Carnis Levale - 6

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Alguns segredos devem permanecer escondidos.
(O Amigo Oculto)

- Retirar a Carne.

Era a terceira vez que Lucius repetia aquilo e eu permanecia congelada a sua frente, ainda abraçada ao livro que ele havia me encontrando folheando. O sorriso em seu rosto, debochado e cheio de malícia, sofreu uma metamorfose retornando a expressão divertida e inocente de um senhor de idade.

- Oh, querida. - ele inclinou a cabeça, como se analisasse minhas emoções - Eu te assustei, não assustei?

Na realidade, aquela mudança - do maníaco homicida a um bom velinho digno de comparação ao papai noel - foi o que mais me assustou.

- Não. - consegui enfim dizer, a voz saindo trêmula - É a casa. - eu dei a primeira desculpa que me veio a mente e, ainda bem, aquela havia sido uma das boas - Essa atmosfera antiga e misteriosa está começando a me afetar.

Lucius concordou com as minhas palavras, acenando de forma gentil.

- Entendo o que quer dizer. A casa tende a provocar esse efeito. - ele então estendeu a mão em minha direção, solicitando o livro em meus braços - Seus amigos devem estar procurando por você. - completou então, como um incentivo.

Nervosa do jeito que eu estava, não esperei mais nem um segundo antes de entregar-lhe o livro e, resmungando um desejo de bom dia, abandonei a biblioteca. Após finalmente alcançar o corredor, não hesitei nem um segundo antes de entrar na sala ao lado, temendo que Lucius - que poderia ter voltado ao seu aspecto maníaco - resolvesse seguir em meu encalço.

- Caramba, Shelley, parece que você viu um fantasma. - Flora exclamou assim que me viu entrar no cômodo, logo depois de fechar a porta as minhas costas - Está tudo bem?

Entreabri os lábios, ponderando o que responder.

- Claro. - eu disse enfim - Tudo ótimo.

**

Nada estava ótimo.

Eu estava surtando diante da possibilidade de estar presa na companhia de um maníaco psicótico e meus amigos ainda queria que eu passasse o dia imersa nas cenas de terror e suspense dos filmes clássicos. Como se já não houvesse mistério o suficiente a nossa volta.

Sendo justa, preciso dizer que, para um possível psicopata, Lucius possuía um ótimo gosto para filmes. Não que eu conhecesse as preferências cinematográficas de outros psicopatas.

Enfim, para a minha surpresa, os filmes acabaram por ajudar a me acalmar. Sei que parece incoerente, mas todo o sangue, fantasmas e cadáveres surgindo na TV me ajudaram a colocar as coisas em perspectiva. 

Porque, se pensarmos bem, eu não tinha muitos motivos para temer.

Eu não estando acostumada a me afastar da civilização, então era fácil confundir os sons da floresta com gritos e batidas na porta. As portas poderiam estar abrindo por ação do vento. Fora isso, livros caíam de estantes o tempo todo. Era algo perfeitamente normal. Assim como malas sumindo no ar. 

Certo, eu teria que trabalhar melhor essa última observação, mas tinha certeza de que não se tratava de algo inexplicável.

No entanto, mesmo após toda essa racionalização dos fatos, eu não tive coragem de me reunir com os demais hóspedes quando chegou a hora do jantar.

- Não vai me dizer que os filmes tiraram o seu apetite. - Nicolas provocou quando comentei que não estaria presente na refeição - Achei que fosse mais forte do que isso.

Fiz uma careta diante do deboche.

- Não foram os filmes que tiraram o meu apetite. - esclareci, objetiva - Foi a batata-frita, a pipoca, o chocolate e os litros de refrigerante. - eu enumerei nos dedos tudo o que havíamos comido durante a maratona de filmes, depois que eu havia os convencido a trocar o almoço por tais especiarias.

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