Capítulo XXV

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Enquanto a água fria do chuveiro corre pelas minhas costas, deixo meus pensamentos voarem soltos.
Tá aí uma coisa que eu nunca esperaria: Marina e Diego.
Precisaria de um tempo para me acostumar com a ideia, mas posso apostar que Tom precisaria de bem mais. A ideia deles dois sendo obrigados a conviver juntos por nossa causa me fez rir.
Diego não era nem de longe minha pessoa preferida do mundo, mas ele fazia Marina feliz, e isso era claro no olhar dela. Que tipo de criatura egoísta seria eu se fosse contra eles dois?
Logo eu, que havia descoberto a pouco tempo quanto gostar de alguém era bom...
Não só a Marina, mas eu desejo que todo ser humano do mundo se apaixone, pelo menos uma vez, como eu. Que cada pessoa sinta seu coração e seu pensamento ser tomado pouco a pouco pela presença de alguém, e que veja em tudo uma lembrança feliz.
Acho que só assim, se apaixonando, o mundo poderá ser um lugar melhor.
Ao sair do banho, abro a gaveta do armário e vejo a correntinha que Igor tinha me dado algum tempo atrás. Eu tirei ela quando tudo começou a ficar realmente confuso entre nós, e ali, quase sem querer, as lembranças das nossas conversas e momentos me inundaram.
Já era madrugada, e eu me senti culpada em estar passando pela janela de Igor e o procurando.
Depois de algum tempo, eu tinha percebido que ele tinha insônia muito frequentemente, e era comum encontrá-lo acordado de madrugada.
Por isso não foi surpresa vê-lo lendo tranquilamente numa poltrona. Se ele não tivesse me visto, eu poderia ficar um bom tempo ali o admirando, por que tenho que admitir, ele era lindo.
Ele veio até a janela, e antes dele me mostrar seu bloco de papel, eu já tinha pegado o meu.
Me espionando?
Ele me escreve. Que convencido!.
Claro que não, tava só passando aqui.
Mostro o papel pra ele, que faz uma cara de "claro".
Já falaram que você mente mal?
Leio, e é impossível não dar um sorriso.
Sim Igor. Já falaram.
Ele lê, e me responde em seguida.
Que fofa. Quer dar umas voltas por aí?
Ele me chamou de " fofa"? Que diabos é "fofa"? O respondo, demorando de propósito.
Claro. Amanhã?
Ele me responde rápido.
Quem falou em amanhã?
Vamos agora. Tenho um lugar pra te mostrar.
Era loucura. Eu sabia.
O que te leva a crer que eu aceitaria essa loucura?
Ele revira os olhos, e me responde em seguida.
Por que se você não for, vai passar o resto da vida se perguntando o que poderia acontecer. Simples.
Dois minutos, na sua porta, te espero.
Ele some da minha visão, e me deixa confusa entre ir ou não ir. Ele estava certo, se eu não fosse, eu iria me perguntar até deus sabe quando o que poderia ter acontecido. Então com aquele pensamento pego um casaco e desco sorrateiramente ao encontro de Igor.
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Assim que sai de casa agradeci mentalmente por ter levado um casaco. Estava frio... Muito frio. Talvez por isso eu tenha me demorado um pouco mais que o necessário no abraço quente de Igor.
Ele estava com uma calça preta e uma blusa vermelha.
- Você não está com frio? - falei, observando a névoa da madrugada bruxelar na luz do poste.
- Não. - ele responde sorrindo.
- Então pelo menos finja que está. Não quero me sentir excluída. - Brinco com ele, que sorri.
- Não temos tempo pra isso. - Ele fala, pegando minha mão e andando mais rápido. - Tenho um lugar pra te mostrar.
- Às vezes eu acho que você conhece mais lugares que eu, que passei minha vida toda aqui. - falo.
- Talvez. Você fica muito em casa, o que é um perda de tempo. - ele fala, fazendo pouco caso.
- Hou, me desculpe se eu não costumo sair pela madrugada a fora. - Falo. - Não é tão normal pra mim. Você tem insônia não tem? - falo.
- Como você sabe? - ele pergunta surpreso.
- Você não é tão discreto assim. - dou de ombros.
- Preciso providenciar cortinas. - Ele fala.
- Nossa! - O empurro de leve.
- Tô brincado Boba. - Ele ri. - Não é insônia, é reflexo das minhas várias moradas. Fuso horário sabe?
- Até parece que você morava na China. - Brinco.
- Mas eu morava lá. - ele fala simplesmente.
- Sério? Que legal. - Falo, um pouco mais alto que o normal. - Como fala amor em chinês?
- Sei lá. - ele fala. - Não aprendi Chinês, apenas morei um tempinho lá. As pessoas são estranhas.
- Imagino. - Falo, vendo quando ele para bruscamente. - O que foi? - Pergunto.
- Chegamos. - ele fala.
- Como assim? - falo olhando ao redor. - A gente tá no meio do nada.
- Você já subiu em árvores? - Ele aponta pra uma árvore enorme logo atrás de mim.
- Hãm... Você nã...
- Você não vai se arrepender. - ele me corta. - Vêm.
- Não tem outra alternativa? - falo, meio que prevendo a resposta.
- Coloca o pé aqui, e a mão bem ali. - ele aponta pra dois locais no tronco.
- Ai meu deus. - falo, fazendo o que ele diz.
Depois do que me pareceu um ano, e de muitos "Vamos Deborah" depois, chegamos num dos galhos mais altos, e sentamos um ao lado do outro. Olhei pra baixo.
- Igor, aqui é muito alto. - falei.
- Por que olhar pra baixo, quando você pode olhar pra aquilo ali? - ele aponta pra cima.
O céu estava completamente "nu" acima de nós dois, a lua estava cheia e as estrelas cintilavam como jóias.
- Lindo. - falo tentando resumir toda aquela beleza em uma palavra. - Completamente lindo.
- Sabia que você iria gostar. - ele fala, docemente. - Você sabe da história dele? - ele aponta para uma casinha abandonada bem abaixo de nos dois.
- Do velhinho que mora ali? - Pergunto.
- Sim. - ele afirma com a cabeça.
- Sei que ele é muito solitário, e que vive sozinho.
Ele ri.
- Qual a graça? - Pergunto.
- Ele amava muito a mulher dele, ela morreu de câncer, e todos os dias ele soltava um balão rosa em homenagem a ela. - Ele fala pausadamente. - E quem tem um amor assim Deborah, nunca está sozinho.
- Por que um balão? E por que você fala dele no passado? - pergunto.
- Por que ele acreditava que iria chegar até ela, no céu. - Ele fala. - E por que ele morreu.
- Ele morreu? - pergunto, como uma criança ouvindo uma história, cujo o final é desconhecido.
- Sim. - Ele fala. - Dizem que ele tinha um gaveta cheias de balões rosas, mesmo depois que morreu.
- Não acho triste. - falo.
- Eu também não. - ele sorri.
- Acho que só o fato dele ter vivido um amor tão lindo, Mesmo depois da morte dela, tira toda tristeza que poderia haver. - Falo.
- Penso que nem você. - Ele fala. - Ele devia ser muito amado por ela. E acho que é isso, que no fundo, todo mundo quer: Um amor que dure.
Ele fala isso enquanto seus olhos verdes se cravam no fundo dos meus.
Meu corpo estava totalmente apoiado no tronco forte atrás de mim, assim, nem se eu quisesse eu poderia me mover.
Igor se aproximava lentamente, e aos poucos fui sentindo seu calor e seu cheiro chegarem até mim. Eu só podia ouvir o barulho do vento, do meu coração disparado e da minha consciência que me acusava.
No momento que o nariz dele encostou de leve no meu, fechei os olhos. E esperei.
Esperei.
Esperei.
Nada veio, por isso abri os olhos, encontrando Igor ainda perigosamente perto, com um sorriso nos lábios.
- Não entendo. - Falei.
- Você não quer isso Deborah. Não como eu quero. - Ele fala, colocando a mão na minha nuca e puxando de leve os cabelos ali presentes. - E enquanto você não me quiser como eu quero você, não é justo que eu te beije. Você se arrependeria depois.
- Como você tem tanta certeza do que eu sinto, se nem eu sei ao certo? - Pergunto, ainda confusa com o quase beijo.
- É simples. - Ele fala. - Você é transparente. Nem se quisesse poderia esconder nada de alguém que te conheça bem, com exceção de você mesma. - Ele termina ironicamente.
- Eu preciso ir. - Falo, olhando pra baixo e me afastando dele.
- Calma. - ele fala. - Eu te ajudo.
Ele me ajudou a descer, em vários momentos demorando as mãos mais do que o necessário na minha cintura, e me provocando de todas as formas imagináveis.
- Eu não te entendo. - Falo, quando chego no chão. - Por que me provoca se não vai me beijar?
Ele ri, como se a resposta fosse óbvia.
- Eu disse que enquanto você não quisesse, eu não te beijaria. - ele arqueia uma sobrancelha. - Isso não impede que eu tente te fazer querer.
- Você é complicado. - Concluo.
- É tudo mérito seu.- ele fala.
Caminhamos algum tempo, Igor me fez rir algumas vezes, até que chegamos na porta de minha casa.
- Quando... Quando você vai embora? - pergunto, sentido o clima ficar tenso.
- Não se preocupe com isso. - Ele fala, depois de alguns segundos. - Ainda temos algum tempo.
Deixei um beijo na bochecha dele, que no último segundo virou um pouco o rosto, me fazendo beijar no canto de sua boca.
- Boa noite. - Ele fala. - E bons sonhos.
- Pra você também, e até logo, na escola. - Falo, me virando para entrar em casa. Olhei pra ele uma última vez, e o encontro me olhando, com um pequeno sorriso.
Quando finalmente me deitei na minha cama, uma sensação nova se instalou em mim. Saudade.
A constatação que Igor iria embora me deixava com um vazio enorme dentro de mim, uma lágrima solitária rola pelo meu rosto, enquanto aperto a correntinha que Igor me deu. Nem percebi a hora que dormi. Até escutar batidas na porta.
______________________________________ [...] Que cada pessoa sinta seu coração e seu pensamento ser tomado pouco a pouco pela presença de alguém, e que veja em tudo uma lembrança feliz.
Acho que só assim, se apaixonando, o mundo poderá ser um lugar melhor. [...]

Bianca B.

Um conto quase de fadasOnde histórias criam vida. Descubra agora