Capítulo 6

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Assistir um filho, ainda novo, enterrar um pai, é horrível. Ainda mais da forma como esse pai morreu. No enterro estavam todos os seus vizinhos, muitos dos seus parentes e amigos. Tinha em torno de duzentas pessoas. Não cabia tanta gente dentro da sala onde o corpo estava sendo velado.

Dentro da sala estavam João, sua mãe e seus irmãos. A mãe não conseguia se controlar. Parecia que não havia mais ninguém lá além dela. Ela ficava ao lado do caixão, na altura da cabeça, olhando para ele, sem parar de resmungar e chorar. Os filhos ao lado da mãe, dois de um lado e a menina do outro lado, abraçados na cintura.

Também estava presente o padre da Igreja Nossa Senhora do Pilar. Ele realizou uma missa de corpo presente. O padre conhecia muito bem o pai de João. Todos os domingos eles trocavam umas palavras na paróquia. Assim a missa teve um tom mais pessoal. O padre pode dar um depoimento mais real. A missa foi emocionante. O padre soube dizer a palavra certa e no momento certo, e conseguiu dar um pouco de conforto a todos que estavam presente.

Na hora de fechar o caixão o desespero foi maior. É a hora que a ficha cai. Depois disso nunca mais a pessoa será vista. As únicas recordações serão nas lembranças dos entes queridos, nas fotos e nos vídeos, se existirem algum.

Após o enterro a família de Clara foi falar com a mãe de João. Dar um apoio moral e dizer que se precisasse de algo poderia contar com eles. Essas coisas que sempre dizem quando estamos na pior. Enquanto a conversa acontecia entre eles, Clara se aproxima de João.

— Oi João.

— Oi, você sabe meu nome? João pergunta com um tom de surpresa.

— Claro bobo. Disse Clara dando um pequeno sorriso, e logo em seguida voltou à expressão de triste. — Sinto muito pelo o que aconteceu com o seu pai. Meus pêsames.

João não disse mais nada. A dor é muito intensa e ele amava muito o pai, era a sua referência de homem, de vida.

— Posso passar na sua casa para conversarmos? Pergunta Clara.

— Claro que sim. Vai lá amanhã.

A vida é engraçada, pois João nunca conseguiu falar uma palavra para Clara, e nem chegar perto dela, e no enterro do seu pai ela vem em encontro dele.

O dia do enterro nunca mais será esquecido. Pois além da dor de enterrar o ente querido, existe a dor de quando se chega em casa e não ver esta pessoa presente. Alguém tão próximo e presente como o pai. Rapidamente cresce um vazio tão imenso e intenso que não será preenchido durante muito tempo.

No dia seguinte, a tarde, Clara aparece na casa de João. Do portão ela chama o seu nome alto. A mãe dele aparece na porta, totalmente para baixo, desanimada, e manda-a entrar.

— Boa tarde, o João está em casa?

— Está lá dentro, pode entrar. Fala com uma voz fraca, de quem não dormiu a noite toda, desmotivada.

Clara entra na casa de João. Um silêncio imenso. Os seus irmãos estão deitados, chorando e sem vontade de se levantar. João estava sentando no sofá, também com cara de choro.

— Oi Clara.

— Oi João, me desculpe chegar assim, posso ir embora e voltar outro dia.

— Não vá. Fica um pouco.

Eles foram se sentar na calçada. João não conseguia falar. Não porque estava ao lado da sua grande paixão platônica, mas simplesmente porque não tinha vontade nenhuma de falar. Então Clara começou a puxar assunto. Falou da escola, dos professores, dos colegas. Depois mudou de assunto falando sobre as pessoas do bairro, da rua. João apenas balançava a cabeça concordando ou não. Ela falou de seus planos para o futuro, do que ela gostaria de fazer e etc. No fim, depois de umas três horas falando, ela disse que o achava muito bonitinho. João ficou sem jeito, mas apenas olhou para ela com um pequeno sorriso no rosto. Num ato inesperado ela coloca a mão dela sobre a dele. Ele fica mais sem jeito ainda, mas mesmo assim ele corresponde. Então, de repente, a mãe de João o chama para tomar o café da tarde, e convida Clara para entrar e se juntar a eles.

Os dias seguintes foram cruciais para que a mãe de João tomasse uma decisão. Ela pensou muito sobre o assunto. Conversou com a sua irmã que morava na casa ao lado. Depois de muita reflexão, resolveu mudar de cidade.

Dias depois do enterro do seu pai, João e sua família mudaram-se de cidade. O único motivo foi que ele, seus irmãos e sua mãe não conseguiam conviver com a dor da perda. Ainda mais que João viu a morte do pai. Justamente no lugar que era para ele se divertir. Hoje ele não vê mais diversão em nada. A revolta em seu coração era muito grande. Mesmo sem saber o que isso significava, ele sentia uma enorme sensação de impotência.

A despedida foi dolorosa. Todos estavam acostumados com o lugar. É como se o bairro fosse a sua própria casa. Sabe, você coloca os pés no lugar e já se sente seguro, protegido, em casa. Além disso, tem os amigos, familiares e vizinhos. Despediu-se do pessoal da escola que tinha contato. Depois foi a vez dos amigos, e por último dos vizinhos e familiares.

Encontrou Orlando pela última vez. Eles sentaram na calçada em frente à casa de Orlando e ficaram conversando. Falaram sobre o que aconteceu. Sobre o que iria acontecer com eles dali pra frente. Se algum dia eles voltariam a se encontrar novamente. Eles caminharam um pouco e acompanharam os passos de Clara pela última vez. Sempre observando. Mais doloroso ainda foi na hora de se despedir de Orlando. Abraçaram-se e choraram muito.

Foi na casa de Clara para se despedir dela. Foi muito difícil. Ela ficou emocionada e chorou. Dava para ver as lagrimas descendo de seus olhos. João, num ato inocente, tentou enxugar com a mão. Ele também não aguentou e chorou. Então se abraçaram. Ele sussurrou no ouvido dela.

— Obrigado por ir à minha casa. Foi muito bom falar com você e saber o que você sente. Eu sempre gostei muito de você, mas parece que nunca mais vou te ver.

Ela não falou nada, continuou o abraçando bem forte durante algum tempo. Depois eles soltaram os braços, e seguraram as mãos entrelaçando os dedos. E num momento inesperado, Clara dirige seu rosto na direção do rosto de João e dá um beijo, do tipo selinho, na boca de João, e em seguida solta as mãos e corre para dentro de casa. João entendeu que aquele ato era a despedida e foi embora.

Mas a vida é assim. Amigos vão e amigos vêm, e poucos ficam na sua vida até o final. No final sobra apenas você, alguns familiares e aqueles poucos que sobram. Infelizmente João está aprendendo isso da maneira mais difícil possível.

Os momentos de felicidade ali foram sucumbidos por umúnico momento de tristeza e dor: a morte de seu pai. É como se, ao mesmo tempo,a saudade e a tristeza aparecessem. Só que a tristeza fazendo com que a saudadetorna-se cada vez mais amarga.g���

Em nome de JoãoWhere stories live. Discover now