Des(a)gosto - Parte 1

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— Liana... – Rodolfo me chamou timidamente, tocando a mão no meu ombro – Eu posso falar com você?

Mordi o lábio ao me lembrar dele dizendo a mesma frase com uma voz muito, muito menos sóbria há três dias atrás. Ele merecia uma bela de uma bronca.

E provavelmente sabia disso, já que escolheu bem o refeitório da empresa para vir falar comigo. Longe o suficiente do escritório para não ouvirem a conversa, perto demais para eu não poder dar o berro que eu queria.

— Sinta-se à vontade. – Disse, forçando um sorriso e me virando para ele. Para evitar problemas como a cara dele sendo atingida com café quente, achei melhor deixar a minha bebida preferida para depois.

Sim, eu sei, sempre dei sermões sobre continuar a amizade após o término do namoro, mas o Rodolfo não está facilitando para o meu lado.

— Me desculpa. Por favor. – Ele estava de cabeça baixa, sem olhar nos meus olhos – Eu não devia ter bebido tanto.

O meio sorriso foi mais sincero desta vez. Já ouvi muitos pedidos de desculpa não sinceros dele para reconhecer que esse era de verdade.

E tinha mesmo que ser.

Eu e Sabrina, uma outra garota da empresa, fizemos aniversário na última semana, e como todo mundo daqui da empresa, menos João Lucas, adora uma desculpa para festas, combinamos de irmos comemorar em um barzinho depois do expediente.

E sabem quem apareceu lá? João Lucas.

"Tá, Liana, e daí?" deve ser a sua pergunta do momento, já que eu não expliquei quem é esse tal de João Lucas.

Acontece que ele é nada mais, nada menos, que o cara que eu estou afim há uns três meses e que nunca saía com a gente.

Nunca.

Eu não era cara de pau a ponto de chegar nele ali na empresa e chama-lo para alguma coisa, – eu nem ao menos sabia se ele estava solteiro – então aquela foi a minha oportunidade de ouro: puxei assunto na mesa, descobri o estado civil, fomos dançar...

E fui brutalmente interrompida pelo Rodolfo, que decidiu que aquela era uma ótima hora para dizer que ainda me amava e que não podia viver mais sem me ter como namorada dele.

Na minha melhor imitação de narrador de notas de escola de samba: Timing, nota dez.

Só que não.

— Claro. – Respondi. O que mais eu faria? Colocar o nome dele no Macumba Online pedindo para ficar com diarreia? Eu tenho vinte e quatro anos, por favor, isso é coisa de quem tem vinte e três. – Só me explica o motivo do seu eu bêbado achar que aquela era a melhor hora para pedir para reatar, porque sinceramente...

— Ciúmes. – Ele confessou amargamente. Fiquei alarmada.

Era tão óbvio assim que eu estava interessada no João Lucas?

— Por...?

— Ah, vai dizer que você não percebeu? – Rodolfo entrou na defensiva, aumentando um pouquinho o tom de voz – Aquele cara está afim de você há um tempo já.

É o que?

— Você só pode estar me zoando... – Falei. Aparentemente para o nada, já que ele estava ocupado começando a explicar.

— Desde o começo do mês passado tenho pensado em nós dois e vou adiando o assunto, sabe? Acho que ver ele tentando te conquistar ontem me deixou...

— Ele tentando me conquistar? Eu estava tentando conquistar ele! – Dessa vez foi Rodolfo a ficar em choque – Cara, eu sei que deve ser meio insensível dizer que eu quero partir pra outra enquanto você se declara pra mim, mas... nós terminamos em janeiro, Rodolfo. Já é agosto.

Ele respirou fundo, provavelmente pensando em alguma coisa para dizer que eu não pudesse rebater. 

O que, claro, resultou em nada e o fez desistir.  Qual é, nós mantivemos uma boa amizade e ele até chegou a namorar outra mulher, eu seria uma trouxa se não tivesse superado.  

— O João Lucas está mesmo afim de mim? Porque eu estou interessada nele também, Rô. E, com ele sendo uma opção...

— Você não vai me considerar. Eu entendo. – Na verdade eu não consideraria voltar com ele nem se estivesse solteiríssima, livre, leve e solta, mas ele pode ficar sem ouvir essa – Vai lá, Lia, chama ele pra sair.

Animada com a informação recém recebida, dei um abraço em Rodolfo.

E fui.

*****

Tá, eu esperei o horário da saída chegar. Como trabalhamos no mesmo setor, temos horários de almoço diferentes, fazendo essa ser a única opção.

O tempo foi bom para pensar em um plano, é claro. Eu não ia chegar já dizendo "hey gato, quer fazer um intercâmbio na minha boca para estudar a minha língua?", tinha que ter um pretexto para sairmos e usar a cantada durante o encontro.

Afinal nós realmente trabalhamos com intercâmbio, é uma oportunidade muito boa para ser perdida.

— Olá. – Me encostei na mesa dele sorrindo.

Ele girou a cadeira na minha direção, me cumprimentando com a cabeça.

— Olá. O que conta de bom?

—Hum... Do que mesmo que você disse que gostava esses dias? - Eu sabia muito bem o que era - Brownies?

— Brownies são um pedaço no paraíso na Terra. – João Lucas assentiu, fechando os olhos – Fico com vontade só de imaginar.

— Ótimo! Eu ia te falar de um lugar que eu costumo ir muito, se chama Pub do Brownie. Adivinha qual é a especialidade da casa?

— Assim, sem alternativas? - Ele deu um sorriso travesso - A sua pergunta é muito difícil, acho que vou ter que ir até lá para conferir o cardápio antes de te dar uma resposta.

Isso!

—Acho que eu vou ter que ir junto para garantir que você não vai roubar e perguntar a respos...

E eu fui interrompida. Pela, o que, segunda vez na semana? É um sinal de que eu deveria virar celibatária ou o que?

— Atenção. – Pediu o meu chefe após bater as mãos várias vezes seguidas – Quem aqui está interessado em uma segunda-feira de folga?

Tudo bem, esse anúncio pode interromper o que ele quiser.

— Eu quero tanto pegar esse feriado... – João Lucas falou em voz baixa, como se para si mesmo.

— A data que eu escolhi neste ano é uma forma de justiça para os que odeiam a data contrária. – Justiça? Data contrária? – Pela primeira vez, quem recebe o presente são os não comprometidos: o Desferiado será no dia 15 de agosto, o dia dos solteiros.

Olhei para a cara dele.

Olhei para João Lucas.

Olhei para o chão.

A vida só pode estar de brincadeira com a minha cara.

Nossos 12 mesesOnde histórias criam vida. Descubra agora