Des(a)gosto - Parte 2

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Eu estava tão em choque com o tamanho da minha falta de sorte que, apesar de olhar para o meu chefe, não ouvi mais nenhuma palavra do que ele dizia.

Por que bem o dia dos solteiros? Dia quinze também é o dia da informática!

Tantas coisas para serem comemoradas e ele ferra assim com a minha vida?

Observei o meu chefe saindo e várias pessoas alegres com a data escolhida. Vão ser alegres pra lá, bem longe de mim, por favor.

— Quer dizer que são vocês que vão ficar de plantão no dia quinze? – Pedro, o outro cara do meu setor, se debruçou sobre a divisória da mesa dele e de João Lucas.

Ele tinha ouvido alguma coisa?

— Quando foi que eu mudei o meu estado civil? – Cruzei os braços – Não fiquei sabendo.

—Ah, desculpa, eu achei que o convite para ele era com segundas intenções. – Pedro respondeu com um sorrisinho falso.

A faculdade de Turismo pode até não ser da área de exatas, mas não precisa ser um gênio da trigonometria para fazer essa conta: as quatro pessoas que trabalham no meu setor menos as quatro pessoas solteiras do meu setor dá um total de nenhuma pessoa trabalhando no dia quinze e não é isso que vai acontecer.

Esta situação não seria problema no setor de viagens a lazer nacional e internacional, qualquer um da empresa pode fechar esse tipo de pacote. No empresarial? É um pouquinho mais complicado, admito, mas imagino que eles conseguiriam se virar.

Agora, no setor de intercâmbio? Os serviços às vezes são uma dor de cabeça até para nós que somos treinados! Se ainda por cima o meu chefe considerar os cinco adolescentes que vão embarcar neste mês para as suas High Schools, é bem provável que peça para ficarem dois e não um só de plantão.

Então te digo, doeu no fundo da alma dizer para o Pedro que era um encontro de amigos na frente do João Lucas, mas não me restaram opções.

— Se com segundas intenções você quer dizer "aproveitar a desculpa de apresentar o lugar só para ir se encher de comida junto", confesso: sou culpada. Não é todo dia que eu encontro motivos para gastar todo o meu salário lá.

Na verdade eu tenho uma listinha de motivos comuns: fechar pelo menos três pacotes em um dia, depressão após o final de alguma temporada de série, nos aniversários da minha cachorrinha e TPM.

E sim, a Bolinha tem mais de um aniversário: o dia do nascimento, o dia que a minha vó a comprou e o dia que ela, após muita insistência da minha parte, a deu de presente para mim.

— Sério? Eu posso aproveitar a desculpa também?

"Não, você absolutamente não pode, sua naja! " era tudo o que eu queria gritar para ele, mas usei todas as forças que eu tinha para engolir esta resposta.

— Claro! – João Lucas disse, me surpreendendo. Sério? Ele não estava supostamente afim de mim? Ele não entendeu que era um encontro? – Eu ia perguntar se a Liana podia amanhã, você está livre?

Eu quero chorar deitada em posição fetal.

— Eu treino taekwondo às terças.

— Ah. Que pena. – João Lucas respondeu, mas o seu tom de voz indicou que ele não tinha pena coisa nenhuma. É o quê? – É o único dia da semana que eu posso.

Será que ele sabia do treino do Pedro e sugeriu o dia de propósito?

Por favor, seja isso!

— Que coincidência, não é mesmo? – O tom de falsidade na voz dele ficou bem óbvio – Eu vou ficar de olho em vocês dois, fiquem sabendo. Já que está todo mundo solteiro, tem que existir um critério de desempate, sabem como é...

Ele é tão filho da puta que não se contenta em somente ser empata-foda, ele quer assumir o título.

Por sorte a minha resposta veio rápida como Usain Bolt.

— Se eu bem me lembro, a preferência é de quem trabalhou no ano passado. Você pegou o feriado, não?

Eu sorri. Ele sorriu também.

Não era para ele sorrir.

— Se todo mundo for solteiro, é esse critério sim e quem fica sou eu e a Ana Júlia. – Os dois foram os sortudos do desferiado do ano passado, o dia nacional do ciclista – Se. Sempre pode acontecer de alguns estarem menos solteiros do que os outros, não é?

E saiu, me deixando sozinha com o João Lucas. Eu não sabia onde enfiar a minha cara para não olhar para ele agora.

A ideia era deixar tudo rolar naturalmente durante o encontro, mas depois dessa conversa...

— Então... Pode ser amanhã? – O quê? Ele quer marcar mesmo assim? – Eu não vou esperar até o Pedro poder ir junto para comer brownies.

— A gente sempre pode ir mais uma vez caso o Pedro insista. Nunca é demais, não é mesmo? – Dei um sorriso de canto – Amanhã está ótimo.

Ótimo.

Perfeito.

Maravilhoso.

Aaaaah, eu já posso sentir a alegria de beijar na boca antecipadamente. Afinal, o que o Pedro não vê, ninguém fica sabendo.

Nossos 12 mesesOnde histórias criam vida. Descubra agora