Capítulo 5

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O primeiro sinal de que havia alguma coisa errada foi durante o elogio fúnebre. Palmetto Bluff estava mais para um condomínio gigante com guarita do que para uma cidade. O "vilarejo" recém-construído era bonito, limpo, bem cuidado, historicamente preciso -tudo isso dava ao lugar um ar de estabilidade, uma sensação de falsidade, como no Epcot Center da Disney. Tudo parecia perfeito demais, a reluzente capela -sim, mais uma -se erguia sobre um morro tão pitoresco que parecia uma foto. O calor, no entanto, era bem real -uma coisa viva, que emanava uma umidade tão densa que parecia uma cortina de fumaça.

Outro efêmero momento de lucidez me fezquestionar o que estava fazendo ali, mas descartei-o. já estava lá mesmo, o quetornava a pergunta inútil. O hotel de Palmetto bluff parecia cenário cinematográfico. Entrei no bar bonitinho e pedi um uísque puro a uma garçonete bonitinha.

-você veio para o funeral ?

-sim.

-trágico

Assenti e olhei para minha bebida. A garçonete bonitinha entendeu a dica e não disse mais nada.

Orgulho-me de ser um homem esclarecido. Não acredito em fatalidade, destino ou em nenhuma dessas superstições bobas. No entanto, ali estava, justificando minha conduta impulsiva precisamente dessa maneira. Eu devia estar aqui, disse a mim mesmo. Fui forçado a pegar aquele voo. Não sabia o por que, tinha visto com meus próprios olhos Louis se casando com outro homem, e ainda assim, mesmo agora, não conseguia aceitar aquilo, sentia necessidade de um desfecho. Seis anos antes, Louis me dera um fora com um bilhete dizendo que ia se casar com o ex-namorado. No dia seguinte, recebi um convite para o casamento. Não era de espantar que isso tudo ainda parecesse... incompleto. Agora eu estava ali, na esperança de encontrar, se não encerramento, uma conclusão.

É impressionante como conseguimos, realizar tudo quando queremos muito alguma coisa.

Mas o que exatamente eu quero ali ?

Terminei a bebida, agradeci a garçonete bonitinha e, cauteloso, me dirigia capela. Mantive-me afastado, é claro. Eu podia ser horrível, insensível e estar movido por um interesse pessoal, mas não a ponto de incomodar um viúvo enterrando o marido. Fiquei atrás de uma arvore -um palmito , é claro -sem ousar sequer dar uma espiada nos presentes.

Ao ouvi o hino fúnebre de abertura, percebi que o caminho estava tão livre quanto seria possível. Uma olhada rápida confirmou essa impressão. Todos se encontravam dentro da capela. Fui ate lá. Um coral gospel cantava. Em uma palavra era magnifico. Sem saber muito bem o que fazer, tentei abrir a porta, vi que não estava trancada (obvio) e empurrei-a, baixei a cabeça ao entrar, colocando a mão no rosto como se estivesse me coçando.

Foi um disfarce horrível, eu sei.

Nemhavia necessidade. A capela estava lotada, fiquei no fundo com os que chegaramatrasados e não acharam lugar para sentar. O coral terminou de cantar e umhomem -não sei se era pastor, sacerdote ou o que -subiu ao púlpito. Começou afalar sobre comoStanley era "um medico atencioso, bom vizinho, amigo generoso e um maravilhosopai de família" medico. Não sabia disso. O homem salientou as qualidades deStanley -a caridade, a personalidade carismática, o coração generoso considereaquilo como um discurso fúnebre padrão -temos o habito de supervalorizar osmortos -mas via lagrimas nos olhos dos presentes, a forma como assentiam a cadapalavra, como se fosse uma canção que só eles pudessem ouvir.

De minha posição lá no fundo, tentei vislumbrar Louis lá na frente, mas havia muitas cabeças no caminho. Não queria chamar atenção, então parei. Além disso, eu já tinha entrado na capela, dado uma olhada e ouvido palavras elogiosas sobre o falecido. Não era o bastante ? o que mais havia para eu fazer ali ?

seis anos depois ➡ l.s. (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora