O Tempo e suas Cicatrizes

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"O inexplicável vazio do amor que não se perdeu mas está em silêncio..."


"O tempo é cruel quando algo que desejamos pode estar logo ali,ou quem sabe distante de tal maneira que não se possa quantificar.Ele não nos oferece opção,apenas segue em frente e se cada caminho der certo,tudo bem mas caso nossa busca se transforme em perda,paciência..." 

Algumas pessoas juram que o tempo não passou corretamente,dizem que sua pressa em cumprir ciclos deixou apenas almas feridas ao longo do caminho,pessoas sem fé e sem esperança que cansadas de confiar em sua força,apenas desistiram.Outras agradecem por ele seguir em frente sem interrupções menores,dando lugar ao novo e ao ar de sensações únicas.Mas a verdade que quase ninguém percebe,é que qualquer teoria ou suposição genérica sobre o tempo não passa de tentativa;ele realmente não pode ser compreendido,e toda vez que nos desprendemos da realidade em busca de respostas,a vida perde instantes que poderiam valer à pena...

O natal se aproximava e a cidade havia se transformado num jardim dos sonhos.Árvores grandes espalhadas pelas avenidas,coloridas por luzes de neon e enfeites diversos faziam o ar parecer mais natalino do que nunca.As famílias se preparavam para as festas e também para receber parentes de outras regiões,uma tradição simples que parecia ter um novo significado à cada ano.Nessa época,as pessoas tendem a se mostrar cheias de fé,o que torna as relações mais agradáveis e possibilita prazerosas conversas à beira da lareira e faz os desejos serem mais plenos.

Os pais de Fábio tentavam realizar mais uma ceia de natal,mas o clima de saudade era imparcial e estava em cada canto da casa.Seu filho estava em coma há mais de quatro meses e a equipe médica sempre os atualizava sobre uma possível melhora.Na última reunião antes que sua mãe voltasse para casa,souberam que o coma foi causado pela pancada e o ferimento na cabeça do jovem,o que os deixou profundamente assustados.Segundo os exames mais recentes,Fábio tinha sinais vitais instáveis e seu estado ainda era uma incógnita em relação ao coma;não sabiam quando ele iria acordar e se teria sequelas graves.O maior medo de todos era que ele não acordasse.

 A mãe de Lucas também acompanhava o estado do jovem como podia,quase sempre por telefonemas para a família.Depois de compreender que nada havia mudado até o momento,tomou uma decisão que achou ser a melhor para Lucas,pelo menos por enquanto.Numa manhã ensolarada o chamou para uma conversa e desejou que ele aceitasse sua proposta.

-Filho,eu sei o quanto você está sofrendo e te ver assim é uma tortura.O Fábio ainda não melhorou e você sabe que essas coisas podem levar tempo então...-Ela disse

-O que a senhora quer que eu faça,que eu esqueça ele?Mãe,eu amo o Fábio e isso não é só jeito de falar,eu quero ele ao meu lado e isso não vai mudar por nada...-Disse o jovem

-Não é pra mudar nada Lucas,mas ficar em casa isolado,chorando no quarto e deixando sua vida de lado não vai ajudar em nada.Eu só quero ver você feliz filho,só isso...Quero que viaje comigo nesse fim de semana,vamos à casa de sua tia Cloe e passamos o natal lá.Vai ser bom pra você respirar um pouco e reencontrar seus primos...O que acha?-Disse sua mãe agora mais paciente

Lucas estava distraído com os carros que passavam lá fora,era como se sua mente quisesse isso.Ele escutou cada palavra da mãe e sabia que só desejava seu bem,estava certa em tudo o que disse.Ele havia se isolado do mundo nos últimos meses,evitava sair até com Júlia que era sua amiga mais próxima e isso a deixava triste.Ficava em casa lendo seus livros ou assistindo filmes,entre eles o primeiro que viu ao lado de Fábio,um romance clássico da década de 90.Ele gostava da leveza e da sensação que esses filmes traziam,sem tantos efeitos e mais realidade em cada gesto.Ainda um pouco distraído com o movimento ao seu redor,voltou o olhar para a mãe e respondeu o que achou ser o melhor à dizer:

-Tudo bem mãe,podemos ir sim...

Os dois planejaram a viagem no mesmo dia e Lucas pareceu se animar um pouco,o que deixou sua mãe mais confortável. Cloe era a tia mais velha dele e gostava muito de seu jeito inteligente e prático,além de ver a casa um pouco mais movimentada.A viagem seria uma forma de fazer com que Lucas tivesse algo novo para viver,mesmo que a tristeza ainda estivesse presente dentro do seu coração e nada externo fosse capaz de apagar isso.A verdade é que para uma mãe,não importam os recursos utilizados nem os meios para alcançar o resultado;a única coisa que importa é tornar um filho feliz e esse desejo transcende o que entendemos,é eterno.

Júlia soube que seu amigo finalmente estava disposto a ver o mundo,e numa curta porém sincera mensagem de texto desejou que ele seguisse em frente:

"Meu gatinho,sei que não dá pra esquecer a dor mas é bom ver que está tentando.Sua amiga te ama muito e espero que essa viagem o faça bem.Um beijo da Jú!"

Mas uma vez o tempo seguiu seu ritmo imprevisível e trouxe mudanças para cada um deles.A viagem foi mais do que Lucas poderia imaginar,pois a amizade com seus primos e os dias longe da dor o fizeram sorrir sem medo de sentir-se culpado por isso.Cada semana que veio à seguir o fez lembrar das coisas que gostava,como sair com os amigos e fazer suas caminhadas antes da mãe acordar.Lucas estava redescobrindo o mundo em cada pequeno detalhe,desde sensações até sabores de sua infância mas seu grande amor por Fábio não desapareceu,ainda estava lá dentro e queimava sua alma.

O natal ficou para trás,o ano novo chegou e os dias fizeram seu papel de registros temporários;a vida parecia mais rápida agora,mas as cicatrizes deixadas por ele ainda iriam doer muito.Fábio continuava em coma profundo e até sua família parecia perder as últimas esperanças de que ele voltasse;seu pai estava trabalhando freneticamente agora para esquecer que seu único filho,a quem amava mais tratou como lixo em determinado momento da vida estava cercado por fios e tubos em uma cama de hospital.Sua mãe estava ao seu lado quase todos os dias,apesar da equipe médica pedir que se cuidasse e que a qualquer melhora a mesma seria avisada de imediato.

Fábio não podia ouvir nem sentir nada daquilo,o medo ou a angústia que o cercavam.Sua respiração parecia tranquila,como uma criança que dorme serenamente na relva coberto apenas pela luz do sol,mas sem horário para acordar e voltar pra casa.O destino se mostrava severo e cruel com ele,mas a esperança,mesmo que ainda fugaz e tremulante ainda estava presente no coração de sua mãe.Talvez a dor só queira ser percebida,por que até ela mergulha na escuridão as vezes...


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