Além dos Olhos

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"A promessa de um amor sincero vence qualquer dor."


"Dizer só por dizer,palavras que se perdem em devaneios simples ou diante de situações vazias...Isso não resolve nada,não apaga as mágoas do passado nem mesmo a crueldade que feriu alguém profundamente.É preciso expor a alma para entender a vida..."

Ninguém nasce com a capacidade de lidar com o sofrimento,e isso é um erro natural da espécie humana.Você não aprende que a dor é um reflexo básico de algo ruim pelo simples fato de ainda não ter vivido algo ruim,e mesmo quando isso ocorre,não está preparado para reagir.Isso é apenas uma definição,acreditam alguns mas diante da dor real,da perda de algo ou alguém que tem um significado para nós,as definições e teorias mais cruéis tendem a se confirmar.

Além disso,existe um sentimento que nos impede de reconhecer e admitir o sofrimento:o orgulho,que surge enraizado em pessoas que de alguma maneira abandonaram parte de si mesmas tentando compreender a vida;pessoas que numa busca incansável por respostas simples e breves encontraram no caminho apenas o impacto da realidade,o som de vozes ecoando tentando dizer que existe mais do que se pode supor,mais do que os olhos podem expressar num ato qualquer.

Lucas estava deitado num banco amarelo claro,com cheiro de álcool e desenhos circulares.Estava dormindo,ou era isso o que parecia.O médico que os recebeu naquela manhã disse que não poderia ficar no quarto onde Fábio estava,pois ele ainda seria avaliado.Não houve discussão quanto à sua permanência ali,apenas um acordo silencioso definido pela dor de um e o profissionalismo do outro.Deitado,seu corpo parecia o de uma criança que,por medo do escuro,se encolhe dentro do cobertor.

Algumas enfermeiras passam,mas ele com os olhos ainda fechados não nota os detalhes.Lucas só desperta com o barulho de ferro rangendo,o que de uma forma vaga e assustadora o faz lembrar do carro que atropelou Fábio.O som na verdade é de uma das portas do hospital,mas sua mente não consegue fazer definições exatas nessa situação.Com passos lentos e um evidente cansaço,vai até o banheiro e diante do espelho lava seu rosto.Seus olhos agora com um tom avermelhado devido ao choro parecem ser de outra pessoa,talvez de um dos pacientes do próprio hospital.

De volta ao corredor,as lembranças do acidente começam a bombardear seus pensamentos.O carro preto em alta velocidade,os gritos e vozes ao redor de tudo e finalmente,o corpo ensanguentado.As imagens eram como flashes repetidos em sequência,como um filme de terror sem fim.Ele não queria lembrar,não queria sentir novamente o vazio que o invadiu naquele momento angustiante,mas a dor não age segundo nossos desejos,ela se faz presente sem avisos.Num ímpeto,levantou-se e foi até a recepção do lugar;precisava de informações sobre o estado de seu namorado.

-Por favor,poderia me dizer como está o paciente Fábio Hilbert?-Perguntou Lucas

Numa bancada de madeira e mármore fosco,a recepcionista fez uma rápida pesquisa no sistema em busca do nome.

-Qual o grau de parentesco,por favor?-Questionou a mulher

Lucas ficou em silêncio por alguns instantes.Não era costume seu mentir em situações como esta,e apesar de parecer algo impossível de dizer,ele apenas falou a verdade:

-Sou namorado dele.

A reação da mulher foi interessante.Lucas imaginava que ela o olharia por um longo tempo e diria que não era permitida qualquer informação à pessoas que não fossem da família,mas a reposta dela o surpreendeu:

-Deve saber que só pessoas da família podem receber informações não é mesmo?Mas,você está aqui há mais de 4 horas,deitado no corredor esperando por ele...Me diga seu nome e vou ver o que posso fazer.

Depois de informar seus dados,Lucas soube que Fábio havia passado por um cirurgia e que ainda estava em observação.A mulher não disse muito,apenas que o procedimento demorou um pouco e que o estado dele parecia instável.A notícia não o tranquilizou,na verdade só o deixou mais pensativo.Um procedimento cirúrgico indicava que o acidente tinha sido mais grave do que havia imaginado.Lucas se lembrou do ferimento na cabeça de Fábio e sabia que era grave quando viu.Teve medo de pensar muito e chegar a conclusões precipitadas.

Depois da entrada no hospital,não ligou para Júlia pois a bateria do celular estava fraca.Ele não sabia mas ela já havia avisado ao pais de Fábio sobre e, que naquele momento a mãe dele estava ao seu lado no quarto.Sem que percebesse,um homem se aproximou dele e disse:

-Precisamos conversar meu jovem.

Era o pai de seu namorado,que aparentava cansaço e tristeza em seu olhar.O homem que dias antes estava à sua frente condenando a relação do filho,parecia agora alguém indefeso.Chegou logo que soube do acidente e,para surpresa de Júlia ao telefone,foi quem mais se emocionou com a notícia.Essa é uma questão interessante;as pessoas são duras com quem amam por vários motivos,mas um deles é a insegurança,aquela sensação de que não temos mais controle sob a vida de um filho,por exemplo.Quando soube que Fábio estava no hospital,seu pai chorou escondido no banheiro de casa,colocando pra fora sentimentos ao quais só ele tinha acesso,dores que só seu coração de pai podia entender.

Lucas apesar de receoso aceitou o pedido.Numa área mais calma do hospital,os dois se sentaram e em seguida o homem começou a falar;queria dizer tudo e livrar-se de uma vez do medo de ficar em silêncio diante dos fatos:

-Bem,eu sei que sua impressão sobre mim não é das melhores e não posso culpá-lo rapaz.Eu fui criado por um ex-militar que sempre foi muito rude comigo,e de alguma forma carrego um pouco disso.O que eu quero dizer é que(...)Eu não sou esse monstro que pareço,e assim que soube do acidente percebi o grande erro que cometi com você e meu filho.Eu não sabia que era possível amar assim,como vocês e por isso o ódio tomou conta de mim.Não quero seu perdão,nem mereço mas quero que saiba que não odeio você,e que se o Fábio te escolheu é por que ele sabia que estava certo;ele sempre soube as coisas da vida melhor que eu.

Lucas ouviu cada palavra enquanto cenas do último encontro deles giravam em sua mente.Apesar de tudo,escolheu dar uma chance ao seu discurso,uma chance ao homem que estava aflito por seu filho.

-Eu entendo o senhor e,apesar de tudo o que aconteceu quero que saiba que desde o início o que sempre quis foi uma relação de respeito entre nós.Eu me apaixonei por seu filho no primeiro instante em que o vi,não sei explicar direito.Ele é forte e sempre soube dizer as coisas certas,além de ser extremamente justo e sincero.

-Lucas,eu não quero perder meu filho assim,não posso perdê-lo.Eu o amo mais que tudo nessa vida,e se eu e a mãe dele perdermos ele...

-Senhor,não vamos perdê-lo.O Fábio é forte.-Respondeu Lucas apertando sua mão.

Além do ódio anterior,ou de qualquer palavra dura,naquele exato momento a relação dos dois mudou para algo mais forte que o medo.Eles estavam esperando Fábio levantar daquela cama e dizer que estava bem,pedir um livro para ler e ouvir músicas de Cássia Eller.Mas o destino não os ouviu como queriam...


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