Verdade ou Consequência? - Parte 1

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Quando a campainha começou a tocar incessantemente eu já estava bem instalada no meu sofá, enrolada no edredom como um charutinho e apreciando o traseiro do Jess Mariano na TV. Eu sabia que seria uma péssima ideia abrir aquela porta, de modo que me concentrei no romance Gilmore e ignorei o fuzuê no meu corredor.

Veja bem, aquilo não era apenas uma intuição, era conhecimento de causa. Era uma matemática tão certa quanto a morte de 90% dos personagens mais legais de Game of Thrones: se eu abrisse aquela porta, coisas ruins aconteceriam. Ação e reação. Simples. Por isso, eu fiquei exatamente onde estava pelos próximos 15 minutos, concentrada no seriado e mantendo a paz interior.

Infelizmente, meus vizinhos não possuíam essa evoluída capacidade de abstração, então (após três ligações furiosas) fui obrigada a rastejar até a porta e resolver o problema.

- Vão embora! – Berrei, sem me dar ao trabalho de ver pelo olho-mágico.

- Cora! Vamos! Não seja chata! Deixa a gente entrar!

- Está um aguaceiro dos diabos lá fora! O mundo está desabando.

- É! Vamos morrer de pneumonia! Abre essa porta!

Preparada para o drama, passei por debaixo da porta várias folhas de papel-toalha, muito bem dobradas e enroladinhas em plástico-filme (afinal, eu queria que eles fossem embora, não que contraíssem alguma doença horrível do chão enlameado).

- Resolvido. Podem se secar antes de ir. Adeus!

- Você tá de sacanagem! Volte já aqui! Que insensível! – Ouvi Sandra resmungar, a indignação sendo abafada pelo ranger dos dentes. Estava mesmo muito frio. – Abre a porta, Cora!

- Não! Se eu deixar vocês entrarem, sei que vão me obrigar a fazer algo desagradável, que eu certamente não aprovo e que vai corroer minha alma de arrependimento depois. É sempre assim! Não estou no clima. Obrigada, me liguem na semana que vem.

A baderna emudeceu e por uns instantes achei que tinha vencido. Meu suspiro de alívio virou um acesso de tosse inesperado quando a voz dele soou no corredor.

- Cora, seja razoável! Isso não faz o menor sentido, você já é bem grandinha para tomar suas próprias decisões.

A voz de Mauro sempre parecia muito convincente, especialmente por causa do seu timbre ridiculamente gostoso de ouvir. Tipo galã de rádio-novela, capaz de salvar o mundo falando "era uma vez", porque todo mundo vai querer parar e escutar o fim da história. Naquele momento, parecia que ele estava acariciando o outro lado da porta, como se pudesse fazer a madeira gemer e derreter até se abrir para ele. Era um quase super-poder obsceno, se você quer minha opinião.

Eu podia imaginá-lo facilmente como o simpático e malandro Robin Hood (a raposa da Disney, não a versão malhada de Once Upon a Time), em uma tentativa bastante óbvia de me engabelar. Caminhando despreocupadamente pelo corredor e olhando por trás dos longos cílios, fazendo charme para as meninas antes de tentar novamente.

- Vamos lá, Cora. Eu prometo que nada de ruim vai acontecer. Ninguém vai te obrigar a nada, eu cuido de você a noite inteira... Deixa a gente entrar...

- Ou vamos descobrir um uso mais interessante para o extintor de incêndio do que decorar esse corredor! – Gustavo gritou, batucando na porta como um lunático. Outro par de mãos se juntou a ele e, em questão de segundos, estava orquestrada a baderna.

- Tá bem. TÁ BEM! Calem a boca! Eu vou abrir!

Derrotada, destranquei a porta e rastejei de volta para o sofá, enquanto uma trupe de meliantes desordeiros invadia minha casa com caixas de isopor, bebidas em sacolas plásticas e um cone de trânsito (sobre o qual eu jamais perguntaria).

-Você parece uma raposa paralisada pelos faróis de um carro, Cora. Melhora essa cara, a noite só está começando! – Ouvi Sandra comentando com uma risada tiritante, largando o casaco molhado no meu piso de madeira encerado.

Eu não consegui responder. Repentinamente, um arrepio gelado me atravessou, como um pressentimento funesto de que ao fim da noite eu seria, mesmo, atropelada por aquele carro.

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