Cinco - Parte 1

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05/05/2016

Sou uma pessoa noturna. Por mais que eu tenha tentado a minha vida inteira dormir e acordar cedo, nunca consegui. Quando eu era mais nova, minha mãe me ameaçava com baldes d'água e buzinas, tudo pra tentar me forçar a levantar a tempo da escola; lá pela oitava série (que hoje em dia já virou nono ano), ela percebeu que não havia solução pro meu caso e procurou uma escola onde eu pudesse cursar o Ensino Médio à noite. Foram os únicos anos da minha vida em que eu aprendi alguma coisa.

Então, levando em consideração o meu histórico, meus hábitos e o fato de que eu tinha ido dormir às três e meia da manhã, era de se surpreender que, às oito horas, eu já estivesse de olhos abertos, pronta pra batalha e sem um pingo de sono.

Não, na verdade não era surpresa nenhuma. Era o dia do meu casamento.

Levantei da cama pulando, o coração acelerado.

Eu vou me casar.

Eu vou me casar!

Sim, esse momento já era esperado. Sim, era meu sonho. Sim, eu estava ansiosa. E só tinha uma pessoa com quem eu gostaria de dividir esse momento.

Mas ela não estava lá.

Claro que não. Ela tinha me dito que não estaria. Dá azar ver a noiva antes do casamento, ela disse. Eu retribuí dizendo que antes do casamento significava "com vestido de noiva", mas a única pessoa a quem ela sempre deu alguma razão foi a si mesma, então não adiantava argumentar. Ela estava lá quando adormeci, mas é claro que não estaria quando acordasse. Ao contrário de mim, ela era uma pessoa diurna - provavelmente tinha acordado sete horas da manhã pra fugir de mim.

Fui até a cozinha do nosso pequeno apartamento. Na porta da geladeira, pregado com um ímã em formato de maçã, havia um bilhete.

"Princesa, bom dia. Saí bem cedo e fui pra casa da Lu. Já dei comida pro Manda-Chuva e deixei café pronto. Te vejo à noite.

Nem preciso dizer que te amo, né?"

Ri com o bilhete. Era a cara dela.

Senti alguma coisa nas pernas, e quando olhei pra baixo, vi Manda-Chuva, nosso siamês mimado e cego de um olho, esfregando-se em mim. Ele era muito mais dela do que eu, mas na ausência da dona, Manda-Chuva contentava-se comigo. Peguei-o no colo e fui tratar de comer alguma coisa.

~*~

O dia passa devagar quando você está ansiosa por alguma coisa.

Eu não estava acostumada a viver pelas manhãs. Como trabalho há muitos anos no período da tarde/noite numa livraria, todos os dias eu me deito tarde e acordo quando já é praticamente hora do almoço. Mas hoje, tendo acordado cedo, eu estava vendo o dia passar de uma forma diferente. Longa. Chata.

Meu horário no cabeleireiro era só às três da tarde, então me restava uma impaciência louca para esperar a hora chegar. Me perguntei o que ela estaria fazendo. Provavelmente estava cuidando dos sobrinhos enquanto minha cunhada, Lúcia (também conhecida como nossa madrinha de casamento) entrava em pânico antecipado pela cerimônia. Ela provavelmente estava calma, brincando de polícia e ladrão com a  criançada, sem sofrer da mesma ansiedade que eu.

Essa era a minha Jade. Calma, equilibrada, incapaz de se estressar pelo que quer que fosse. Eu a invejava com todas as minhas forças às vezes.

Eu estava na sala, com a TV ligada num programa matutino qualquer, e me distraindo com Manda-Chuva e uma caixa de sapatos quando o meu celular tocou. Atendi sem nem olhar.

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