Emmat e Seu Mundo (5)

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Algumas semanas depois que Rosita morreu, eu e Jade ficamos realmente muito próximas. Ela me contava o que acontecia no trabalho e cozinhava duas vezes na semana para mim, enquanto eu cozinhava nos últimos três dias da semana. Quando era final de semana, sempre pedia pizza, sushi ou qualquer coisa que evitava ela ou eu de ir pro fogão. Com o sorriso mais lindo do mundo, Jade conseguia me transformar em uma pessoa honesta e civilizada.
Numa quinta-feira, ela chegou como as horas permitiam: 19h05. Tirou as botas de veludo marrom e o casaco de couro, pendurou as luvas e desenrolou o cachecol com seu perfume - todo este capricho para não pegar um resfriado, afinal, estava nevando forte. Soltou os cabelos e enfim, pôde ficar mais a vontade na sua casa.

Aquela noite tinha de ser diferente - pensei.
Preparei uma receita que achei em um dos livros da bancada, um macarrão com almôndegas e algum molho que comprei.
Depois disso, joguei o avental na bancada e subi as escadas direto para o banheiro. Vinte minutos depois, eu saí do banho e vesti um vestido preto justo, com um salto e brincos da mesma cor. A maquiagem foi rápida: batom vermelho, lápis, rímel e delineador gatinho. Usei um perfume que Jade havia comprado para mim e os piercings que ela também comprou.
Eu estava pronta para fazer aquela noite a melhor de todas.

Jade entrou no mesmo instante em que descia as escadas e fui quase tropeçando no salto alto para terminar os preparativos. Ela começou:
- Hey, Emmat! Como foi seu dia aqui hoje?

De longe com as mãos ocupadas, respondi:
- Ah, bem como todas as vezes Jade! Mas hoje é um dia especial, não é igual os outros.

Arrumando a barra do vestido colado que subia no meu corpo e vendo o estado da maquiagem no espelho, recebi dela:
- Mas o que tem de tão grande nessa quinta-feira?

Em uma breve pausa para conseguir fôlego, a respondo:
- Hoje é o meu aniversário, Jade.

Ela imediatamente correu a cozinha e viu o que eu havia preparado, com todo o amor que ainda havia dentro de mim.
- Emm! Ah... eu não sabia disso. Me desculpa, e eu prometo que vou te trazer um presente amanhã de manhã! Feliz Aniversário, Emmat Winters! - gritou, me dando um enorme abraço e um beijo no rosto.

Jade estava deslumbrante como todos os dias que retornava. Os cabelos pretos longos, os olhos verdes absurdamente claros como olivas e a pele de uma pantera continuavam sendo os maiores destaques naquela mulher. Trabalhava todos os dias numa loja de limpeza como gerente e estava terminando a faculdade de psicologia que sempre levou a sério.
- Vou ir tomar uma ducha antes de comemorarmos. - Jade encerra nosso abraço.

Digo que sim com a cabeça e volto a cozinha para arrumar a mesa na sala de jantar.
Nessas poucas semanas, tínhamos nos tornado grandes amigas; mas eu estava pronta para dar o próximo passo.

Ela tem que ser minha namorada.

Jade retorna, vestindo um leve vestido azul e o cabelo preso para cima num coque bagunçado, com verdadeiros cristais em suas orelhas e saltos prateados. Nada de maquiagem em seu rosto. Estaria linda? Perfeita ou maravilhosa? Talvez até mesmo esplêndida... Não importa os adjetivos que eu posso usar. Nenhum deles iriam dizer por completo sobre a beleza que Jade sempre portou.

Conversamos sobre música, jogos, o famoso dia-a-dia e sobretudo, o meu passado que não era tão longínquo assim.
- Emm, você não se importa de ir pegar alguma bebida pra gente? - Ela disse enquanto degustava a comida. - Está maravilhoso!
- Claro! Eu me esqueci disso... pensei que você não bebia.
- Tá tudo bem, cara! - Jade riu com aqueles malditos e maravilhosos dentes à mostra.
Servi para nós duas vinho.
- Eu espero que você não tenha colocado nada no meu vinho, louca! - Ela murmura sorrindo.
- Eu não sou nenhuma maníaca pra fazer isso, vai se foder! - Solto um riso malicioso para assustá-la.
- Então eu confio em você, bobinha.

Comemos enquanto conversávamos sobre a família dela, que não via há muito tempo. Ela não tinha saudades, porque eles não a apoiaram com a escolha da faculdade - psicologia -, muito menos em morar sozinha com a irmã. "Felizmente", ela ainda manteve os seus votos religiosos e tudo mais. Não ficou louca por ser julgada de maneira errada.
- E você Emmat, acredita que alguém vai te salvar?

...
...
..
.
os meus pensamentos começaram a desabar.
ninguém tinha me perguntado isso.
era certo o que eu ia fazer com ela?
alguém vai me salvar?
isso existe, de fato?
ah... de novo não...
n-não Emmat...
a...g...ora n-não...
...
..
.
- . . . e u n ã o s e i , j a d e . . . - As minhas lágrimas caíram a tona, borrando o delineador, o rímel, o lápis, o vestido, o forro de mesa, a comida, o vinho tinto, o momento e os meus sentimentos.
- Emm, não, espera! Eu não queria t...
- Mas fez. E você não está errada... ninguém vai me salvar. É o que acredito, porque tudo o que fiz não é perdoável.
- Olha, é melhor sairmos desse assunto. Tudo bem?
- Ok, Jade.
- Eu cuido da cozinha hoje, pode subir e trocar de roupa. - Jade puxa uma mecha do cabelo e começa a deslizar os fios nas pontas dos dedos. - Já estou subindo.

E foi assim que terminamos: Jade e eu, intrigadas. Decidi naquele dia que não iríamos conversar mais sobre religião.
Subi e tirei o vestido. Mirei olhares para o espelho e novamente, lá estava eu com a vontade de arrancar a roupa dela e beijar aqueles seios maravilhosos. Ainda não havia desistido da ideia de tentar. Era o que fiz de melhor em toda a minha vida.
Tirei o salto e a maquiagem, vesti uma babydoll branca em detalhes rendados e tratei de bolar algo antes que aquela noite acabasse numa memória morta. Jade iria subir a qualquer momento, então corri ao seu quarto e me sentei na cama.
Ela subiu logo depois.
- Hey, Emm... ainda está magoada comigo?
- Não, Jade. Não tem como ficar com raiva de você, ainda mais nesse...
- ... nesse? - Ela levantou uma sombrancelha.
- ... nesse vestido. Jade, eu preciso te confessar uma coisa, antes que isso me sufoque e me impeça de falar. Em todo esse mês que passei aqui, você pôde me fazer entender tudo o que aconteceu até agora... e ninguém fez isso por mim. Todas essas coisas incrivelmente ajudaram a me tornar sã da minha própria loucura. Desde o chá que você me deu naquelas noites aterrorizantes que eu sofria com meus pesadelos, até os mimos, onde você me permitia sentir um pouco de mim mesma nesse caos. Você me ouviu quando eu precisei. Eu não sinto mais aquelas coisas, porque, eu... eu... Jade, eu...

Ela já havia deduzido as próximas palavras.
- Você...?
- Eu te amo, Jade. Eu amo tudo em você. Seu sorriso perfeito me arranca todos os suspiros que tem direito, e essas marquinhas do seu rosto... sabe? Eu não sei explicar isso. Mas me fascina. Algumas pessoas são atraídas pelo o que não conhece. E eu sou assim...
- Bem... Emmat... eu nunca esperava isso de você. - Ela ficou pálida e cabisbaixa, parecendo que algo havia a constrangido. - O problema é que... eu não sou de romances. Eu não vejo problema em te namorar ou algo do tipo, mas...
- Você só quer negar isso e você mesma nunca tentou fazer isso. Por que não fazemos o que você disse? - sugeri. - Vamos começar coisas novas, até uma comemoração melhor do que essa. Você se sentiu mal, não se sentiu?
- É, Emmat.

Eu a soltei, então, pelos pulsos, e subi as mãos pelos seus braços, escorregando-as lentamente. Prendi-a ao meu olhar misterioso e pressionei o seu corpo ao meu. Uma das minhas mãos subia a sua nuca, entrelaçando meus dedos ao cabelo escuro. Abaixei os lábios, quase roçando-os nos dela. Engolindo em seco, ela me perguntou:
- Você me acha bonita?
Eu a olhei com ar sério.
- Eu acho você linda.
- Linda?
- Sabe... você é tão linda que chega a doer em mim.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos, e eu não sabia o que esperar dali. Eu e ela, juntas?
Provavelmente depois disso, não.

- ... vamos tentar, Emm. - Jade correspondeu com um sorriso. - Então, como ainda quer comemorar seu aniversário?
- Eu quero você hoje à noite.

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