Capítulo 1 - "Nem venhas!"

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- MAS O QUE FIZ EU PARA MERECER ISSO? – Lamentei-me, após me levantar, mas a professora apenas manteve o seu olhar fulminante e esticou o braço indicando a mesa onde o rapaz antipático estava sentado.

- Agora Harry. – Ela repetiu, enquanto eu fazia de propósito para demorar séculos a arrumar as minhas coisas e mudar de mesa.

Apenas revirei os olhos e conformei-me com a triste realidade. Caminhei lentamente através da sala até ao canto mais longínquo da mesma, onde o rapaz loiro mantinha o seu olhar arrogante pousado em mim. Suspirei e sentei-me ao seu lado, voltando a retirar as minhas coisas para fora da mochila.

Ele não disse fosse o que fosse, apenas desviou o olhar para o quadro de novo e cruzou os braços, permanecendo encostado à parede numa posição que, sinceramente, me parecia extremamente desconfortável. Quando dirigi o meu olhar à mulher vestida com roupas exageradamente largas, esta esboçou um sorriso cínico e continuou então com a aula que havia sido interrompida.

- Então, tudo bem?

- Nem venhas! – Ele exclamou de imediato, quase que me interrompendo e eu até estremeci com a agressividade por parte dele.

- Credo rapaz, acalma o pinto. – Disse arregalando os olhos e desisti de falar com a criatura sentada ao meu lado.

Era inútil tentar sequer. O rapaz loiro é do mais chato que há, e ainda por cima também é antissocial, não é capaz de manter uma conversa com quem quer que seja nesta turma e por isso nem sequer sei o seu nome. Acho que é Neil ou algo assim. Sim, Neil. É isso.

- Neil tens o sumário? – Perguntei baixo, tentando não ser apedrejado logo ali por ele.

Ele rodou o seu pescoço lentamente e os seus olhos transmitiam toda a fúria nele acumulada. E era muita fúria.

- É Niall. – Ele disse, mas não consegui perceber o que ele dissera devido ao ruído que ecoava pela sala.

- O quê?

- Harry! – Ouvi um grito estridente que me chamou a atenção e voltei a encarar a professora que me olhava também furiosamente. Meu Deus, tanta gente stressada.

- Desculpe. – Murmurei, embora contrariado.

Só queria que a aula acabasse o mais depressa possível para poder sair de ao pé deste bicho-do-mato que cada vez que me ouvia parecia querer esmurrar-me. E qual era o problema dele em dar-me o sumário?

- Está aí. – Ouvi uma voz baixa fazer-se soar junto de mim e olhei para a mesa onde Neil empurrava o seu caderno na minha direção.

Fiquei algo espantado, pelo que me mantive em silêncio enquanto o puxava na minha direção, finalmente olhei para ele que já me olhava mas logo desviou o seu olhar para a frente.

- Obrigado. – Disse por fim, antes de começar a copiar as frases curtas presentes no seu caderno pautado.

Quando acabei passei o olhar pelo relógio e reparei que, felizmente, apenas faltavam cerca de dez minutos para estar livre daquele sufoco. Queria falar mas sabia que não podia fazê-lo com Neil ao meu lado, portanto podia apenas manter-me calado e "concentrado" na matéria a ser dada.

Ia olhando para o rapaz silencioso sentado o mais longe possível de mim, e de cada vez que o fazia, ele ajeitava-se na cadeira sem nunca desviar o olhar, embora se sentisse claramente desconfortável por estar a ser observado. Dava-me imenso gozo vê-lo ficar vermelho quando eu ficava demasiado tempo a fazer pressão sobre ele com o meu olhar, pelo que o fazia ainda mais, tentando conter os sorrisos que iam aparecendo involuntariamente.

- Podes parar? – Ele perguntou baixo, embora sempre rude.

- Não estou a fazer nada. – Murmurei de volta, tentando puxar mais conversa.

- Estás sim.

- Não me parece que esteja.

Neil inspirou fundo e fechou os olhos com força. Pousei o meu olhar na sua garganta e vi-o engolir em seco, como que contando até dez antes de responder. Uma vontade de rir apoderava-se de mim a cada segundo que passávamos em silêncio, mas ele finalmente falou de novo.

- Apenas para.

- De fazer o quê Neil? – Perguntei provocando-o com um sorriso que brincava nos meus lábios.

- O meu nome não é Neil! – Ele exclamou, talvez alto demais, mas ninguém parecia ter-nos ouvido desta vez.

- Eu acho que é.

Ele parecia confuso com a minha resposta e provavelmente questionou a minha sanidade mental por segundos.

- Estou a dizer-te que não é.

- Eu continuo a achar que te chamas Neil. – Ele cerrou os seus punhos e esfregou a cara com as palmas das mãos de seguida, tentando descomprimir a raiva que sentia.

- Sou o Niall. Não Neil. Entendes ou precisas de uma explicação mais detalhada?

- Sempre gostei de detalhes. – Respondi contendo o meu sorriso que permanecia colado aos meus lábios.

- Somos muito diferentes então.

- Opostos atraem-se. – Disse com um sorriso e ele olhou-me de lado com um desprezo hilariante. Manteve o seu silêncio durante vários segundos e finalmente falou.

- Não.

Virou-se de novo para a frente e cruzou os braços, encostando as costas na cadeira de madeira escura em que estava sentado. Uma vontade de rir incontrolável continuava dentro de mim, mas tive que me conter para que não fosse para a rua de vez.

Talvez o Neil não fosse assim tão insuportável.

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