Capítulo 15

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MARY
Estou na mesa da cozinha, terminando minha lição de casa. Tia Bette está ao telefone com uma de
suas amigas enquanto prepara o jantar.
- As coisas estão ótimas. Mary está me fazendo companhia - diz ela.
Apesar de as coisas terem sido um pouco estranhas nos primeiros dias, tia Bette está mesmo feliz por eu estar aqui. Nós entramos numa rotina ótima. Tento ficar fora do caminho dela e não interrompê-la quando está pintando. E, se a porta do meu quarto estiver fechada, ela me deixa em
paz.
Quando vim para casa altas horas daquela noite no cais, tia Bette ainda estava acordada. Eu implorei para ela não dizer nada a meus pais. Se descobrissem, eles provavelmente entrariam no carro e viriam me buscar. Tia Bette não disse nem sim nem não, mas meu pais não apareceram na minivan, então imagino que ela não tenha contado a eles.
Esse é o tipo de tia incrível que ela é.
Assim que tia Bette vai para a cama, saio sem fazer barulho para esperar Kat. Sento no meio-fio com as pernas estendidas. As outras casas estão escuras, e, lá embaixo, bem lá embaixo na colina, mal consigo ver a lua tocando a água. Se me concentrar de verdade, aposto que consigo ouvir o oceano.
Por fim, o conversível de Kat sobe a colina com os faróis desligados, e levanto da calçada. Ela para bem na minha frente.
- Ei - diz ela. - Está pronta para fazer isso?
- Totalmente - digo, pulando por cima da porta no assento traseiro. - Mal posso esperar para tirar minha habilitação. - Quer dizer, eu adoro minha bicicleta, mas com uma carta de motorista vou poder ir a qualquer lugar. Desde que tia Bette me empreste o Volvo dela.
- Por que você entrou aí atrás? Eu não sou um chofer - pergunta Kat.
- Eu não sei, pensei em deixar o assento da frente para Lillia - digo, ruborizando.
Sinto-me desajeitada e idiota até ela sair com o carro e dizer:
- Estou certa de que é isso mesmo que ela está esperando. Só o melhor para a princesa Lillia.
- Eu realmente não me importo - digo, inclinando-me para a frente.
- Claro que você não se importa - diz Kat, num tom desdenhoso, mas ela o faz de um jeito legal, como se fosse um elogio.
Logo estamos diante da casa de Lillia. É uma casa tão grande e moderna. Nem é realmente uma casa, é mais uma mansão. Lillia vive na parte rica da ilha, White Haven. A maioria das casas tem cercas vivas bem densas ao redor, de modo que não dá para ver como elas são exatamente. E tem
tanto espaço. As casas são bem distantes umas das outras, com grandes garagens onde cabem dezenas de carros, e belos jardins com gramados impecáveis.
Kat desliga o motor e apaga os faróis. Ela sopra os cachos para longe dos olhos e diz:
- Ela está atrasada. É tão coisa dela não ter consideração com mais ninguém.
Eu sorrio comigo mesma. Não digo o que estou pensando, que Kat também chegou atrasada.
Ficamos ali sentadas no escuro, e o vento fica mais forte. Kat fecha o moletom com capuz e se vira para mim.
- Você não está congelando? Deve ter um dos casacos de trabalho de Pat no porta-malas.
- Não - digo-lhe, puxando meu short rosa-pálido. - Não estou sentindo nenhum frio. Acho que
estou animada demais para sentir frio.
É quando Lillia aparece. Está tão escuro lá fora que só consigo ver seu rosto quando chega mais perto. Ela está descendo pela entrada de carros, vestida toda de preto. Camisa preta de gola olímpica, legging preta, sapatilhas pretas.
Kat começa a rir.
- Ó meu Deus.
Lillia corre até o carro, ofegante.
- Ei - diz ela, ocupando o assento do passageiro.
- Lillia, nós não vamos roubar um banco - diz Kat. - Isso não é um assalto.
- Temos de ter cuidado! - responde Lillia, na defensiva, e depois olha para mim no assento de trás e franze a testa. - Ah, bem. Acho que não importa.
Sinto-me como se tivesse feito a coisa errada de novo. Temos a mesma idade, mas essas garotas parecem tão mais velhas do que eu.
A casa de Alex não fica longe da casa de Lillia. Só alguns quilômetros. É tão grande quanto a dela, mas tem um aspecto mais tradicional, com muito tijolo aparente. Eles até têm seu próprio cais, onde há uma lancha ancorada. Kat reduz a velocidade e o farol assim que chegamos perto. Ela estaciona a algumas casas de distância.
Não posso acreditar que vamos mesmo fazer isso.
- Todo mundo se lembra do que tem de fazer? - pergunta Lillia a nós duas, mas ela está olhando para mim pelo espelhinho do para-sol do carro.
Ficou decidido que eu seria a vigia. Fico aliviada por não ter de arrombar a SUV dele. Ela pode ser uma tia legal, mas duvido que tia Bette conseguisse esconder dos meus pais se tivesse de me tirar da cadeia. Do modo como se preocupam comigo, eu passaria o resto da vida de castigo.
Kat revira os olhos.
- Só repassamos tudo umas quinze vezes. Não é assim tão complicado. O trabalho de Kat é procurar por um certo caderninho de Alex. Lillia diz que ele está sempre escrevendo nele, mas nunca deixa ninguém ler. Ela diz que é o diário secreto dele e está certa de que haverá ótima munição nesse caderninho, e Alex irá no mínimo desesperar-se por tê-lo perdido.
- Tá bem - diz Lillia. - Eu só queria ter certeza.
- Preocupe-se consigo mesma - diz Kat, inclinando-se sobre Lillia para abrir o porta-luvas e pegar uma lanterna. - Você está com o Retin-A®?
Lillia mostra uma bisnaga de creme.
- Isso basta? - pergunta Kat.
- São três meses de suprimento. Então acho que vai dar, sim.
Kat a olha de soslaio.
- Não sabia que você tinha problemas com acne, Lil.
- Minha mãe usa para prevenir rugas - diz Lillia, indignada.
O plano é Lillia tentar esvaziar o frasco de protetor solar de Alex e enchê-lo com o creme contendo ácido retinoico, que torna a pele hipersensível ao sol. De acordo com Lillia, Alex se cobre de protetor solar mesmo se for sair só um instante de casa. Basicamente, vamos fazê-lo ter a pior queimadura de sol de sua vida. Bolhas, pele descascando e tudo mais. Vai ser terrível.
Quando chegamos à entrada de carros, Lillia sussurra:
- Temos de ficar de olho na casa da piscina, é onde Alex fica.
- Eu sei disso - responde Kat, agressiva.
- Eu estava falando com Mary - responde Lillia, no mesmo tom.
- Meninas, vamos lá - sussurro. - Chega de disputas. - Eu me abaixo atrás da SUV de Alex, olhando para a casa. Kat disse que Alex estaria dormindo a esta altura, mas parece que ela estava errada.
Enquanto isso, Kat e Lillia já estão na SUV. Aparentemente, Alex não tranca o carro. Kat está no assento da frente, revistando a mochila dele, e Lillia está no assento traseiro, procurando a sacola de equipamento dele.
- Não estou vendo a sacola, Kat - diz Lillia, parecendo apavorada.
- Ele pode ter deixado no armário da escola.
- Então como é que vou trocar a loção?
- Quer se acalmar? Vamos pensar em alguma coisa amanhã - diz Kat. Alguns segundos depois, ela acrescenta: - Merda! O bloco de notas dele também não está aqui.
- Você está brincando? Pensei que tinha dito que ele deixa o caderninho no carro! - Lillia salta do assento de trás para o da frente. Ela revira o porta-luvas e depois o console e então abaixa os dois para-sóis. Mas o caderninho de Alex não está em lugar nenhum. - Podemos pegar os livros dele e jogar na água - diz Kat, pegando um livro.
- Não! Quem liga para os livros da escola? Ele apenas compraria livros novos. - Lillia parece a ponto de chorar, de tão brava que está. - Eu não vou embora sem aquele caderno.
Meu estômago parece revirar. Parecia tão fácil quando estávamos planejando. Eu dou mais uma olhada para a casa, daí contorno a SUV para ajudar a procurar o bloco.
Lillia ergue a cabeça subitamente.
- Por Deus, Mary! O que você está fazendo? Volte para seu posto! - ordena.
Fico onde estou.
- Eu só estava tentando ajudar...
Mas eis que Kat exclama:
- Achei! - Ela mostra triunfante um caderninho. Estava embaixo do assento. Kat e Lillia trocam
um "toca aqui", e então sorriem para mim. Eu faço um sinal de positivo com o polegar, muito aliviada.
Elas saem do carro. Kat fecha a porta, com um pouco de força demais. Nós duas corremos para o carro de Kat o mais depressa que podemos. Kat vai para o assento do motorista, eu mergulho no banco de trás.
Mas Lillia continua junto da SUV. Ela está parada na entrada de carros, olhando para a casa da piscina.
- O que ela está fazendo? - pergunto a Kat.
Antes que Kat possa responder, Lillia se abaixa e pega uma pedra grande num dos vasos junto da grama. Então ela joga a pedra no vidro de trás do carro de Alex, o que provoca um grande brilho, todos os cacos refletindo a luz da lua. O barulho do vidro quebrando ecoa pelo ar.
Kat e eu ficamos de boca aberta. Isso definitivamente não era parte do plano.
As luzes dentro da casa começam a acender-se. Primeiro no andar superior, depois as duas ao lado da porta de entrada.
- Merda, vamos embora! - grita Kat.
Lillia corre para nós, o cabelo negro e longo parecendo uma faixa esticada atrás dela. Saltando dentro do carro, ela grita:
- Vamos!
Nós saímos a toda, cantando pneus. Depois que estamos a alguma quadras de distância, Kat grita:
- Que diabos foi aquilo?
Lillia não responde. Ela está virada no assento, ainda olhando para a casa de Alex. Está ofegante, e tem um cortezinho no rosto, onde um caco de vidro deve ter batido.
- Lillia, você está sangrando! - digo.
Ela coloca a mão no rosto e depois a olha.
- É só um pouquinho - diz.
Nossos olhos se encontram, e ela pisca, parecendo chocada.
- Acho que eu me deixei levar pelomomento, não é?
- É, você se deixou sim - concorda Kat. - Mas aquilo foi demais! Parece que alguém vai ter de ir para a escola de ônibus amanhã! - Ela liga o rádio, sobe o volume e começa a dançar no
assento de uma forma selvagem.
Eu rio e ergo os braços, como se estivéssemos numa montanha-russa.
- Segure a direção! - exclama Kat. A música está a toda, assim como minha adrenalina.
Estamos voando. - Eu quero ver o que tem nesse caderninho!
Lillia se inclina e segura a direção enquanto Kat abre o bloco.
- Isso aqui está cheio de poesia! - ela grita mais alto que a música e o vento. - Todas as suas portas estão trancadas. Nenhuma das minhas chaves serve. O corredor mais longo leva até você, mas eu nunca chego ao final.
- Que coisa mais brega! - solto, num grito.
Kat continua, ofegante:
- Corredor mais longo. Longo, longo, corredor. Corredor mais longo.
- Puxa - diz Lillia. - Esse corredor parece mesmo longo.
Nós três caímos na gargalhada.
- Então, o que vamos fazer com isso? - pergunto.
- Sei o que podemos fazer. Vou tirar cópias de um desses poemas bregas - diz Kat, enquanto seguimos na direção da casa de Lillia. - E depois vou espalhar tudo pela escola.
Lillia não para de rir.
- Kat, eu sabia que você ia pensar em algo incrível.
Eu me inclino para a frente.
- Esperem, o que vamos fazer quanto ao Retin-A?
Lillia salta do carro diante de casa.
- Bem, ele certamente vai estar com a sacola de equipamento amanhã no treino de futebol. Eu só tenho de arrumar um jeito de entrar no vestiário masculino.
- Ele vai parecer um leproso! - exclama Kat.
Lillia ri e corre para casa.
- Boa noite, meninas.
- Boa noite! - grito para ela. E é exatamente isso o que é. Não, é uma noite incrível.

Olho Por OlhoWhere stories live. Discover now