capítulo 27

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MEU MUNDO CAIU, GIROU, balançou e ficou de cabeça para baixo.

Só olhava para o GPS. O endereço completo estava registrado como 260 VT-14, Kraftsboro, Vermont. Eu o conhecia. Não fazia muito tempo que o havia digitado no meu próprio GPS.
Era o endereço da Colônia Renovação Criativa.

Meu melhor amigo tinha visitado o retiro onde louis estivera seis anos atrás. O lugar onde se casara com Stanley. Onde, mais recentemente, Jed e sua gangue tentaram me matar. Por alguns segundos, talvez mais, não consegui me mexer. Fiquei sentado no carro. O rádio estava ligado, mas não conseguiria dizer que música estava tocando. Parecia que o mundo havia
parado. Demorei um pouco para assimilar a realidade, mas, quando consegui, ela me atingiu como uma bolada.

Eu estava sozinho.

Até meu melhor amigo havia mentido para mim. Ou melhor: ainda estava mentindo. Espere, pensei. Tinha que haver uma explicação lógica. Tipo o quê? Que explicação poderia haver para que niall tivesse aquele endereço no GPS? Que diabos estava acontecendo? Em quem eu podia confiar?

Só sabia a resposta dessa última pergunta: ninguém.

Sou adulto. Considero-me bastante independente. Mas naquele momento, acho que nunca me senti tão pequeno e tão desesperadamente sozinho.
Balancei a cabeça. Ok, harry, saia dessa. Chega de autopiedade. Hora de agir.

Primeiro verifiquei o restante da lista de locais no GPS de niall. Não havia nada de interessante. Encontrei seu endereço de casa e cliquei nele para me guiar até lá. Peguei a estrada. Fiquei trocando a estação de rádio, procurando a canção perfeita, sempre ilusória. Não encontrei. Passei a
assoviar junto com qualquer porcaria que tocasse. Não resolveu. Os canteiros de obra na estrada
martelavam sobre o que havia sobrado da minha psique.

Passei a maior parte do percurso tendo conversas imaginárias com niall. Cheguei a ensaiar como o abordaria, o que diria, o que ele poderia responder e como eu o desmentiria. Apertei o volante com mais força quando entrei na sua rua. Olhei o relógio. Ele tinha um
seminário que só acabaria dali a uma hora, portanto, ainda estaria por lá. Bom. Estacionei perto da
casa de hóspedes e fui até a principal. Pensei outra vez no que fazer. A verdade era que precisava de
mais informações. Não estava pronto para interrogá-lo. Não sabia o bastante. O axioma simples de Francis Bacon, que enfatizamos constantemente para os alunos, aplicava-se bem ali: conhecimento é
poder.

Niall escondia uma chave sobressalente de casa numa pedra falsa ao lado da lixeira. Você
pode se perguntar como eu sabia disso: somos melhores amigos. Não temos segredos um para o outro.
Outra voz disse em minha cabeça: não seria isso tudo mentira? Nossa amizade terá sido verdadeira? Pensei no que Cookie tinha sussurrado para mim naquele bosque escuro: "Se você não parar, vai matar todos nós."
Ela não havia exagerado. No entanto eu não parava, ali estava, me arriscando, sem saber quantas eram "todas" aquelas vidas. Quem eram "todos"? Não estaria eu o tempo inteiro, num certo sentido, pondo-os em risco? Seria a função de niall, não sei, ficar de olho em mim ou algo assim?

Não vamos ficar completamente paranoicos por causa disso.
Tudo bem, um passo de cada vez. Ainda havia a possibilidade de uma explicação inocente para o endereço de Vermont estar no GPS. Não sou um cara muito criativo. Tenho o hábito de ver as coisas de forma linear. Talvez alguém tenha pedido o carro emprestado, por exemplo. Talvez alguém possa tê-lo roubado. Talvez uma das suas conquistas na madrugada quisesse visitar uma fazenda orgânica.

Talvez eu estivesse mais uma vez me enganando.

Coloquei a chave na fechadura. Será que eu ia mesmo cruzar aquela linha? Investigar a vida do meu melhor amigo?

seis anos depois ➡ l.s. (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora