Capítulo 4

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LILLIA
Estamos sentados à nossa nova mesa de almoço, a turma de sempre: eu e Rennie, Ashlin, Alex, Reeve, PJ, Derek, mais dois outros caras do time de futebol americano. Herdamos essa mesa dos formandos do ano passado. É a tradição. A mesa das estrelas, no centro da assim chamada ação. No
último dia de aula dos terceiranistas, os formandos mais descolados convidam os terceiranistas mais
descolados para almoçar com eles. É como uma passagem da tocha da popularidade. Pena que seja igual a qualquer uma das mesas nojentas desse refeitório.
Ashlin está sendo inoportuna, falando e falando sobre a sauna que seus pais instalaram. Até que eu digo:
- Ashlin, ninguém se importa. - Ela então para de falar, com uma expressão magoada nos olhos
castanhos. Sinto-me um tanto mal, então acrescento: - Brincadeirinha.
Rennie pega um donut polvilhado com açúcar da minha bandeja e o enfia na boca.
- Pensei que você não ia comer carboidratos durante a temporada de animação de torcida - digo, e puxo a bandeja com o meu almoço para mais perto. Só restaram três.
Rennie faz uma careta para mim.
- Eu preciso de alguma coisa para levantar o astral depois da manhã que tive. Talvez eu devesse fazer um teste de HIV ou algo assim. Quem sabe que tipo de germes aquela vaca está carregando. - Ela imita o som de vômito, e posso ver sua língua branca por causa do açúcar de confeiteiro.
Reeve puxa sua cadeira para mais perto de nós. Eu me afasto um pouco. Ele deve ter usado metade do vidro de colônia esta manhã. Está me dando dor de cabeça. Ele murmura:
- Rennie, meu bem?
- Sim, Reevie querido? - Rennie olha para ele.
- Você sabe que você é assim como uma esposa para mim, certo?
Eca!
- Claro.
- E uma esposa tem de assegurar que seu homem seja bem tratado - continua ele. Eu faço uma cara de me enforque para Ashlin, que dá uma risadinha. Reeve me vê fazer isso e faz um gesto de desprezo na minha direção antes de voltar-se novamente para Rennie. - Então... você pode, por favor, dar um jeito de eu pegar uma animadora de torcida que saiba o que está fazendo este ano?
Estou falando sério. Não posso ter lá, representando o número 63, uma garota que tenha apenas um rostinho bonito. Quem quer que pegue o trabalho tem de ter muita experiência, tem de ter o pacote
completo.- E o que é o pacote completo? - ronrona Rennie.
Reeve estala os dedos.
- Ritmo, boa coordenação entre mãos e olhos, flexibilidade bastante para fazer alguns dos movimentos mais complicados. Nada dessa porcaria de giro para trás. Quero algo mais complicado,
boas variações. Você sabe do que estou falando.
- Sei exatamente do que você está falando, Reevie - diz Rennie, com os olhos brilhando. - Considere feito.
Reeve estende a mão por cima da mesa e belisca suavemente a face dela. Rindo, Rennie dá um
tapinha, afastando a mão dele.
- E você, Alex? Quem você quer?
- Tanto faz - responde e volta a falar com Derek.
Rennie me diz, sem som, apenas com movimentos labiais: Qual é o problema dele? Dou de ombros. TPM, ela continua.
Ela se inclina para a frente e pega outro donut da minha bandeja.
- O que você acha de eu dar Alex para Nadia? Quer dizer, é certo que, se conseguir um jogador formando, ela vai se tornar a garota mais descolada entre os porquinhos novatos.
Pego o donut de volta.
- Sim, claro. - Ainda estou me sentindo mal pelo que disse a Nadia de manhã. Talvez isso a faça sentir-se melhor.
- Então você concorda?
- Por que eu não concordaria? - Sei no que ela está pensando, mas me recuso a jogar esse jogo.
Como eu disse um milhão de vezes, não o vejo dessa forma.
- Está bem.
Levanto da mesa e vou até a máquina de refrigerantes antes que ela possa dizer qualquer outra coisa.
Estou tentando decidir entre um refrigerante sabor uva e uma Coca quando Alex aparece atrás de
mim.
- Ei, Lindy - digo-lhe, apertando o botão da Coca. Ocorre-me que Rennie provavelmente está pressionando Alex tanto quanto está me pressionando. Aposto que está dizendo a ele as mesmas mentiras também. Que eu tenho sonhado com ele. Que devíamos ficar juntos.
Em tom neutro, ele diz:
- Isso é tudo que você tem para me dizer? "Ei, Lindy?" Você notou que eu a estou ignorando desde sábado?
Olho para ele, minha boca um perfeito O. O que há com ele?- Não posso acreditar em você, Lillia - diz ele, fervendo. - Você e Rennie sequestram minha casa para dar uma festa, fazem a maior sujeira com purpurina por todo lado e depois de meia hora saem para ir a outra festa! Que droga!
Eu nunca vi Alex assim antes, tão bravo. Mas ele tem razão por estar bravo. Nós não devíamos ter saído daquela forma. - Desculpe - sussurro. Ele não tem ideia de como estou realmente arrependida.
Ele balança a cabeça para mim e se vira para afastar-se, mas estendo a mão e seguro-lhe a manga.
Puxando-o, eu digo:
- Não fique bravo.
Ele está me olhando feio e não me deixa escapar.
- Quando vocês vão lá recolher sua decoração e a porcaria toda?
- Rennie e eu iremos lá depois do teste das animadoras de torcida e arrumaremos tudo - respondo rápido.
Alex não diz nada. Apenas se afasta. Indo não para a mesa, mas para a cafeteria.
Rennie enfiou na cabeça que devíamos fazer uma festa de boas-vindas para os rapazes. Ela decidira que o tema seria No Fundo do Mar, e ela própria seria uma sereia. As outras veteranas poderiam usar biquíni, saia de folhas e colar havaiano. As calouras e as do segundo ano seriam pescadoras atraentes. Deixamos Nadia convidar três de suas amigas, mas elas teriam de fantasiar-se de peixes e usar nadadeiras nos pés o tempo todo, senão teriam de ir embora.
Havia mais uma condição: eu disse a Nadia que não poderiam beber. Ela concordou na hora.
Então, quando ela apareceu com as amigas, todas com tops e shorts verdes e andando desengonçadas
com seus pés de pato, dei a ela uma piña colada sem álcool. Tomei uma também, apesar de Rennie ficar tentando colocar no meu copo um pouco do rum das garrafas que ela escondera pelo quintal.
A festa foi um sucesso. A música tocava alto nas caixas, e acendemos tochas por todo o gramado, as pessoas dançavam e nadavam na piscina. Até os rapazes entraram no espírito da coisa. Reeve pegou um lençol da cama de Alex, fez uma toga e se intitulou Posêidon. Ele ficava andando por ali
com um forcado na mão, dizendo que era um tridente. Eu tenho certeza de que tudo que ele queria era tirar a camisa. Alex usava seu chapéu de pescador, e os outros vestiam pelo menos shorts de banho e óxido de zinco.
Rennie vestia uma saia azul justa, a parte de cima de um biquíni branco e meia arrastão. Ela gastou metade do dinheiro destinado à festa na peruca e na fivela de estrela-do-mar de strass. Eu era uma salva-vidas de Baywatch com meu maiô vermelho inteiriço, short branco curto e chinelos. Tinha
também um apito pendurado ao pescoço e um flutuador de salva-vidas preso às costas. Ashlin era uma água-viva. Ela vestia uma saída de banho branca e transparente por cima do biquíni branco, e trançou longas faixas de papel crepom branco no cabelo loiro.
Rennie e eu estávamos juntos da churrasqueira tomando nossas bebidas e olhando tudo quando a
Sra. Lind veio e me deu um grande abraço.- Lillia, essa foi uma ideia tão boa - disse, beijando-me no rosto. Ela estava com um vestido típico havaiano e tinha uma flor no cabelo. - Alex ficou tão surpreso!
Ela saiu para pegar mais quibes de frutos do mar, e Rennie me cutucou com o cotovelo.
- Tá vendo? Eu disse que ia ficar tudo bem. Por que você estava tão preocupada?
- Eu não estava preocupada - disse, ajustando meu flutuador de salva-vidas. - Eu só acho que é meio estranho pedir para a mãe de alguém para fazermos uma festa na casa deles.
- Lil - disse Rennie com ar suave -, a mãe de Alex ama você. Você é a filha que ela nunca teve. Ela lhe deu aquele bracelete Dior cor-de-rosa no seu aniversário! Eu procurei no site deles, e, estou dizendo, não foi barato. Um deles custa algo em torno de seiscentos dólares!
Rennie pegara o bracelete emprestado há meses e não devolveu mais. De qualquer forma, ele fazia mais o estilo dela que o meu.
Ela já estava aborrecida com a conversa, por isso ficava olhando para o quintal, passando a mão
pela peruca loira e longa.
- Mas que droga Teresa Cruz está fazendo aqui? Eu me lembro claramente de que não a convidei.
Olhe para ela. Está usando um colar havaiano e uma saia de folhas. Isso não é um luau - esbravejou.
- Ela é tão sem graça... E eu não sei o que deu em Reeve. Ele mal nos disse oi, e essa festa é para ele.
Eu estava procurando Teresa em sua fantasia sem graça quando Alex e eu nos vimos e ele acenou para mim. Ele estava com Reeve, Derek e o tio Tim. Todos fumavam charutos, menos Alex. Comecei a andar na direção deles, quando Rennie pegou meu braço.
- Ó meu Deus! - exclamou ela, com o telefone na mão, e acenou para mim, com os olhos brilhando. - Ele me mandou um torpedo.
- Quem? Reeve?
- Ian! - Ian era um dos caras da UMass que conhecemos na praia. Ele e Rennie tinham saído durante aquela semana. Ele a levara para jantar, mas depois não dera mais sinal de vida. - Eles estão fazendo uma festa! É a última noite deles na ilha. Nós temos de ir.
- Agora?
- Sim!
- Ren, não podemos ir - disse eu, rindo. - Esta festa é nossa, lembra? Temos de ir buscar os cupcakes e os fogos e tudo o mais. - Nadia e eu tínhamos passado a tarde decorando os cupcakes.
Colocamos corante azul na cobertura e esfarelamos bolachas em cima para parecer areia.
Rennie fez bico, estendendo o lábio inferior.
- Por favor, Lil! Ele é realmente legal. Ele vai fazer medicina! E eu lhe disse que o amigo dele, Mike, fica perguntando por você. Não podemos ir e ficar lá só um pouco? E voltaremos logo.
Ninguém vai sequer notar que saímos!
Olhei ao redor pelo quintal. Ashlin estava na sala dos fundos, jogando pôquer com alguns dos rapazes. Derek tentava olhar as cartas dela, e ela ria e o empurrava. Ela definitivamente não notaria se saíssemos, não com a atenção que estava recebendo de Derek.
- E quanto a Nadia? - perguntei.
- Ela está bem! Olhe, ela está se divertindo.
Olhei para Nadia, ela estava sentada junto da piscina com as amigas, as pernas na água, balançando os pés com as nadadeiras. Elas riam e jogavam água para cima. Rennie balançou meu braço de um lado para o outro. E disse, implorando:
- Por favoooor, Lil. Essa é minha última chance de ver esse cara. Eles vão embora amanhã. É agora ou nunca!
Suspirei.
- Uma hora, e então voltamos para cá. Promete?
Rennie soltou um gritinho e me abraçou.
- Sim! - Então ela olhou para a fantasia de sereia e franziu a testa. - Não podemos aparecer lá assim. Vamos parecer tão ginasianas.
- Podemos nos trocar no carro - sugeri depressa. Se fôssemos até a casa de Rennie nos trocar, levaria um tempão. Eu só queria ir e voltar para que as pessoas pudessem ver nossos cupcakes, mesmo que tivessem sido feitos com massa pré-pronta. Não os servi com o resto da comida porque
queria que fosse algo especial.
Rennie deu de ombros.
- Está bem, então. Vou retocar minha maquiagem. Encontro você no carro em dois segundos.
Ela correu para a casa, e eu fui para o Jeep. Estava procurando na minha sacola pelo top que usara mais cedo, quando senti alguém puxar meu cabelo. Virei-me.
Reeve.
Ele passou o braço por cima do meu ombro e empurrou a porta, fechando-a.
- Para onde você está indo? - perguntou, aproximando-se.
- Não é da sua conta.
- Vamos lá. Conte.
Tentei afastá-lo do Jeep, mas ele não se moveu.
- Reeve, dê o fora!
- Então você faz uma festa de boas-vindas para um cara e depois dá o fora? - Reeve balançou o dedo diante de mim. - Você não é uma boa garota, Cho - disse e se afastou.
- Eu nunca disse que era - gritei para ele.
Abri meu refrigerante e tomei um gole enquanto caminhava de volta até nossa mesa. Sentei onde Alex estava antes, perto de PJ e de Reeve. Reeve me olhava do mesmo jeito que fez naquela noite, osolhos meio fechados, o ar desconfiado.
- Por que esse bico imenso agora, Cho? É porque teve de pagar seu próprio refrigerante? - pergunta ele.
- Cale a boca.
- Garotas como você... - começa a dizer e então faz um gesto para mim, e seu braço derruba acidentalmente minha Coca.
O refrigerante molha toda a frente do meu suéter. Com uma exclamação, dou um pulo para trás. PJ e Reeve afastam as cadeiras para escapar do líquido. Sinto a Coca atravessando a caxemira e chegando ao meu sutiã. A grande mancha marrom se espalha pelo meu peito.
- Você... você acabou com meu suéter.
- Relaxe, Lillia. Foi um acidente. - Reeve se aproxima com um guardanapo, tentando enxugar a
Coca.
Eu recuo.
- Não toque em mim!
- Ah, esqueci. A princesa Lillia não gosta de ser tocada. Não é mesmo? - diz, sarcástico, e lança uma piscadela para mim.
- Reeve, deixe-a em paz - diz Rennie.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Baixo a cabeça e enxugo o suéter, de forma que o cabelo caia sobre meu rosto. Digo a mim mesma que está tudo bem. É apenas Reeve sendo Reeve. Ele não sabe de nada. Como poderia? Rennie não contaria a ninguém. Prometemos uma a outra. Tento respirar fundo, mas engasgo. Meu lábio inferior começa a tremer. Tenho de dar o fora daqui antes que desabe na frente de todo mundo.
- Para sua informação, este suéter custa trezentos dólares, o que é mais do que aquela porcaria de carro que você dirige.
Pego minha bolsa e vou para o banheiro feminino. Corro para dentro, vou até a pia e abro a torneira. Não vou chorar. Não vou. Não vou chorar na escola. Eu não faço isso.
Só que não há opção.
Estou chorando tanto que meus ombros sacodem e a garganta dói. Não consigo parar.
A porta se abre, e torço para que seja Rennie. Mas não é. É Kat DeBrassio. Ela coloca a bolsa junto da pia ao lado da minha e ajeita o cabelo enquanto olha no espelho, sacudindo os cachos.
Jogo água fria no rosto e tento esconder o fato de que estava chorando. Mas ela deve ter visto,
porque pergunta, com seu jeito rude:
- Você está bem?
Eu olho direto para a frente, para meu reflexo.
- Estou bem. Conheci Rennie primeiro, na fila do velho cinema da Avenida Central. Estava com dez anos e me achava muito crescida, ali na fila com minha nota de 10 dólares no bolso de trás. Rennie disse que
gostava do meu chinelo de dedo. Era um chinelo lavanda com bolinhas cor-de-rosa. Ela me apresentou Kat duas semanas depois. Daí em diante nós éramos um trio. Antes de Rennie e Kat, eu só tinha Nadia para brincar quando íamos passar o verão na Ilha Jar. Agora eu tinha duas melhores
amigas.
Toda sexta à noite íamos dormir na casa de uma das três, alternando as casas. Espionávamos o irmão mais velho de Kat e brincávamos com o cachorro dela, Shep. No condomínio de Rennie, fazíamos pralina de amendoim no micro-ondas, e a mãe dela nos maquiava. Na minha casa, Rennie e Kat faziam competição de nado na piscina, e eu ficava na parte mais rasa e era a juíza. Brincávamos
com minha casa de bonecas vitoriana e, quando já estávamos mais velhas, fazíamos filmes com a câmara de vídeo do meu pai e os mostrávamos para minha mãe e Nadia no café da manhã.
Eu costumava ficar com inveja, sabendo que deixaria a Ilha Jar no final de agosto, e Rennie e Kat
continuariam tendo uma à outra. De muitas formas, as duas eram parecidas, eram ambas destemidas.
Eu era a gatinha assustada. Era como Kat vivia me chamando. Eu nunca queria saltar do trampolim mais alto, nem segurar o leme quando o pai de Kat nos levava para velejar, nem ficar com os garotos quando nos encontrávamos na praia. Mas Rennie e Kat, as duas cuidavam de mim. Faziam com que eu me sentisse segura.
Quando minha família decidiu mudar-se para cá, foi um sonho que se realizou. Aquele verão foi um aquecimento para a diversão que íamos ter no colegial. Mas então, no começo de agosto, Rennie finalmente convenceu sua mãe a deixá-la fazer uma plástica no nariz. Nunca achei que o nariz dela fosse ruim, mas, quando Rennie me mostrou o calombo que ela tinha ali, também o vi. Quando os curativos foram tirados e as cicatrizes sumiram, foi ela quem decidiu que devíamos ser as mais
legais da escola secundária. Kat disse que isso era idiotice, e Rennie ficou brava, então tiveram uma de suas brigas. Eu esperava que tudo voltasse a ficar bem em alguns dias, como costumava acontecer, mas uma semana depois Rennie ainda estava brava. Ela disse que Kat era imatura, que não entendia
nada. Que estava nos puxando para baixo.
Não deixamos Kat de lado mediatamente. Fomos juntas ao continente fazer as compras para a
volta às aulas, como tínhamos planejado. Fomos ao cinema no aniversário de Kat, mas Rennie fez
questão de sentar do meu lado para dividirmos os confeitos de chocolate, e isso foi estranho. Depois deveríamos passar a noite na casa de Kat, mas, quando estávamos saindo do cinema, Rennie anunciou que não estava se sentindo bem e que não iria para lá. Era óbvio que ela estava fingindo;
Rennie é péssima atriz. Puxei Kat para o lado e perguntei:
- Você quer que eu vá?
E ela disse:
- Esquece.
Fui para casa e fiquei pensando naquilo, primeiro sozinha, depois conversei com minha mãe.
Contei a ela como as duas vinham brigando, que Rennie não queria mais ser amiga de Kat e como eu me sentia presa no meio daquilo. - Quer dizer, se eu tivesse de tomar partido, acho que ficaria do lado de Rennie - disse-lhe.
- Por que você tem de tomar partido? Por que não as faz ficar amigas de novo? - disse minha
mãe.
- Eu duvido que Rennie vá me escutar - respondi.
- Você poderia pelo menos tentar - retrucou. - Kat passou por muita coisa. Ela precisa das amigas.
Senti uma pontada de culpa. A mãe de Kat morrera no ano anterior. Ela passou muito tempo doente
antes de morrer. Kat não queria falar sobre isso, pelo menos não comigo. Ela falava com minha mãe às vezes, mas só quando Rennie e eu estávamos no meu quarto.
- Vou tentar - disse para minha mãe.
Daí tive essa grande ideia. No primeiro dia de aula, eu daria a Rennie e Kat colares da amizade.
Isso nos aproximaria novamente, afastaria os sentimentos ruins.
Minha mãe e eu compramos os colares na bela joalheria em White Haven, o lugar onde meu pai empre comprava algo para minha mãe no aniversário de casamento deles. Correntes idênticas de ouro, com um pingente especial para cada uma. Eu estava realmente animada pensando em dar as caixinhas de veludo preto a elas; sabia que Rennie em especial amaria o presente.
Naquele primeiro dia de aula a mãe de Rennie foi me buscar, e eu esperava ver Kat e Rennie no assento de trás do carro. Elas moravam do mesmo lado da ilha, e eu morava mais afastado.
Mas Kat não estava lá, era só Rennie com sua nova minissaia jeans com pesponto nos bolsos detrás. Entrei no carro e perguntei:
- Kat está doente?
Rennie fez que não com a cabeça.
Quando ela viu a mãe nos olhando pelo retrovisor, Rennie se inclinou e sussurrou:
- Eu não quis ir buscá-la. Não quero mais saber dela.
- Você avisou que não ia buscá-la? - sussurrei de volta. E se Kat estivesse diante da casa nos esperando? E se ela chegasse atrasada no primeiro dia de aula?
- Ela vai perceber - disse Rennie. Ela tocou o nariz e perguntou, preocupada: - Parece estar inchado?
Apesar de planejar dar os presentes de Rennie e Kat ao mesmo tempo, fui em frente e entreguei o de Rennie ali mesmo. Ela parecia mal-humorada, e eu queria começar o dia num clima bom. Ela gritou tão alto que sua mãe pisou no freio. O pingente dela era um coração. O meu era um cupcake em
miniatura. Nós duas colocamos os colares na mesma hora.
Coloquei o de Kat no armário dela. Ela não comprou um cadeado quando fizemos nossas compras.
Disse que esqueceria a combinação de qualquer forma. Além do mais, ninguém na ilha roubava nada,
era totalmente seguro.
Quando vi Kat vindo pelo corredor mais tarde naquele dia, os olhos dela estavam vermelhos, e elanão estava usando o colar. O pingente dela era uma chave de ouro. Achei a chave bonita, mas também havia algo de forte e prático nela. Igual a Kat.
Ela passou direto por mim.
Tentei falar disso com Rennie mais tarde, ver se havia um jeito de fazer as coisas serem novamente como antes. Mas ela não quis saber do assunto. Não quis nem falar a respeito. Para Rennie, estava tudo acabado. Apagado. Ela tinha um jeito de fazer isso. Apagar as coisas de que não gostava. Mas eu não a vira apagar uma pessoa antes.
Enxuguei o rosto com um papel-toalha. Virei para jogá-lo no lixo e, de costas para ela, falei:
- Honestamente, eu nunca achei que seu hálito fosse ruim. Se você quiser saber. - Percebi que foram as primeiras palavras que lhe dirigi em anos.
Kat ficou ali olhando para mim, e sei que ficou surpresa.
Então, no último cubículo, ouvimos um som. Uma respiração curta, do tipo que você tem de forçar-
se a usar quando está chorando. Nós duas olhamos para lá.
- Quem está aí? - perguntei, em pânico, como se tivesse sido pega fazendo algo errado.
- Ei. Quem está aí? - perguntou Kat.
Não houve resposta. Então Kat marchou até o cubículo e chutou a porta com a bota, abrindo-a.

Olho Por OlhoWhere stories live. Discover now