Capítulo 11

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João, agora morando sozinho na favela, iniciou uma nova fase de sua vida. Ele nunca usou droga, mas comprava as mulheres com ela. Ficou conhecido na comunidade. Usufruía tudo de bom que a vida tinha pra oferecer: dinheiro, bens materiais e mulheres. Pelo menos ele pensava assim.

A mão de obra no negócio é bem dinâmica. São poucos que conseguem ficar por muito tempo trabalhando. Assim, depois de algum tempo trabalhando, e passando por várias funções, ele chega a gerente. Cargo importante. O respeito da comunidade aumentou ainda mais. Só que ali o buraco era mais embaixo. Teve que sujar as mãos com sangue alheio. O seu olhar ficou frio. Não era mais o mesmo João.

Depois de algum tempo fazendo este trabalho, o dono da boca marcou três execuções. Todos da boca estavam sabendo. Era dia de festa. Depois de matarem os sujeitos, teria muita bebida, drogas e mulheres. A excitação era grande. A adrenalina corria no sangue. O prazer de sentir o poder de Deus em suas mãos. O de tirar a vida. Sentir o sangue ainda quente espirrando em seus corpos. Ainda mais depois de algumas cheiradas e fumadas, além do álcool que já haviam consumido. Era o céu. Quer dizer, era o inferno para eles.

Chegou à noite da execução. Os três homens são trazidos para o local da execução. A festa começa. Tiros são dados para o alto. Uma gritaria sem fim. Os homens estavam encapuzados. Mal tratados. Com bastantes escoriações no corpo. Com certeza, antes de levá-los para lá, eles já haviam passado por uma seção de tortura. Eles mal conseguiam falar. Ouviam-se os resmungos deles, bem de leve, quase sem conseguir escuta-los.

Três pessoas se posicionam atrás dos três homens, um a um, e ao mesmo tempo tira os capuzes deles. Estavam todos com as cabeças para baixo, pois já não se aguentavam de tanta pancada que haviam levado. Os três caras que estavam por trás colocam os braços em seus pescoços, e força a cabeça para cima para que todos os vejam. Depois deste ato, mais tiros para o alto. Mas ao mesmo tempo, João reconhece cada um deles: Minhoca, Cobra e Pedrão.

O tempo era curto. Ele não sabia o que fazer. Os segundos pareciam horas. Pensou em todas as possibilidades. Perguntou ao dono da boca o que eles haviam feito de errado. E ele disse que estavam devendo dinheiro para a boca, que eles eram viciados e que tinham que pagar para dar o exemplo. Senão todos iriam começar a dever a boca, e o respeito acabaria.

Ele pensou mais um pouco, durante alguns segundos que pareciam uma eternidade, até que veio a ideia. Ele propôs ao dono da boca que ele pagasse a dívida dos três. Eles já haviam apanhado bastante. A lição foi dada. Mas a condição seria que os três trabalhassem para ele na boca. O dono da boca mandou todos se calarem, e ficou pensando. Desta vez os minutos viraram segundos. Passou rápido. Depois de pensar muito ele anunciou a decisão. Falou em alto e bom tom para todos ouvirem. Disse que os três tinham acabado de pagar as dívidas, e que eles seriam liberados. Disse também que eles ficariam sob a responsabilidade de João. Mesmo sem as mortes, a festa rolou noite adentro.

Agora João tem em suas mãos três vidas. Por capricho do destino, são três vidas conhecidas. Uma a quem ele é muito grato, e duas que são muito gratas a ele. Eles três não foram mortos, mas entraram numa rabuda. Vão fazer uma viajem sem volta. Mas a vida é uma viajem sem volta. João não fica na festa. Ele leva os três caras para a sua casa. Manda chamar algumas mulheres da favela e pede para elas tratarem deles. Mostra a elas onde têm curativos e tudo mais. Sai novamente e vai dar uma volta pela favela. Procura um lugar bem calmo, onde ninguém pudesse vê-lo. Encontra uma laje no alto do morro, mas do lado oposto onde está rolando a festa. Senta. Olha para todos os lados. Olha para baixo e vê um mar de luzes. Olha para cima e vê o céu escuro, sem estrelas. Fica pensando na sua vida. No que ele estaria fazendo agora se o seu pai não tivesse morrido. Como estaria a sua mãe e os seus irmãos. Uma angústia profunda no seu coração. Um segundo de desespero e depressão. Uma vontade enorme de bater no mundo, de gritar, de socar alguma coisa, de chorar. As lágrimas descem como uma cabeça d'água num rio. Depois de horas sentado na mesma posição, ele respira fundo, enxuga as lágrimas do seu rosto, fica em pé, faz alguns exercícios de alongamento, e toma o rumo de sua casa.

Cobra, Minhoca e Pedrão se recuperam da tortura. Eles não tinham escapatória. Começaram a trabalhar para João. Mas a relação deles era simplesmente de trabalho, os três tinham uma enorme gratidão com João, além do respeito que já havia entre eles. Depois de alguns meses, essa relação se aprofundou ainda mais, pois os quatro sempre estavam juntos. Foi aí que João fez a proposta para os três.

— O que vocês acham de serem donos de uma boca? Masnão é aqui. É no Boaçú, o bairro onde nasci e cresci em São Gonçalo.  

Em nome de JoãoWhere stories live. Discover now