Agulhas? O que estão fazendo aqui?

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Os raios solares ultrapassavam a persiana do quarto de Luna. Emmat se espreguiçou e abriu os olhos. Observou o ambiente e se virou, ainda despida da noite anterior. Sentiu que Luna não estava mais ao seu lado e deslizou a mão para procurá-la entre os lençóis, mas não encontrou absolutamente nada. Num salto ela se levantou, vestiu sua camisa xadrez azul e deu passos medianos aos ruídos vindos da sala.

Um suave jazz tocava e preenchia as quatro paredes da sala com o corpo de Luna, agora vívida, que pintava uma tela de 60cm×60cm com a cor perolada destacada nas cerdas do pincel. Ela deslizava o pincel suavemente, sem pressa. Os cabelos brancos estavam amarrados num coque bagunçado e só usava delineador no rosto, a sua boca sempre esteve em um tom impecável avermelhado e usava seus alargadores na casa dos 15mm. Emmat estava a olhar o desenho no quadro - provavelmente uma fada -, e Piettra notou a presença dela na sala. Levantou-se e foi até ela.
- Bom dia, amor. - Luna abriu o sorriso e beijou Emm. - Gostou da noite de ontem?
- Eu repetiria se tivesse algum botão de replay. - Emm, ainda abraçada em Luna, acariciou seu rosto.
- Faremos isso à noite. Preciso ir à loja, ela não se vende sozinha - riu -, e se pudesse ficar aqui cuidando do apartamento eu agradeceria bastante.
- Eu fico. - Emmat concluiu com a cabeça para Luna.
- Não precisa fazer nada demais, ok? Quando voltar, eu lavo as louças e limpo os quartos. Depois do que aconteceu com você - ela entristeceu os olhos - quero que descanse.
- Tudo bem Luna. Eu agradeço a sua generosidade que teve por mim.
- Então, nos vemos daqui a algumas horas - Luna abriu a porta e desceu as escadas -, até Emm!
- Até!  - Emmat retribuiu.

A saída de Luna do apartamento possibilitou uma exploração mais vasta daquele lugar. Emmat decidiu lavar as louças e limpar os quartos para obter tempo suficiente e checar tudo cuidadosamente; logo depois das tarefas cumpridas, Emm abriu o guarda-roupa. O móvel era branco e tinha um cheiro de naftalina, mofo e madeira - inconfundível - como também cheirava a couro. Com a ajuda de uma banqueta, subiu e teve acesso à uma pequena estante do guarda-roupa. Havia uma caixa roxa decorada com arranjos dourados e pedrinhas pretas, com os apoios em forma de tigres. Um tigre maior estava em cima da tampa da caixa com o que parecia ser um setro em suas mãos, rugindo e mostrando os dentes e presas. Emm apalpou a caixa e desceu da banqueta. Sentando na ponta da cama, abriu a caixa e começou a ler alguns papéis.
"Comprar:
O livro das Revelações, de Vriant Bicenni;
O olho do Topo, de Mary Vencil;
Vidro e Lousa - Objetos para Incorporar, de Thomas Montenegro;
Os Rituais Satânicos, de Anton Szandor Lavey".

Emmat já ouvira falar de Anton Szandor Lavey. Ele fundou uma igreja satânica e LaVey afirmou ter visto que muitos dos homens que participaram de obscenidades nas noites de sábados, participavam de reuniões de avivamento em igrejas em tendas nas manhãs de domingo, que reforçaram a sua visão cada vez mais cínica da religião. No prefácio à versão alemã de A Bíblia Satânica, ele cita isso como sendo o impulso de desafiar a religião cristã. Acusou também membros freqüentadores da igreja como adeptos de uma dupla moral.

Mas, por quê Luna possui esses livros de rituais satânicos?
A pergunta logo foi respondida. Ao vasculhar mais o fundo da caixa, um candelabro e um símbolo satânico estavam cobertos com uma capa enveludada púrpura. Mais ao fundo, uma imagem de Baphomet e mais papéis dobrados estavam num saco preto. Porém, um papel rosa dentro do livro de Mary Vencil caiu e chamou a atenção de Emmat naquele instante. Ela desdobrou o papel dividido em quatro, e leu.
"Ritual de Agulhas, praticado por seguidores secretos da Sociedade Oculta Satânica M.O.L.

Um ritual que necessita de objetos precisa da manipulação correta dos espíritos presos e almas que não foram ao submundo. Leia mais sobre esta manipulação no capítulo 2."

Emmat estava tendo muita dificuldade em ler aquele papel, mas manteu a calma e continuou.
" Uma pessoa deve ser escolhida pelo seguidor de acordo com os princípios estabelecidos pela Sociedade. O seguidor, então, deverá manter um símbolo onde a pessoa deverá ter uma relação sexual com o seguidor e, duas horas após a relação, a pessoa estará num sono profundo concebido pelo símbolo - momento em que o seguidor deve recolher uma seringa de sangue e cobrir o símbolo com este mesmo sangue. De preferência, a pessoa deve estar sobre o símbolo durante o ritual. Fortes pressões no corpo da pessoa manipulada representam a absorção das agulhas na pele e alma. A citação do trecho abaixo realiza o mandato de iniciação e a transferência de corpo:
'Nestri, vi souvoi trav mosh piov laiki, piven au lo'q di laiviy.'"

Emmat soltou o papel e começou a pensar se Luna pôde ter feito esse ritual enquanto estava dormindo. Desesperada, ela arrastou a cama, revelando um símbolo satânico em pólvora queimada e sangue; e Emmat estava muito assustada. Com medo, continuou a ler o papel rosa - mesmo que quisesse parar, Luna já havia feito o ritual - e chorou ao ler cada palavra que explicava passo-a-passo o que Piettra fizera naquela noite.
"As agulhas servirão como um controle para que o seguidor utilize e ordene o que a pessoa deverá fazer a favor do seu novo mestre. Caso o escravo desobedeça, o seguidor espetará uma agulha em qualquer objeto, fazendo com que o escravo tenha sensações de estar em uma fogueira; porém o mesmo não será consumido pelo fogo.
Em cicatrizes e machucados,  surgirá símbolos e sinais que o seguidor pode citá-los caso o escravo fuja, invocando uma besta para matar o escravo fugido, reiniciando o processo do zero através da revelação das almas aprisionadas."

Emm não se conteu e começou a gritar. Os gritos representavam a sua fúria após ter descoberto o que Luna queria com ela desde o começo. Ela desceu e se encostou na cama, e de repente, as suas costas começaram a arder e; sem explicação, Emm se afastou da cama instintivamente e se levantou para analisar a cama, temendo algum bicho que estivesse ocasionando a queimação. Mas, ela revisou as palavras que leu no papel e começou a se virar no espelho do guarda-roupa e a subir a sua camisa; e no seu rosto, a sua expressão já indicava uma tragédia: os machucados de Emmat adquiridos na briga no acostamento viraram símbolos que, em seu mundo, eram indecifráveis.

Ela quebrou todo o quarto de Luna naquela tarde, e no mesmo momento, o telefone fixo tocou.

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