Capítulo 9

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KAT
Meu pai, Pat e eu estamos sentados na sala com nossas tigelas de chili, assistindo a uma corrida de motocross. É o terceiro dia seguido de chili. Quando meu pai faz seu chili infernal, acabamos comendo só isso durante uma semana. Eu não aguento mais.
Levanto.
- Você lava os pratos hoje. Eu lavei ontem - diz Pat.
- Não houve pratos ontem. Usamos os potes descartáveis.
Ele olha de novo para a televisão e esfrega os pés nas costas de Shep.
- Sim, e eu tive de jogar tudo fora. Então hoje é oficialmente sua vez.
Mostro o dedo para ele, depois coloco meus pratos na pia e os deixo lá. Pat é um folgado. Ele está vivendo em casa desde que terminou o segundo grau, há dois anos. Faz algumas aulas na Faculdade Pública, mas na maior parte do tempo fica sem fazer nada.
No meu quarto, dou uma olhada no celular. Nenhuma chamada perdida, nem mensagens de Alex. Nada. Na verdade, eu queria falar com ele, sobre como sua amiga Rennie é desalmada, como ela
mereceu aquela cusparada. Mas não serei eu quem vai ligar, não quando ele disse que ligaria.
Em vez disso, ligo para Kim na loja de discos. Quando ela atende eu mal consigo ouvir por causa
do barulho.
- O que está acontecendo aí? - pergunto.
- Uma festa de alguma gravadora independente para uma porcaria de banda.
- Posso ir? Eu tive um dia terrível. Eu odeio minha escola, odeio Rennie Holtz e...
- Está bem, está bem - diz ela. Então pego minha sacola para a noite e começo a jogar coisas
dentro dela. Quem se importa se é dia de semana? Posso pegar a primeira balsa pela manhã. Ou
faltar. Estou a ponto de agradecer-lhe, mas Kim cobre o fone com a mão e diz: - Há outra garrafa de
uísque no porão. Vá lá e pegue. - Então percebo que ela está falando com outra pessoa.
- Kim? Por favor? - Sei que estou implorando, mas não me importo, preciso sair desta ilha esta
noite.
Ela suspira.
- Querida, não vou terminar aqui antes das duas da manhã. Ligue amanhã quando chegar da
escola, está bem?
- Claro, tudo bem - digo. Quer dizer, Kim está ocupada. Eu entendi. Sei que ela tem 23 anos e
nem quer mais saber desses dramas de secundarista. Mas preciso mesmo dela. Eu preciso de alguém Quando paro e me permito pensar no que houve hoje, mal consigo lidar com isso. Eu cuspi no
rosto de Rennie. E essa é provavelmente a coisa mais baixa que farei em toda minha vida. Deus, o
que minha mãe diria? Meu pai sempre se preocupou com não estar me criando para ser feminina o
bastante e que, lá no paraíso, minha mãe esteja desapontada. Ela era mesmo uma verdadeira dama,
muito gentil. Deve achar que a filha é um lixo. As mentiras que Rennie andou espalhando sobre mim
desde o primeiro ano, eu apenas provei que era tudo verdade.
Aposto que era exatamente isso que a bruxa queria. Cavar minha cova e me fazer entrar nela. Ela
sabe como me enfurecer. Mas sabe de uma coisa? Eu também sei enfurecê-la. A coisa funciona nos
dois sentidos. Por mais merda que Rennie tenha feito comigo, e não foi pouca, jamais desci ao nível
dela. Por que não? Quem sabe? Estou percebendo agora que devia ter colocado Rennie no seu
devido lugar faz muito tempo.
Decido andar um pouco e fumar para clarear a mente. Calço as botas e saio pela porta dos fundos.
Não preciso de Pat reclamando comigo por causa dos pratos outra vez. Eu lavo tudo quando voltar.
Se tiver vontade.
Está escuro lá fora, e a entrada está entulhada com as ferramentas de marcenaria do meu pai,
lascas de madeira, pregos retorcidos, por isso carrego Shep no colo até chegarmos à calçada. Um
casal rico, antes de deixarem a Ilha Jar no final do verão, encomendou uma das canoas feitas à mão
do meu pai. Ela estará pronta quando eles voltarem no ano que vem.
Vou direto para o bosque atrás da minha casa. Trouxe Alex aqui várias vezes neste verão. Há uma
clareira do outro lado, onde dá para estacionar o carro e ficar olhando o oceano. É ermo, ninguém
sabe sobre esse lugar. Um local secreto. Ficávamos ali no carro, ouvindo música, ou olhando a lua.
Nós apenas gostávamos de ficar juntos. Eu gostava de poder ser eu mesma com ele. E acho que ele
sentia o mesmo.
Caminho, deixando Shep cheirar tudo que quiser, enquanto fumo um cigarro. Quando ele já
queimou quase todo, jogo-o no chão e amasso com a bota até a guimba estar misturada com as folhas
de pinheiro e areia.
Quando ergo os olhos, eu a vejo, a SUV de Alex, estacionada na clareira. Com outra garota dentro.
Recuo até encostar numa árvore, então me escondo atrás dela. Quem é a garota? É a mesma da
festa, a que estava na cama com ele?
Estreito os olhos. A garota é pequena. Cabelo escuro.
Ó meu Deus. É Nadia Cho. Eu ensinei aquela menina a amarrar os sapatos. É a primeira coisa em
que penso.
E meu segundo pensamento é Alex Lind está me enganando? Com uma menina do primeiro ano?
Não posso acreditar. É evidente que ele não tem ideia de com quem está mexendo.
Recuo, o coração em disparada. Pego o celular. Tem uma barra. Qual era o número dela? Devo ter
discado esse número um milhão de vezes. Três, cinco, alguma coisa. Olho para as teclas, esperando
que o número apareça em minha mente. Três, cinco... quatro, sete.
Ela atende depois de quatro toques.
- Alô?
Mantenho a voz baixa e os olhos na SUV.
- Só para você saber, sua irmã está no carro de Alex Lind neste instante. No bosque! - Vamos
ver qual será a velocidade de Alex quando Lillia estiver correndo atrás dele, pronta para arrancar-
lhe as bolas com uma lixa de unha.
O telefone fica em silêncio por um segundo.
- Quem está falando? - diz Lillia.
- É Kat. Você me ouviu? Eu disse que estou a quinze metros de sua irmã e de Alex!
- Kat, minha irmã está em casa.
Estreito os olhos para tentar ver melhor. Está difícil de ver, mas juro por Deus que é Nadia na
SUV.
- Não estou brincando, Lillia. Eles estão bem aqui na minha frente. Eu normalmente não daria a
mínima, mas é que eu e Alex estamos juntos. Mais ou menos.
- Minha irmã está sentada no sofá ao meu lado. Não sei o que você está tentando fazer, mas, seja
o que for, esqueça. E, por favor, não me ligue outra vez.
Eu abro a boca para dizer que a irmãzinha dela e Alex estavam juntos na cama faz duas noites, mas
escuto a ligação cair. Olho novamente. Não posso dizer com absoluta certeza que seja Nadia. Quer
dizer, pensei que fosse, mas a questão é que Lillia não mente. Lillia Cho pode ter muitos defeitos,
mas, durante os anos em que a conheci, ela jamais mentiu. Então acho que não é Nadia. Acho que é
alguma outra garota de cabelo escuro na SUV de Alex. Outra garota que não sou eu.
Estou no velho VW Rabbit conversível do meu pai, todas as janelas abaixadas, a música tocando
tão alto que não consigo ouvir meus próprios pensamentos, que é exatamente a ideia.
Dou uma volta pela ilha, passando pelo farol na encosta, pelo grande cemitério da ilha com suas
velhas e assustadoras intrigas familiares, pelo aeroporto de uma pista, depois pela marina até estar
novamente no farol. Não há mais lugar algum para onde ir. A última balsa partiu do cais faz horas.
Senão, eu apenas apareceria no apartamento de Kim, tendo ela me convidado ou não. Mas estou
presa nesta maldita ilha, então apenas dirijo passando pelos mesmos lugares de novo e de novo.
Por que estou surpresa? Seja quem for essa garota, ela certamente não vai cuspir no rosto de
ninguém, não vai ter uma porcaria de emprego que a deixa cheirando a peixe para economizar para a
faculdade, ninguém vai lhe dizer que ela ou sua família são miseráveis. Pensei que podia ter mudado
a impressão de Alex sobre mim neste verão. Erro meu ter pensado assim. Ele não mudou. Ele é tão
ruim quanto o resto de sua turma. Ele acredita nas mentiras de Rennie, como todo mundo neste lugar
idiota.
Olho novamente para o relógio e já passa da meia-noite, e só tenho um quarto de tanque restando.
Meu pai vai me matar se eu devolver o carro na reserva novamente. Há uns poucos postos de
gasolina na ilha, e sigo direto para o mais barateiro, perto do Bow Tie, aquela porcaria de
restaurante italiano em Canobie Bluffs que cobra os olhos da cara, mas que os turistas adoram.Estou colocando gasolina, então olho do outro lado do estacionamento e os vejo, Reeve, Rennie,
PJ e aquela cabeça vazia da Ashley. Lillia não está lá. Acho que ela estava dizendo a verdade. Ela
realmente está em casa com Nadia. De qualquer forma, eles estão lá perto das lixeiras, Rennie
sentada no capô da perua de Reeve, e estão passando uma garrafa de vinho de mão em mão.
Alex me falou sobre isso. Rennie trabalha no Bow Tie como recepcionista e paquera os barmen
para que lhe deem bebida de graça. Ela leva as garrafas para fora junto com o lixo e, depois que o
restaurante fecha e todo mundo vai para casa, volta com seus amigos idiotas, e eles bebem a noite
toda.
Eu devia chamar a polícia. Eu devia, mas não vou. Não sou assim.
Mas com alguma sorte outra pessoa chamará, porque eles estão fazendo muito barulho. De onde
estou, dá para ouvir cada palavra.
Dois faróis aparecem na rua. Reeve tira Rennie do capô, e eles se escondem atrás do carro, mas
então PJ grita.
- Alex! - E o grupo todo corre até a rua e para junto da SUV.
- Nadi! - grita Rennie, e corre até a janela do passageiro. - Você não devia estar na cama?
Eu sabia. Era Nadia!
Todos conversam por uns segundos antes de Alex começar a buzinar para os amigos saírem do
caminho. Acho que ele está com pressa para levar Nadia de volta para casa. Já passa da meia-noite
num dia de semana, e a Sra. Cho mataria Nadia se a pegasse fora de casa. A Sra. Cho é muito legal,
mas é também muito rígida. Uma vez, quando eu e Rennie estávamos lá nadando, ela mandou Lillia
para o quarto por uma hora porque achou que a filha a desrespeitara.
Quando Alex se afasta, Rennie me vê olhando e aponta para mim.
- Ah, lamento, Kat, mas acho que esse posto não aceita tíquetes! - grita ela.
Eu finjo não ter ouvido. Não aguento ter de lidar com ela duas vezes no mesmo dia.
Reeve se empolga.
- Puxa vida, Kat! Você não vai deixar Rennie falar assim, não é? Vamos lá! Você é durona! -
diz ele, rindo. - Eu não mexeria com você.
A gasolina começa a vazar do tanque, e recoloco a mangueira no lugar. Minha mão está tremendo.
Rennie pensa que só porque ela vai para São Bartolomeu, ou seja lá aonde for com a família de
Lillia nas férias, está no nível deles. Mas não está. Ela mora num apartamentinho de dois quartos com
a mãe divorciada, que trabalha no Bow Tie porque precisa. O Jeep que Rennie dirige foi
praticamente um presente do amante casado de sua mãe. Rennie pode fingir, mas nós duas sabemos a
verdade. Eu sou pobre, mas ela também é.
Estou de volta ao meu quarto quando toca o bip de mensagem do celular. É Alex.
Vc tá acordada? Estou por perto se quiser conversar.
Jogo o celular do outro lado do quarto. Aquele idiota. Como se eu fosse querer voltar a falar com ele algum dia. Ele não merece ser meu amigo e definitivamente não merece ficar comigo. Ele anda
com aqueles imbecis da Rennie e do Reeve. Acha que é uma pessoa de qualidade, mas, no que me
diz respeito, isso só o torna tão ruim quanto os outros. Eles me fazem ter vontade de vomitar, cada
um deles. Poderiam cometer um assassinato e escapar impunes nesta ilha. Fazem o que querem e
ferram a tudo e a todos.
Hoje falei para aquela garota no banheiro que Reeve ia ter o que merecia, que o carma não falha.
Eu estava falando sério naquela hora, mas agora não tenho tanta certeza. Quando foi que Rennie
pagou por tudo de ruim que fez comigo? Nunca. Estou cansada de esperar pelo carma. O carma que
se dane.

Olho Por OlhoWhere stories live. Discover now