tentador. Aquilo foi a maior explosão de desejos e cheiros e mistérios que se desfaziam e refaziam nos lábios. Foi com uma garota, logo assim começamos a namorar, porém nos conhecíamos há mais tempo e já tínhamos muita afinidade, só faltou oficializar o relacionamento. Então durou apenas cinco dias. E o outro amor não foi necessariamente meu e sim do João, o Enzo Gabriel namorou com... bem, com a gente né, já que eu e João somos a mesma pessoa.

A partir da minha larga experiência em relacionamentos, cheguei a conclusão de que não nasci para o amor. Nem todas as pessoas foram criadas para amar, assim como nem todas foram criadas para cantar, nem todas para dirigir... Cada um tem um dom, e eu não tenho o dom de amar. Mas talvez cada um usufrua do amor à sua maneira e tem alguns que simplesmente não usufruem. Penso realmente que a vida é muito estranha, não entendo como pessoas fúteis e grotescas conseguem ser tão felizes a ponto de que eu, um cara super interessante e inteligente, sou tão melancólico. O mundo é uma tremenda injustiça pela qual não sei se estou preparado o suficiente para enfrentar, sou vulnerável em alguns casos enquanto o mundo é uma selva.

Com os olhos semicerrados, fiz outra viagem ao passado e parei especificamente quatro anos atrás quando eu era um moleque inocente de apenas quatorze anos. Lembrei de algo que eu mais gostaria de esquecer, aquele velho asqueroso deu o primeiro passo para a construção de uma máscara presa ao meu corpo e minha alma que me seguiria por um longo tempo. Depois do velho, não consegui parar mais, aquilo virava um vício diário e eu me sentia dividido avaliando se eu gostava ou não do que fazia. Nunca permiti qualquer mínima propensão de um envolvimento, o máximo de palavras trocadas eram comandos sexuais ou incentivos obscenos. Até que um dia, meu banheiro restrito aos interesses libidinosos não estava propenso ao que eu desejava fazer, mas tinha alguém interessante lá, decidimos ir a outro local conhecido dele e então me perguntou meu nome. Ai foi a questão-chave pela qual momento nenhum procurei me preparar. Eu não podia falar simplesmente que meu nome era Pietro para um cara que eu nunca vira e agora iria chupar meu pau, vai que ele tivesse alguma futura ligação com algum amigo ou parente? Eu estaria ferrado. E então me batizei com o primeiro nome que passou pela minha cabeça: João e depois, percebendo a simplicidade do meu novo nome, complementei com Guilherme. Agora eu tinha uma nova identidade, eu era João Guilherme.

Sentado na areia da praia eu observava a imensidão finita do céu azul mergulhada em estrelas. Naquela noite, poucas pessoas passeavam à beira d'água molhando os pés na água. Ao longe, um bêbado caminhava tentando se equilibrar sobre as duas pernas e por um momento, percebi que todos nós somos bêbados tentando encontrar algum ponto de equilíbrio. É como uma corda bamba a dez metros de altura e lá embaixo está cheio de crocodilos que querem nos devorar. Mas até hoje, em dezoito anos, nunca achei meu ponto de equilíbrio. Alguns dizem que esse ponto é a felicidade, eu discordo. Já fui feliz e nem assim me estabilizei. Tudo bem, meus encontros com a felicidade foram raros e apenas três deles marcaram profundamente a minha vida. O primeiro está relacionado ao Enzo, o segundo ao Maicon e o terceiro ao Luiz Otávio. Não é culpa minha acreditar na importância deles para mim sem que sequer saibam disso.

Enfim, tem pessoas que marcam nossas vidas com o rastro de felicidade deixado, já outras serão para sempre odiadas. Argh! Como eu, bem, na verdade a reponsabilidade é sua, João Guilherme! Você vendeu esse seu pervertido coração e eu quem fiquei em maus lençóis, mas vou lembrar para sempre o quanto odeio e quanto amo odiar a serpente sorridente chamada Luiz Otávio. Ele é um imbecil que soube muito bem enganá-lo, João. Logo você que se acha tão inteligente!

Não quero falar de coisas ruins, apesar de não ter belas verdades para contar. Prefiro acreditar que o mundo é tão feroz como as águas dessa praia, tendo seus momentos de fúria e de calmaria. Nem a água é capaz de matar alguém desde que este esteja disposto a nadar. E eu estou, eu vou nadar contra a corrente!

João Guilherme

Muito prazerOnde histórias criam vida. Descubra agora