Profundidade

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"Sem antes dizer que foi passageiro,lembre-se que foi real..."


"As palavras são a memória que deixamos escrita,a razão de expressar o que sentimos através de uma arte singular.Mas as palavras por si só não dizem muito quando acompanhadas por um vago motivo ou mesmo uma mínima importância;é como deixar que alguém vá embora sem ao menos dizer que sua presença foi inesquecível..."

Quando a sensibilidade é maior que o medo,existem razões para acreditar que tudo vai dar certo.Mesmo quando a dor e a saudade estão presentes como uma sensação fixa,quando deixamos a esperança iluminar nossos pensamentos há uma possibilidade,e é isso que mantem a fé como um porto seguro.

O toque de seus dedos sempre foi algo surreal;era como se cada parte deles soubesse que só existia paz quando estavam juntos,numa completude que transformava cada instante numa eternidade particular.Ele parecia feliz naquele dia,que apesar de nublado se mostrava agradável.Estavam na praça onde se beijaram pela primeira vez e Lucas ainda lembrava de cada detalhe,desde o silêncio de uma noite fria e serena até o sabor adocicado de um beijo sincero que tornou seu coração um templo de calmaria.

Ele estava realmente feliz,e mesmo quando começou a chover essa sensação não passou,na verdade a forte chuva o fez sorrir como uma criança que testemunhava tal fenômeno pela primeira vez.A água molhava seu rosto e seu sorriso se transformava em algo inexplicável;Lucas tinha a impressão de que o paraíso tinha um nome específico e esse nome era Fábio.Os dois estavam na chuva agora,seus corpos completamente molhados se uniram numa dança sem ritmo,traçada apenas pela melodia do momento.Lucas olhou em seus olhos e soube mais uma vez que não existia nada melhor que estar à seu lado,nada além da vontade sem limites de lhe entregar seu coração.De repente,ele abriu os olhos e sem querer entendeu:foi apenas um sonho,era sua alma tentando dizer que aquele momento talvez ainda pudesse acontecer.

Lucas se levantou e percebeu que estava agarrado ao travesseiro de Fábio;queria sentir sua presença mesmo que de forma simples.O quarto parecia menos convidativo sem seu dono ali,como se até o ambiente percebesse que algo estava diferente e distante do habitual.Lucas tomou banho e em seguida desceu até a sala para se despedir do pai de seu namorado,não queria parecer confortável ali gerando algum incômodo.Quando percebeu sua chegada,o homem se aproximou.

-Bom dia Lucas,você acordou cedo mas podia dormir mais um pouco se quisesse.Eu não sou tão bom na cozinha quanto minha esposa,por isso só preparei o café e tem um bolo que comprei na padaria aqui da frente.Você dormiu bem rapaz?-Disse ele

Lucas estava cada vez mais surpreso com as atitudes do pai de Fábio,ele parecia uma outra pessoa agora.O jovem acreditava que tal transformação era consequência do acidente de seu filho,pois quando um trauma como esse surge,os envolvidos na situação tendem à reavaliar seus conceitos e ideias sobre a vida,o que explicava a aceitação tardia de seu relacionamento.O homem parecia querer compensar sua antiga intolerância através de atos simples,e isso era especial para ele;era como se à partir de agora eles pudessem estabelecer uma real e firme relação de amizade.

-Obrigado senhor,eu dormi bem sim.Não precisava se preocupar com o café da manhã pois vou direto para o hospital.Eu quero agradecer por tudo,mas eu preciso ir saber como o Fábio está,pois estou preocupado depois do que houve ontem...-Disse Lucas

O homem concordou mas insistiu para que se alimentasse antes de sair assim tão cedo.Os dois sentaram-se à mesa e conversaram um pouco sobre vários assuntos.Pela primeira vez em semanas Lucas conseguiu rir um pouco,com uma piada boba contada pelo pai de seu namorado;os dois pareciam mais abertos a cada conversa.Entretanto algo começou a chamar a atenção do jovem;o homem parecia querer mantê-lo ali por mais tempo,como se sua saída da casa fosse algo perigoso ou que pudesse lhe fazer desmoronar em sua tristeza escondida atrás de piadas sobre pescadores.

Depois de quase uma hora ali,Lucas se despediu e já com a sua mochila no ombro,foi em direção a porta quando ao fundo a voz de seu sogro pareceu mais firme:

-Lucas,não precisa ir ao hospital hoje.O médico me ligou mais cedo e...não precisa ir hoje,não mesmo.-Disse o homem num tom sombrio

Lucas precisava ir até o hospital ver seu namorado,sabia que era o certo a fazer e prometeu não abandoná-lo sob hipótese alguma.Mas o tom da voz do pai de Fábio o fez parar alguns passos antes de chegar a porta;algo estava errado e isso o fez sentir um medo que já conhecia.

- O que o médico disse?Como ele está?-Questionou o jovem

O homem ficou cabisbaixo e parecia não querer falar mais nada.Virou-se para a mesa e começou a recolher as xícaras e levá-las para a cozinha.Lucas foi atrás dele e mais um vez fez a pergunta.

-Por favor senhor,o que o médico disse sobre o Fábio?Ele está melhor,o que houve?-Insistiu ele

O pai,agora sob a bancada da cozinha estava de costas e não respondeu de imediato.Lucas sentiu que algo estava realmente errado,pois se o médico havia ligado por que não falar sobre o estado de seu filho?De repente,um choro leve começou a ser ouvido pelo jovem;o homem que momentos antes parecia tranquilo,estava agora colocando pra fora algo que Lucas ainda não tinha total conhecimento.Uma das xícaras caiu no chão e,com o som de vidro quebrado ainda reverberando em seus ouvidos,o homem disse aquilo que iria tornar Lucas mais fraco e vazio do que nunca:

-Ele está em coma.O médico ligou e disse que depois da parada cardíaca,durante a madrugada ele entrou em coma profundo e que...Talvez ele não acorde nunca mais.

Aquelas palavras atingiram o jovem como um punhal,cravado em seu peito e capaz de dilacerar sua alma por inteiro.Lucas sentiu qualquer resquício de força desaparecer de seu corpo;suas pernas começaram à tremer e seu coração perdeu a noção de ritmo para as batidas.O pai de Fábio estava chorando compulsivamente agora e Lucas entendeu o por que ele o queria ali,estava tentando evitar que a notícia chegasse até ele de forma mais cruel.Aquelas palavras giravam em torno de sua mente agora,como folhas secas caindo sem pressa sob a brisa matinal.

Lucas apenas se ajoelhou e sentiu que havia fracassado em tudo;estava perdendo o amor de sua vida de maneira gradativa e isso o fez perceber que nada fazia mais sentido sem Fábio.Aquele amor que transbordava em seu peito e em seus beijos,aquele abrigo que estava sempre à espera de seu abraço.Tudo estava evaporando depressa e as lágrimas pareciam a única fonte de redenção agora.Houve tamanha dor em seu coração,uma profundidade da qual queria fugir mas não sabia como.Por que afinal a vida estava fazendo isso com todos eles?Na verdade,por que a vida estava tirando seu grande amor?Ele não tinha tais respostas,apenas a dor estava presente em sua alma,e infelizmente seria assim.



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